A pesquisa em ciências sociais em Mato Grosso do Sul: diálogos cruzados

Claudio Reis, Esmael Alves de Oliveira, Noêmia Moura

APRESENTAÇÃO

A pesquisa em Ciências Sociais em Mato Grosso do Sul: Diálogos Cruzados

Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses quefazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade. (FREIRE, 1999, p. 32)

Iniciado em 2006, ao longo dos anos o curso de Ciências Sociais da Universidade Federal da Grande Dourados (Ciso/UFGD) vem dando mostras de sua vivacidade, atualidade e importância acadêmico-científica tanto para a região quanto para o estado de Mato Grosso do Sul. Localizado no cone sul do estado, juntamente com os cursos de ciências Sociais da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul — Câmpus de Naviraí, e da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul — Câmpus Amambai —, as ciências sociais, por meio de suas três grandes áreas — antropologia, ciência política e sociologia —, têm historicamente contribuído com o desenvolvimento humano e científico da região.

Se, no Brasil, tal campo disciplinar tem sua história atravessada pelo compromisso ético-político em compreender, analisar e atuar frente às complexidades que atravessam a sociedade brasileira de modo geral, o mesmo tem se observado em terras sul matogrossenses. Nesse sentido é importante afirmar que, ao longo do tempo, o curso de Ciências Sociais tem contribuído não apenas com a formação de profissionais qualificados, para atuarem no contexto educacional, governamental e/ou não governamental, mas também comprometidos com o desenvolvimento regional e a transformação social.

Em um contexto de grande complexidade, e que se evidencia nos históricos conflitos territoriais entre grandes latifundiários e as populações indígenas da região (sobretudo, os Guarani e Kaiowá), na influência do capital político e econômico do agronegócio na dinâmica da região, na precariedade das condições de vida dos Guarani e Kaiowá no interior das reservas e nos assentamentos pela ausência e/ou omissão do Estado, nos altos índices de feminicídio, transfeminicídio e lgbtfobia, no descaso do setor público com as políticas públicas (sobretudo assistenciais e culturais), na violência no trânsito envolvendo caminhonetes — um dos capitais simbólicos utilizados pelos agroboys da região —, dentre outros, os/as cientistas sociais que atuam no estado são desafiados/as a reafirmar a importância e atualidade de sua prática científica.

Não há dúvidas que tal cenário é complexificado ainda mais pela conjuntura político-pandêmica inaugurada pela pandemia da Covid-19 no Brasil e no mundo. No caso específico do Brasil, no momento em que o país ultrapassa os 600 mil óbitos, em que se vive uma das mais dramáticas crises de ordem humanitária — com milhões de desempregados/as e passando fome —, em que se revelam esquemas milionários de corrupção envolvendo membros do atual governo na compra de vacinas, em que pesquisadores/as e Universidades são atacados e descredibilizados por contínuos ataques de fake news, as Ciências Humanas e Sociais mostram seu compromisso com uma práxis científica crítica, libertária, ética e democrática (OLIVEIRA, MARTINS, SILVA, 2021).

No instante em que finalizamos este texto, somos surpreendidos/as com a notícia de que o governo federal posiciona-se pela indisponibilidade de mais de 90% dos recursos que seriam destinados ao financiamento de pesquisas. Tal corte impacta diretamente as ações de pesquisa desenvolvimento de suas respectivas pesquisas e permanência nos cursos de graduação e pós-graduação. Um país que não investe em ensino e pesquisa, sustentado numa mentalidade equivocada que vê tais recursos como “gastos” e não investimentos, está fadado a continuar de costas viradas para o futuro. É preciso dizer que a Universidade pública e seus/suas docentes e discentes, apesar da insuficiência de recursos, da falta de investimentos e de reconhecimento, têm dado mostras da qualidade do conhecimento científico que produzem e de seu compromisso com as necessidades dos contextos nos quais se inserem.

É preciso reconhecer que, mesmo com as condições precarizadas, as Universidades e Institutos públicos de pesquisa, por meio da atuação resiliente de seus pesquisadores e pesquisadoras, têm sido fundamentais no enfrentamento da pandemia no país.

Urge afirmar que, no caso específico do curso de Ciências Sociais da UFGD, a partir de seu corpo docente e discente, inúmeros trabalhos de pesquisa têm sido desenvolvidos desde a iniciação científica até a pós-graduação com temas de grande impacto políticosocial. Em todos eles, o compromisso com a produção de conhecimento científico atento à realidade local, à complexidade sociocultural, ao reconhecimento dos saberes individuais e coletivos dos sujeitos e grupos com os quais trabalham.

É nesse contexto que emerge a presente obra. Pautada nas três grandes áreas que compõem a Ciso, Antropologia, Ciência Política e Sociologia, a partir de uma perspectiva interdisciplinar e interinstitucional (com contribuições de autoras/es dos cursos de ciências sociais da UFMS/Câmpus de Naviraí e da UEMS/Amambai), objetiva-se não apenas contribuir com a divulgação do conhecimento científico produzido no interior dos cursos de Ciências Sociais localizados no cone sul do estado, mas, sobretudo, reafirmar a importância e atualidade das ciências sociais, sobretudo em um momento político marcado por um contexto tão adverso ao pensamento crítico e aos valores democráticos em curso nas Universidades públicas, os projetos levados a cabo por diferentes institutos públicos de pesquisa, bem como a sobrevivência de inúmeros estudantes de graduação e pós-graduação que dependem de recursos para o Assim, desejamos a todos/as as/os leitoras/es que os distintos capítulos aqui presentes sirvam de estímulo para novas reflexões e desdobramentos. Nosso agradecimento especial a todas/os os/as autores/as pelas contribuições autorais bem como à Universidade Federal da Grande Dourados que, por meio do Programa de Apoio à Pesquisa da UFGD — Unidades Acadêmicas (PAP-UA/2021), tornaram a presente obra possível.

Saudações cordiais,

Prof. Dr Esmael Alves de Oliveira
Profa. Dra. Noêmia Moura Prof. Dr. Claudio Reis.

Referências

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 12. Ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

OLIVEIRA, Esmael Alves de; MARTINS, Catia Paranhos; SILVA, Marcos Aurélio da. “Coronacrise”: reflexões sobre alguns efeitos necropolíticos de/em uma pandemia e os desafios para as Ciências Humanas e Sociais em Saúde. Revista Tomo, Sergipe, n. 39, p. 19-44, 2021.

Ano de lançamento

2021

ISBN [e-book]

978-65-5869-619-3

Número de páginas

297

Formato

Organização

Claudio Reis, Esmael Alves de Oliveira, Noêmia Moura