Ágora: fundamentos epistemológicos e pesquisas avançadas em educação e em direitos humanos. Volume 5

Ana Lúcia Pereira, Antonio Carlos de Souza, Fábio Antonio Gabriel

APRESENTAÇÃO

Um livro deve ser o machado que quebra o mar gelado em nós.
Franz Kafka

Ágora, palavra que deriva do verbo grego agorien, e que significa discutir, deliberar, debater. Do mundo da gramática ao mundo da práxis, ágora foi se tornando um lugar de encontro e reunião, uma verdadeira assembleia deliberativa. Era na ágora da Grécia Antiga, à sombra dos grandes filósofos, que os debates políticos mais importantes aconteciam. Era o espaço público por excelência, local onde todos os cidadãos poderiam utilizar a palavra para discutir seus problemas e decidir o futuro da cidade. Ágora, portanto, foi uma invenção grega sem precedentes, constituindo-se como o espaço dos iguais, do pleno exercício da cidadania e da democracia direta.

Desde o poeta Homero, passando por Hesíodo, Sócrates, Sófocles, Demóstenes, Péricles, Fídias, Epicuro, todos os grandes pensadores da antiguidade estiveram presentes na ágora. Poetas, políticos, filósofos e sacerdotes, a ágora foi o espaço de todos. Foi neste ambiente favorável que Atenas viu a cidadania florescer, e a filosofia, a política e a cultura encontraram bases sólidas para se desenvolver e dar forma ao modo de ser do Ocidente. Ágora é, ao mesmo tempo, o espaço do sagrado e do profano, onde deuses e humanos convivem lado a lado com suas virtudes e paixões, vícios, razão e emoção.

Foi na ágora de Atenas que o general Péricles proferiu seu famoso discurso em homenagem aos soldados mortos durante a guerra do Peloponeso. Também foi na ágora, diante de uma grande multidão, que Demóstenes, em 346-5 a.C., discursou sobre a paz, celebrando a Paz de Filócrates, resultante de um acordo diplomático entre Atenas e Felipe II, rei da Macedônia. O primeiro exaltou a coragem e o cumprimento do dever cívico por parte dos atenienses; o segundo laureou o êxito da democracia de seu tempo.

Da ágora dos gregos para a Ágora que está em suas mãos pouca coisa mudou. Esta coletânea desde muito tempo deseja ser um espaço plural e democrático, no qual todas e todos podem expressar suas opiniões, defender e fundamentar seus argumentos. Ágora: fundamentos epistemológicos e pesquisas avançadas em Educação e Direitos Humanos, não é só uma obra literária, mas um símbolo de luta e de esperança. Um manifesto de amor e de respeito pelo conhecimento e pela verdade. Foram esses sentimentos que uniram diferentes pesquisadores, todos comprometidos com a Educação e os Direitos Humanos. Não foi por motivo diferente que a coletânea já atingiu sua quinta edição, e parece que não vai parar por aí.

Ágora – a coletânea – é o espaço no qual a Educação e os Direitos Humanos se encontram e dialogam. A tônica deste diálogo pode ser encontrada nas palavras de Katarina Tomasevski (1953-2006), relatora especial das Nações Unidas para o direito à educação: “A educação é a chave para abrir outros direitos humanos.” Negar a educação é o mesmo que violar todos os demais direitos.

A educação e os direitos humanos dialogam em duas frentes que, ao fim, se complementam: Por um lado, a educação é essencial para a formação de uma cultura pautada pelo respeito à dignidade e à pluralidade humana, o que contribui na compreensão acerca do que é a dignidade humana; por outro, ela, a educação, é a condição fundamental para a promoção dos direitos humanos mais elementares, como a liberdade, a igualdade, a solidariedade, a justiça e a paz.

Dermeval Saviani, professor paulista que desenvolveu a pedagogia histórico-crítica, ensina que o “estudo das raízes históricas do modelo de educação vigente em nossa sociedade nos mostra a estreita relação entre a mesma e a consciência que o homem tem de si mesmo, consciência esta que se modifica de época para época, de lugar para lugar, de acordo com um modelo ideal de homem e de sociedade” (SAVIANI, 1995, p. 55). Tomar consciência de si e do meio, compreender que a realidade é constituída por relações, é o primeiro passo para promover direitos humanos para todos. É por tal motivo que esta coletânea parte de três princípios fundamentais que se encontram, se completam e se fortalecem mutuamente:

Primeiro, promove um diálogo de natureza permanente – e insistente – entre a Educação e os Direitos Humanos, evidenciando a relação dialógica que deve permear o processo de formação integral do ser humano e a garantia de direitos humanos inalienáveis.

Segundo, desperta corações e mentes de homens e mulheres para a necessidade de cultivar novos valores e novas atitudes, não se restringindo a mera transmissão de conteúdos pedagógicos, filosóficos ou jurídicos do passado. Os desafios contemporâneos exigem respostas igualmente contemporâneas. O passado, portanto, é fonte de inspiração constante, mas não deve limitar a capacidade criativa.

Terceiro, entende que a educação é uma atividade política, e por isso deve ser necessariamente voltada para a mudança da realidade circundante, seja social ou existencial. Paulo Freire, sem qualquer dúvida, é um dos maiores expoentes desta perspectiva crítica e, ao mesmo tempo, criativa e transformadora. É preciso educar para a mudança; é preciso educar para a transformação.

O primeiro princípio coloca o ser humano como finalidade última de toda atividade literária e científica desenvolvida aqui; o segundo revela a dimensão criativa e transformadora da obra; o terceiro evidencia o compromisso social e político dos autores e organizadores deste volume. Cria-se, assim, condições para a instalação de uma ágora perfeita.

Fazendo coro às palavras de Capra:

O paradigma que está agora retrocedendo dominou a nossa cultura por várias centenas de anos, durante os quais modelou nossa moderna sociedade ocidental e influenciou significativamente o restante do mundo. Esse paradigma consiste em várias ideias e valores entrincheirados, entre os quais a visão de universo como um sistema mecânico composto de blocos de construção elementares, a visão de corpo humano como uma máquina, a visão da vida em sociedade como uma luta competitiva pela existência, e a crença no progresso material ilimitado, a ser obtido pelo intermédio do crescimento econômico e tecnológico (CAPRA, 1996, p. 25).

O que está em pauta é a passagem do homo faber para o homo sapiens. De um modelo de educação estruturado no saber fazer para um novo paradigma estruturado no saber pensar. Aliás, pensar deveria ser um direito humano primordial. Ágora é uma coletânea destinada para aquelas pessoas que querem pensar.

Em janeiro de 1904, Franz Kafka escreveu a Oskar Pollak, um velho amigo do tempo da escola:

Penso que devemos ler apenas os livros que nos ferem, que nos apunhalam. Se o livro não nos acorda com um golpe na cabeça, por que o estamos lendo, então? Porque isso nos deixa felizes, como você escreve? Meu Deus! Seríamos mais felizes se não tivéssemos livro nenhum. E o tipo de livro que nos deixa felizes é aquele que nós mesmos facilmente escreveríamos se precisássemos. Mas nós precisamos dos livros que nos afetam como um desastre, que nos tormenta profundamente, como a morte de alguém que amamos mais do que a nós mesmos, como ser jogado em uma floresta isolada de todos, como um suicídio. Um livro deve ser o machado que quebra o mar gelado em nós (p.2).

A última frase redigida pelo autor é um sinal de alerta que serve de advertência para o eventual leitor desta coletânea: “Um livro deve ser o machado que quebra o mar gelado em nós.” É este o objetivo da obra que você tem nas mãos.

Boa leitura!

Edimar Brígido

Primavera de 2021

Doutor em Filosofia pela PUC PR Professor da Faculdade Vicentina (FAVI); Professor no Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA)

 

 

Ano de lançamento

2022

ISBN

978-65-5869-630-8

ISBN [e-book]

978-65-5869-631-5

Número de páginas

471

Organização

Ana Lúcia Pereira, Antonio Carlos de Souza, Fábio Antonio Gabriel

Formato