Direitos humanos: evolução, cultura e sociedade

Claudia Karina Ladeia Batista, Etiene Maria Bosco Breviglieri, Mário Lúcio Garcez Calil

PREFÁCIO

É com satisfação invulgar que recebi o convite do Prof. Dr. Mario Calil para prefaciar esse texto sobre ‚Direitos humanos: evolução, cultura e sociedade‛, que é organizando por si, pela Profa. Dra. Claudia Karina Ladeia Batista e pela Profa. Dra. Etiene Maria Bosco Breviglieri.

O livro é marcado por um profundo ecletismo, e aborda temas relacionados com os direitos das mulheres; educação em direitos humanos; direito de família; migração, imigração e multiculturalismo; questões raciais; pessoa com deficiência; e ainda guarda espaço para debater o ensino jurídico, e as questões criminais e de processo civil.

Não nos resta dúvida de que os direitos humanos sejam, hoje, um tema global, e na medida em que o rol dos direitos fundamentais e o dos direitos humanos se aproximam, são reduzidas as razões para distingui-los.

Como já bem ponderou Vladimir Brega Filho, a distinção de direitos humanos e direitos fundamentais está no fato de que a primeira expressão é usada de forma recorrente em documentos do direito internacional, e possui um caráter intertemporal e transnacional, de modo que ‚tradicionalmente os documentos internacionais relativos aos direitos fundamentais utilizam a expressão direitos humanos ou direitos do homem, fazendo referência aos direitos de primeira, segunda e terceira gerações‛[1] , enquanto que os direitos fundamentais costumam corresponder aos direitos consagrados pelos textos constitucionais[2].

Nesse mesmo sentido Canotilho escreve que ‚[…] as expressões ‚direitos do homem‛ e ‚direitos fundamentais‛ são frequentemente utilizadas como sinônimas. Segundo a sua origem e significado poderíamos distingui-las da seguinte maneira: direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos (dimensão jusnaturalista-universalista); direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espaciotemporalmente. Os direitos do homem arrancariam da própria natureza humana e daí o seu caráter inviolável, intemporal e universal; os direitos fundamentais seriam os direitos objetivamente vigentes numa ordem jurídica concreta‛[3].

Os direitos humanos seriam o conjunto de faculdades e instituições que em cada momento histórico, concretizam exigências de dignidade, liberdade, e igualdade, que são reconhecidas indistintamente, e de forma positiva, pelos ordenamentos nacionais e internacionais[4].

O processo de construção dos direitos humanos e dos direitos fundamentais, compreendido como história da cidadania, foi duplo: de fusão geográfica, na medida em que a história da cidadania é uma história nacional; e separação funcional, quando as instituições das quais dependiam os direitos se desligaram e deixaram de funcionar de forma íntima a determinados grupos para ter conotação geral.

É curioso que em algumas versões clássicas chegou-se a atribuir períodos de formação de cada modalidade de direitos a um século diferente: os direitos civis no século XVIII, os políticos no XIX e os sociais no XX. Por óbvio que essa periodização não é deveras rígida, e cada contexto nacional encontrará um caminho para construção do seu repertório de direitos.

Quando, no XIX, a cidadania civil já era universal, os direitos políticos constituíam ainda privilégio aristocrático, os direitos políticos para a sociedade capitalista daquela época eram considerados produtos secundários dos direitos civis. É esse o contexto de desenvolvimento dos direitos fundamentais no liberalismo. Muito embora os diferentes direitos de determinado tipo tenham se desenvolvido, predominantemente, em momentos bastante distintos da história, é possível afirmar um entrelaçamento, sobretudo entre os dois últimos: os direitos políticos e os sociais.

Os direitos políticos podem ser considerados constitutivos dos direitos sociais. Com relação aos direitos sociais, originalmente, embora se tentasse ajustar a renda real às necessidades sociais e ao status de cidadão, no entanto, tratava-se das reivindicações dos pobres não como reivindicações de cidadãos, visto que aqueles que recorriam aos sistemas de proteção que se construíram – os indigentes – na prática, renunciavam a direitos civis de liberdade social, uma vez que deveriam ser internados em casas de trabalho e deveriam renunciar a quaisquer direitos políticos que possuíssem (essa narrativa é a versão de Marshall[5] do que ocorreu efetivamente na Inglaterra, e, que segundo o relato de José Murilo de Carvalho[6], foi replicado em uma versão mais tropical – e invertida – no Brasil).

Essas transformações no conceito, história, alcance e exigibilidade dos direitos dos direitos humanos podem servir a demonstração de que: 1) não se trata de um conceito unívoco e por isso designativo de um objeto certo, 2) o conteúdo dos direitos é histórico e por isso se ‚transforma‛ ao logo do tempo, embora determinados valores sejam perenes; 3) o problema da predicação de ‚direitos humanos‛ não é meramente semântico; 4) o direito, como produto da cultura e encarnado na história dos povos, vive crises periódicas de experiência, de modo que o sentido dos direitos humanos precisa ser constantemente resgatado.

Daí a atualidade da coletânea, e por isso, debates como o do livro ora prefaciado, especialmente no nosso contexto atual de excepcionalidade política, devem ser encarados como uma elegia de resistência, daqueles que não se cansam de promover a cultura dos direitos humanos, da justiça e da inclusão.

Desejo a todos uma ótima leitura!

Prof. Dr. Fernando de Brito Alves
Coordenador do Programa de Mestrado e Doutorado em Ciência Jurídica
Universidade Estadual do Norte do Paraná

Notas de rodapé

[1] BREGA FILHO, Vladimir. Direitos fundamentais na Constituição de 1988 – conteúdo jurídico das expressões. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 72

[2] SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 5 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 35-36

[3] CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 3 ed. Coimbra: Almedina, 1999, p. 369.

[4] PÉREZ LUÑO, Antonio Enrique. Derechos Humanos, Estado de Derecho y Constitucion. 6 ed. Madrid: Tecnos, 1999, p. 48

[5] MARSHALL, Thomas H. Citizenship and social class. Cambridge, 1950

[6] CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil. O longo Caminho. 3ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

Ano de lançamento

2018

ISBN [e-book]

978-85-7993-530-5

Número de páginas

331

Organização

Claudia Karina Ladeia Batista, Etiene Maria Bosco Breviglieri, Mário Lúcio Garcez Calil

Formato