10 anos do curso de licenciatura em química – campus Guanambi: trajetórias de construção da identidade docente

Bárbara Katharinne Alves Borges Lessa, Jane Geralda Ferreira Santana, Sílvia Cláudia Marques Lima

PREFÁCIO

Identidade

Preciso ser um outro
para ser eu mesmo
Sou grão de rocha
Sou o vento que a desgasta
Sou pólen sem insecto
Sou areia sustentando
o sexo das árvores
Existo onde me desconheço
aguardando pelo meu passado
ansiando a esperança do futuro
No mundo que combato morro
no mundo por que luto nasço

MIA, Couto. Raiz de Orvalho e Outros
Poemas. Maputo: Editorial Caminho, 2001.

 

A epígrafe deste prefácio, um recorte textual, da obra poética Raiz de Orvalho, do poeta moçambicano, Mia Couto, pode induzir certamente o pensar sobre a identidade docente na contemporaneidade. Analisado assim, a parte de seu contexto poético, o título Identidade, pode aproximar-se do processo de construção identitária do ensino de ciências na formação de professores(as) de Química, pois este edificar está vinculado à interação com o coletivo, à sedimentação de experiências individuais que se reconstroem no fazer docente e na reflexão sobre a prática pedagógica e o desenvolvimento da profissionalidade docente.

O(a) professor(a) necessita sempre viver a alteridade, dialogar com o(a) outro(a) para ser ele(a) mesmo(a). No mundo do “chão da sala de aula”, instaura-se um combate de como fazer com que o conhecimento alcance o(a) outro(a), tornando-se o(a) docente um elo mediador entre gerações que necessitam considerar o rigor científico, os saberes, as experiências, as práticas e os processos investigativos como um campo de luta que deve renascer a cada construção e produção de conhecimentos.

É neste cenário que a obra intitulada “10 anos do curso de Licenciatura em Química Campus Guanambi: trajetórias de construção da identidade docente” pretende expressar a construção desse itinerário formativo: a docência no ensino de Química no Campus Guanambi do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Baiano (IF Baiano).

A referida obra organizada pelas Professoras Jane Geralda Ferreira Santana, Bárbara Katharinne Alves Borges Lessa e Sílvia Cláudia Marques Lima descreve em seus diferentes artigos os desafios, as condições, os elementos constitutivos da formação docente em Química e, acima de tudo o compromisso com esta dinâmica formativa, que revela um esforço coletivo para articular as especificidades pedagógicas de cada área de conhecimento (química, humanas e exatas).

A obra socializa com a comunidade experiências, relatos e resultados de intervenções que incluem diferentes olhares, mãos, saberes, conhecimentos, atores, ações, políticas públicas, processos infraestruturais, curriculares, atividades de extensão, bem como a pesquisa no processo formativo da docência. Contexto no qual a Licenciatura em Química se institui o agente propulsor à constituição da identidade do(a) docente e do seu movimento paradigmático formativo na ação de professor(a) pesquisador(a), com destaque para a Educação Básica e a existência do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação a Docência (Pibid).

Ao longo desses 10 anos, as organizadoras expressam na apresentação da obra a importância da expansão da educação federal no Brasil, em especial, a interiorização do conhecimento e a formação de professores(as), e, em cujas ações protagonistas da academia, o curso de Licenciatura em Química inscreve o seu significado no Território baiano de Identidade do Sertão Produtivo.

Diante desse contexto, ao acompanhar a trajetória identitária da Licenciatura em Química no Campus Guanambi, durante esse decanato como Coordenadora Geral da Educação Superior e Coordenadora Institucional do Pibid (2011-2017) no IF Baiano, percebo que se atinge o campo da memória e do construto de uma instituição nova, que aprendeu numa arena de luta a se fazer e a se constituir espaço formativo docente.

Importante delinear esse parêntese: a Lei 11 892/08, que instituiu a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, criou os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, e dando outras providências, transformou a Escola Agrotécnica (Antônio José Teixeira), situada a 19 Km do Centro de Guanambi, na Zona Rural de Ceraíma, em um Campus do IF Baiano, cujos profissionais tinham experiência agrícola e hábito diurno, muitos com mais de uma década de atividade profissional.

Portanto, essa Lei equiparou os Institutos Federais às Universidades no âmbito da regulação, avaliação e supervisão, conferindo-lhes autonomia para criar e extinguir cursos, enquanto autarquia. No bojo desse ordenamento, destaca-se o compromisso institucional com a Educação Profissional Técnica de Nível Médio e a Educação Superior, em especial com a Educação de Jovens e Adultos e a oferta obrigatória de 20% de suas vagas para a formação inicial e continuada de professores(as).

Nesse sentido, a construção da identidade docente na Licenciatura em Química do Campus Guanambi vivenciou e vivencia grandes desafios, dos quais se destacam: o choque cultural (cultura Escola Agrotécnica x Cultura da Educação Superior), funcionamento do curso noturno, organização institucional (gestão dos cursos de licenciatura, atendimento à classe docente trabalhadora das escolas básicas das redes municipal, estadual e privada, infraestrutura laboratorial, assessoramento pedagógico noturno, assistência estudantil, transporte público noturno); a estrutura curricular do curso; as formações e as linguagens dos corpos docente e discente; a inserção da pesquisa como princípio educativo e científico; as atividades de extensão e o diálogo com as escolas de Educação Básica, dentre outras dificuldades.

A criação do Curso de Licenciatura em Química pelo IF Baiano, no município de Guanambi, Bahia, Brasil, ao longo desses 10 anos, tem buscado desconstruir o mito do método universal e único, a partir da reestruturação de seu currículo, das práticas pedagógicas e da aproximação visceral com a escola básica.

A Licenciatura em Química do Campus Guanambi (IF Baiano) adentra o sertão baiano e nordestino e se depara com outra dificuldade basilar: a linguagem usual do corpo discente e o escasso convívio com as linguagens da matemática e da química. Logo de início, a região não possuía professor(a) formado(a) em Química e as escolas de Educação Básica do município apresentavam pouquíssimos(as) professores(as) licenciados(as) em matemática e não havia docentes atuando nas escolas de Educação Básica pública graduados(as) em Química.

Tais dificuldades recaíram diretamente sobre a atuação do trabalho docente buscando tais respostas com a interpretação de dados químicos e de cálculos matemáticos, por parte do corpo discente, com a proposição de questionamentos sobre os processos de ensino e de aprendizagem dos componentes curriculares da área de química, na inter-relação dos componentes pedagógicos dessa Licenciatura, debruçaram-se também sobre a dificuldade de transposição didática para a Educação Básica, conclamando o colegiado do curso, o corpo discente e a escola básica a pensarem juntos o curso, o currículo e o processo formativo.

Sobre esse cenário de construção, ao retomar o fragmento do poema de Mia Couto, “no mundo por que luto nasço”, penso ser esta a motivação do trabalho da Professora Jane Geralda Ferreira Santana, uma das organizadoras dessa obra, primeira coordenadora do Curso, que nesses 10 anos, simboliza a junção de todo o corpo técnico, discente e de professores (as) que constituíram e constituem esse curso. Foi ela, entretanto, que motivou a transformação do currículo, a chegada do Pibid ao curso, o processo de reconhecimento, as avaliações externas, as atividades de extensão, as pesquisas desenvolvidas com a escola de Educação Básica e as inúmeras publicações científicas que o curso de Licenciatura em Química já possui.

Todas essas ações e coletividades se emergem nos textos dessa obra, que foram realizados por meio do complexo processo formativo da Licenciatura em Química em Guanambi, e se apresentam diante de cada leitor(a) como frutos de uma epistemologia múltipla, constituída pelos sujeitos do ensino, da pesquisa docente e das atividades alternativas de extensão, consolidados na proposição de múltiplos atores e vozes: professores(as), estudantes, equipe técnico-pedagógica, gestores(as), escola básica e a comunidade.

Esta obra, ao mesmo tempo em que apresenta um olhar crítico para a tradição do ensino de Química, traz consigo um enfrentamento contemporâneo, pois alia proposições didáticometodológicas que interferem direta ou indiretamente na prática de sala de aula e na construção da identidade docente.

Mas, então caro(a) leitor(a), o quê seriam essa(s) identidade(s) docente(s) na ambiência do espaço formativo de professores(as)?

Para que se possa caracterizar um processo identitário, é necessário ver-se a partir do(a) outro(a), suas singularidades, tendo como esteio algum referencial, alguém ou alguma coisa: a identidade alia-se à diferença e, posteriormente, alia-se à generalização, que carrega características comuns de um dado grupo: “identidade é o pertencimento comum”. (DUBAR, 2009, p. 13)[1]

A identidade e a alteridade caminham juntas. A identidade se constitui a partir de trocas, negociações, do olhar do(a) outro(a), em um dado contexto, espaço e tempo. Trata-se de inter-relações estabelecidas entre sujeitos em diferentes contextos (social, profissional, científico, familiar etc), o ser humano, ao interagir com essas variáveis e com outras pessoas, constrói processos identitários ao longo da vida.

“Preciso ser um outro, para ser eu mesmo”, Mia Couto (2001), ensina-nos a perspectiva dialógica da identidade docente, visto não existir professor(a) sem estudantes, sem a comunidade, sem a ambiência profissional, é necessário a interação. Portanto, para a docência, essa construção identitária está imbricada com uma arena de políticas públicas, de valorização da profissionalidade docente, de condições infraestruturais de trabalho, de metodologias e de abordagens contextualizadas de ensino, de investigações, do espaço e do tempo, dentre outros aspectos.

É nesse entrelaçamento espaço-temporal e de interdependência que a(s) identidade(s) profissional(is) docente(s) da Licenciatura em Química (Campus Guanambi – IF Baiano) está(ão) sendo construídas, a partir das experiências e significados do que é ser professor(a) nos Institutos Federais, em suas diferentes regiões, em seus diferentes níveis e modalidades de ensino, como também em meio aos contextos sociais, de saúde e de condições do mundo do trabalho.

Portanto, uma vez que o prefácio possui apenas a finalidade de ser um “prato de entrada” que antecede à refeição principal, convido cada leitor(a) a adentrar nesta coletânea para melhor saborear a construção da(s) identidade(s) docente(s), e permitir a cada um de nós conhecer a potência construtiva da lógica e da dialética que compõe a formação do(a) professor(a) de Química, a partir da ambiência escolar.

Parabéns a cada autor(a), a cada pessoa que faz parte dessa trajetória e a cada leitor(a) que poderá, a partir de uma leitura sensível, aproximar-se da atmosfera envolvente da academia, da história de superação, da (trans) formação de professores(as), e compreender o processo formativo, a sua interrelação com a escola, o ensino de Ciências e a construção da identidade docente na Licenciatura em Química, Campus Guanambi e o papel do IF Baiano!!

 

Profª Dra Hildonice de Souza Batista
Pró-Reitora de Desenvolvimento Institucional
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Baiano

 

Notas de rodapé

[1] DUBAR, C. A crise das identidades: a interpretação de uma mutação. Tradução de Mary Amazonas Leite de Barros. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2009

Ano de lançamento

2021

ISBN [e-book]

978-65-5869-251-5

Número de páginas

341

Organização

Bárbara Katharinne Alves Borges Lessa, Jane Geralda Ferreira Santana, Sílvia Cláudia Marques Lima

Formato