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A pedologia histórico-cultural de Vigotski
Autoria: Claudia da Costa Guimarães Santana
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NOTA À SEGUNDA EDIÇÃO
PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DAS FLORES[1]
Estudar Vigotski não representa para mim apenas uma opção teórica entre tantas possíveis. Conhecer o pensamento deste autor, aquilo que nos foi possível conhecer, me trouxe esperança. Sobretudo, esperança no outro. Parece hilário falar sobre esperança justamente num momento em que, historicamente, vemos ruir a nossa possibilidade de fazermos planos. Talvez por isso, a memória e as palavras de Vigotski ganhem ainda mais sentido. O caos, as incertezas, as crises, os conflitos são a prova cabal de que somos capazes de fazermos escolhas conscientes e a oportunidades que temos para nos confrontarmos com elas.
Com Vigotski não foi diferente, ainda que consideremos todos os condicionantes que separam um tempo histórico de outro. Assim como ele, estamos presenciando um momento de grandes mudanças: mudamos a maneira de nos relacionarmos amorosamente, mudamos a maneira de conhecermos o mundo, mudamos a forma como vivemos socialmente, mudamos, mudamos, mudamos. Para mim, a questão que se apresenta é: em que direção essas mudanças caminham? Qual o sentido atribuído à necessidade de mudarmos?
Vigotski e seus companheiros tinham claro qual o sentido da mudança pelo qual lutavam e sem o qual não valeria viver. Depositaram toda a sua esperança na capacidade humana de criar novas possibilidades de existência ainda que em tempos inférteis de negação da própria vida. Para mim, e assumo que essa é uma compreensão bem pessoal, Vigotski lançou flores pelo nosso caminho. Sementes de esperança de que é possível superar criticamente as condições que nos desumanizam. As vicissitudes que surgem diante das nossas esperanças não desmerecem seu caráter transformador. Alguns diriam que Vigotski e seus amigos viveram suas utopias de um novo homem e que nada mudou. Mais uma vez nos deparamos com a capacidade humana de fazer escolhas. Talvez esse seja nosso maior fardo.
Para mim, o que ele nos mostrou é que diante da dureza aparente da vida, aquilo que nos escapa também é vida. O inesperado, o inacabado, o incompleto são faces constitutivas de seus reversos. Isto é, o esperado se define como tal por meio da existência do inesperado, enquanto a incompletude é o ponto necessário para identificarmos quando um ciclo se finaliza. Por isso, para Vigotski, é necessário acreditarmos que a vida é muito mais que sua expressão externa e que há um movimento intenso e doloroso de novas possibilidades que se apresentam a cada instante. Inspirada pela linda e saudosa canção de Vandré, diria que Vigotski fez da flor da esperança seu mais forte refrão.
Dedico essa segunda edição a Elena Kravtsova, neta de Vigotski, que deixa, como um dos seus legados, seu esforço para trazer a público as obras de seu avô. Elena assumiu um compromisso de mostrar um Vigotski que não conhecíamos, pois suas obras ficaram proibidas na antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas por 50 anos. Elena herdou do seu avô a generosidade de deixar flores pelo nosso caminho. Devo a ela a oportunidade de me encontrar com esse Vigotski pedólogo.
Conheci Elena pela primeira vez, em 2013, em Niterói, por ocasião do I VERESK – Simpósio Internacional Brasileiro-Russo realizado na Universidade Federal Fluminense. Ao contrário do que eu esperava, ela era uma mulher de baixa estatura, porém com um olhar forte e vibrante. Em 2014 quando estive em Moscou por conta da pesquisa de doutorado, Elena me recebeu em seu escritório para uma entrevista juntamente com outros companheiros de pesquisa. Para mim seus olhos expressavam a curiosidade de saber por que pessoas de uma terra tão distante insistiam em desbravar os escritos do seu avô. Quais seriam os interesses comuns entre culturas tão distintas? Respondo hoje a Elena. Estávamos em busca de uma ciência viva, de uma compreensão científica que nos desse a capacidade de entender como os processos de humanização são resultantes de vivências dialeticamente estruturadas. Em outras palavras Elena, estávamos em busca de sementes de esperança de que é possível pensar cientificamente de forma crítica sem que isso representasse uma redundância.
Sobre esta segunda edição gostaria de fazer algumas considerações. Primeiro, como uma pequena homenagem a Elena, trago o texto escrito por ela, em russo, que compõe o prefácio deste livro. O texto original seguirá logo após a sua tradução para o português. Para mim, não se trata apenas de um estilo editorial, mas uma opção de dar espacialidade política a esse idioma. Segundo, optei por manter ao longo do capítulo 2 as mesmas referências às aulas de pedologia conforme constam na primeira edição. O texto que serviu de base para este livro está nas referências com o nome de Fundamentos de Pedologia, mas foi publicado em 2018 como título 7 aulas de L. S. Vigotski: sobre os fundamentos da Pedologia (Editora E- Papers). Por fim, revisitando a segunda aula de Pedologia em que Vigostki trata do método científico percebi que não foi por acaso que esta segunda edição nasce na estação da primavera. A disposição para pensar criticamente é a condição existencial para que nosso pensamento sobreviva no solo mais infértil e nos prepare para tempos históricos mais exigentes.
Claudia
Outubro de 2020
Primavera no Hemisfério Sul
Notas de Rodapé
[1] Título de uma canção escrita e interpretada por Geraldo Vandré lançada em 1968.
Ano de lançamento | 2020 |
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ISBN | 978-65-5869-037-5 |
Número de páginas | 240 |
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Autoria | Claudia da Costa Guimarães Santana |