A infância (que) conta: histórias sobre o coronavírus e outros monstros

Adriana Alves Fernandes Costa, Juaciara Barrozo Gomes, Luiza Alves de Oliveira

PREFÁCIO

Sonia Kramer (PUC-Rio)

 

O delicado convite para escrever esse prefácio e a leitura atenta das escritas das crianças provoca a escuta de seus modos de contar o que pensam, sentem, compreendem no contexto e no momento tão difíceis para todas as pessoas grandes e pequenas, desde que a pandemia de Covid-19 nos atingiu, em março de 2020. Convoca a ouvir com sensibilidade e afeto o que dizem deste contexto e deste momento.

Nas breves histórias que contam, falam de si, de seus gostos, medos, expectativas, ansiedades, da mudança de sonhos; do tempo e do lugar em que estamos, diante de situações nunca imaginadas; de sua imagem de família, de escola e de infância. Mas, além das palavras ou junto com elas, as crianças mostram o que dizem nos seus desenhos, nos riscos, traços e coloridos.

Esse prefácio foi escrito com dois desafios. Queria que fosse lido também para as crianças! Amei os desenhos, mas aqui no prefácio só me arrisco a trazer palavras. Ah, sim, prefácio: vem do latim, uma língua que não é mais falada e deu origem a muitas outras. Quer dizer “aquilo que é dito (fatio) antes (prae)”. As palavras desse prefácio são, quase todas, ditas pelas crianças. Um desenho lindo como os delas, não sei fazer!

As crianças são diferentes: meninas e meninos, entre cinco e doze anos de idade; moram com as famílias em vários bairros do Rio de Janeiro, também em outros estados e fora do Brasil. Agitadas, curiosas, amigas, carinhosas, alegres, espertas, tímidas: assim falam de si. Uma é escritora. Saudáveis e alegres, gostam de brincar, passear, estudar e aprender, desenhar, comer, dormir, de dançar, sentar em dupla, de uma cachorrinha.

Com a chegada da Covid-19 – as crianças contam – ninguém mais podia sair de casa, principalmente idosos e pessoas do grupo de risco; aulas presenciais foram suspensas. As crianças imaginavam – como nós, adultos – que a pandemia acabaria logo. Dizem que no início, era legal ficar em casa, parecia férias. Mas com notícias das mortes, pessoas internadas, entubadas, aumento de casos, “eu entrava em desespero. Será que nunca mais poderemos sair de casa? Quando descobrirão uma vacina? O que vai acontecer? Será que é o fim do mundo? Tantas perguntas inexplicáveis”.

O tom trágico convive, nos relatos, com o bom humor: o mundo está meio chatinho, ninguém pode sair de casa, não pode ver os amigos e nem abraçar, por causa do corona “que mata pessoas malucas que não botam máscara”. O tom por vezes é didático, preciso, informativo: “Para você se proteger, quando for para a rua, use a máscara o tempo todo. Se for falar com um amigo, use a máscara. Quando voltar em casa, lave a máscara.”.

Sentem muito a falta da escola, precisam da escola; gostam da escola. Sentem falta das brincadeiras, das conversas e de estar perto dos amigos e da professora. Sentem falta de como a vida era antes. Saudade dos amigos, dos avós. Se sentem felizes por estar de volta ao colégio. “Precisava muito disso, não aguentava mais estar estudando apenas de casa. Aprender presencial é muito melhor”.

Falam de dificuldades das aulas remotas. A conexão oscila; o computador deve ser compartilhado; aulas pelo celular! Acham mais fácil aprender de modo presencial com maior interação com professores e colegas. Reconhecem o esforço da escola e de professores para aprenderem de forma remota. Falam de mensagens de carinho e força da professora que sempre ligava. Ao mesmo tempo, com as aulas remotas não precisam sair para estudar e passam mais tempo com a família trabalhando de casa.

Professores e amigos dentro de uma tela, sem abraço, sem aperto de mão, sem brincadeiras, sem o bate-papo na hora do intervalo, sem futebol com amigos. Dias preenchidos com aulas gravadas, lives, lições de aula e de casa. Com a volta às aulas na escola, algumas crianças ainda em casa, ficou mais difícil para algumas crianças entender a fala da professora usando máscara. Com generosidade, dizem que também para a professora ficar mais difícil porque ela precisa falar bem alto. Outras contam que ficaram enroladas no início, mas se adaptaram com o tempo.

A televisão só falava nisso, as crianças dizem. E se preocupam, ficam com medo, inseguras. Não querem pegar o vírus, nem que as famílias ou amigos peguem. Dias passam, meses avançam: não imaginavam ficar tanto tempo longe de tudo e de todos. Algumas tiveram a doença: sintomas, hospital, fizemos o teste e deu positivo. Sintomas leves, graças a Deus. Quatorze dias isolados. Ajuda de vizinhos e amigos.

Um pai pegou, ficou no quarto e o menino muito triste. Outra criança triste também quando uma pessoa da família pega o coronavírus, porque ela pode ter coisas graves e morrer. Uma conta que amigos da família não sobreviveram à covid-19 e a mãe, preocupada com a saúde, a limpeza da casa, os dias passando e todos dentro de casa, cuidando um do outro.

A prática que faz nascer esse livro precisa ser de todo dia. Como Juaciara, Adriana e Luiza propõem, precisamos sempre escutar o que contam as crianças do que vivem, observam, aprendem, do que ouvem, trocam, se ocupam e se preocupam.

O texto que leitores e leitoras encontram aqui pode gerar pesquisas com crianças de diferentes contextos, classes sociais, culturas. A partir dele, podem ser também pensadas formas de agir com as crianças para, junto com elas, enfrentar as dificuldades das mudanças, dos sustos, das voltas, da permanência, instabilidade e incerteza da vida, dos sustos que traz, de nossos próprios monstros.

Sobretudo, pode evocar, alertar, lembrar, que as escolas – para crianças de todas as idades – precisam assegurar espaços e tempos para brincar, ensinar e fazer amigos. Por conta disso, o livro interessa a estudantes e profissionais das áreas da Educação, Psicologia, Saúde entre outras, para que saibamos ver nas vozes e ouvir nos rostos, sentimentos, desejos, saberes que as crianças são capazes de construir e expressar.

E o que aprenderem na quarentena? A lavar as mãos, passar álcool, usar máscara. A paciência, que nem tudo é como a gente quer no mundo. A aproveitar todos os momentos porque não são para sempre. A matar a saudade com chamadas de vídeo. Nomes de plataformas on line, aplicativos, jogos, videogames. A palavra pandemia. O que esperam as crianças? Que encontrem logo a vacina para proteger da Covid e que a pandemia passe. Com esperança que um dia podemos voltar à vida normal.

O que mais peço a Deus é a chegada da vacina e de dias melhores. Não vejo a hora de chegar o dia em que teremos uma solução para este vírus! Espero que encontrem logo uma vacina e que a pandemia termine para que tudo possa voltar ao normal. Todos querem voltar à vida normal. É muito sem graça viver com tanta restrição. Desejo que a pandemia acabe logo. Espero que chegue logo uma vacina. O que desejam? Se eu pudesse, explodiria o coronavírus. A única coisa que eu quero é que ele acabe. Vai ser alegre como comer bolo! Vou fazer uma festa com todos as pessoas que existem em todas as casas.

Crianças, eu também! Quero vacina e festa! Poderia ter citado nesse prefácio nomes de autores famosos que estudam a infância e dizem que as crianças sabem ver e compreender o mundo, percebem a coisa de um jeito e também ao contrário. De filósofos, psicólogos, pedagogos, sociólogos e sociólogos da infância, de antropólogos e linguistas.

Mas eu só quis ler as histórias e ouvir vocês. Como vocês, só quero vacina e festa!

Ano de lançamento

2021

ISBN

978-65-5869-301-7

ISBN [e-book]

978-65-5869-306-2

Número de páginas

81

Organização

Adriana Alves Fernandes Costa, Juaciara Barrozo Gomes, Luiza Alves de Oliveira

Formato