Histórias do Brasil: caminhos didáticos para abordagens históricas

Ana Paula Cantelli Castro, Nádia Narcisa de Brito Santos

APRESENTAÇÃO

Este livro nasce do intuito de resistir, de seguir doravante apontando que o saber histórico é premente, necessário e edificante. Compreender, se fazer compreender e permitir com que docentes e discentes compreendam são tarefas afanosas. Por isso, arguir questões, buscar respostas, investigar interesses políticos, sociais, econômicos e culturais da humanidade ao longo do tempo é uma procura política, e a operacionalização desse processo só se consuma quando realizada envolvendo o máximo de pessoas possível, na reflexão, na interpretação e no questionamento do mundo em que vivemos, da sociedade, de um modo geral.

É para isso, pois, que as Ciências Humanas, especialmente a história, estuda as ações dos homens, no tempo e no espaço, e como elas se desdobram. Implica interesse porque não se trata de estudar a díade maniqueísta: “bons e maus” das abordagens históricas, mas os interesses e a escrita. Quem escreveu? Onde? Para quem? São perguntas demasiadamente relevantes quando tratamos de estudar, esquadrinhar uma fonte histórica. Investigamos o passado, mas não nos desvencilhamos do presente, tendo em vista o futuro.

Como recorda o filósofo brasileiro Celso Antunes, é impossível saber como será o mundo de amanhã. Isso não é novidade, todavia no que diz respeito ao ensino de história e ao ensino de um modo geral. Antunes (2012, p. 26) admite que: “Será, entretanto, da maneira que os professores o fizerem. Nenhuma profissão, em nenhum tempo, dispõe de possibilidade presente ao magistério para modelar os seres humanos que virão”. O autor é enfático no que tange à responsabilidade que nós, professores, teremos neste futuro em relação aos nossos discentes (2012, p. 26, grifo nosso): “Se quiserem, deles farão facínoras ou assassinos, ou, se preferirem, criaturas justas e íntegras. Educar significa modelar o presente e lançar as bases para o futuro”. Mas como faremos? Como saberemos modelar corretamente pessoas, se cada uma delas traz consigo aspectos culturais e sociais distintos, de realidades diferentes?

É nesse sentido que concordamos com Antunes (2012, p. 26): “A sala de aula precisa ser a oficina do amanhã”. Precisamos de fundamentos, de pilares norteadores que atestam à educação um baluarte a partir do qual professores e alunas, alunos, possam construir o conhecimento juntos, ainda que existam condições adversas e periclitantes a ambos. A escola é um universo; o saber histórico também.

Histórias do Brasil: caminhos didáticos para abordagens históricas é um trabalho que deriva do esforço de discentes, à época da escrita graduandos do curso de História da Universidade Federal do Piauí – Campus Senador Helvídio Nunes de Barros, a partir da disciplina Metodologia do Ensino de História, capitaneada pela Profa. Ms. Ana Paula Cantelli Castro, que, ao longo das aulas, debateu com os graduandos a produção de um material que fosse compreendido, aceito e respaldado pela comunidade escolar, rememorando, por conseguinte, que a Universidade tem a função social de contemplar pesquisa, ensino e extensão.

O livro conta com cinco eixos temáticos: 01. Ensino de história indígena no Brasil; 02. Contribuição dos grupos étnicos da África para a cultura brasileira; 03. O movimento operário e a consolidação das leis trabalhistas no Brasil; 04. Ditadura civilmilitar no Brasil e; 05. A Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988 e seus desdobramentos. Os capítulos são paradidáticos, contando com apontamentos e reflexões sobre esses processos históricos e como eles podem ser abordados em sala de aula, levando em consideração o ciclo a que pertencem, em consonância com os Parâmetros Nacionais Curriculares de História.

Contanto, mais uma questão ressumbra: existe uma forma correta de contar história? De ensinar história? Marco Mondaini (2009, p. 58), no texto “Direitos Humanos”, capítulo da coletânea Novos temas nas aulas de História, organizada por Carla Bassanezi Pinsky, comenta que são várias as formas de dar conta dessa empreitada, devido, inclusive, à imensa capacidade que o ser humano tem de transformar tudo à sua volta. O foco que o autor, ao referir-se aos direitos humanos, centraliza diz respeito a um ensino que valorize, sobretudo, os direitos humanos: “(…) uma História social que tenha como elemento central a problematização da afirmação e da negação dos direitos humanos nos diversos períodos da humanidade, em particular na modernidade”.

A esse apontamento, objetivamos e estamos construindo um livro que valorize a compreensão dos direitos humanos e que desconstrua impressões arraigadas sobre indígenas, negros, trabalhadores, sujeitos silenciados historicamente e lutas sociais. Não se trata, contudo, de menosprezar outros tantos temas que são, em demasia, importantes para a sala de aula, mas sim focar em algumas das problemáticas que merecem pesquisa, atenção e cuidado no ensino superior e, especialmente, na abordagem em sala de aula.

Para contemplar a construção de um ensino que valorize os direitos humanos, Mondaini (2009, p. 56) utiliza a metáfora de um barco que já se encontra em alto mar, numa tempestade, correndo sério risco de se tornar náufrago. Cabe, porém, aos professores, face à “embarcação” dos direitos humanos, conduzir esse barco com um casco resistente “(…) às pressões dos opositores que desejam negá-los ou restringi-los e, por outro lado, de um motor com uma potência que seja capaz de impulsioná-los cada vez mais à frente”.

Com esse alento, esse trabalho provém da Universidade Pública, que não é, nem deve ser uma bolha na qual docentes e discentes se escondem do restante do mundo. Também não é ambiente para estrelismo. Ela é um local de ação, pesquisa, compromisso e trabalho social. É esquadrinhando a relevância dessa tese que passamos, inclusive, a compreender o que significa uma pesquisa histórica. Nós estamos aqui para tentar mudar a nossa sociedade para melhor, e isto só acontece quando respeitamos o Estado Democrático de Direito, as pessoas, independentemente de sua classe social, de sua religião, sua orientação sexual, entre outras escolhas que dizem respeito à totalidade do respeito incondicional a todas e todos os que compõem esse Universo, desde os doutores até os funcionários da limpeza, que estão ali, prontamente, dispostos e exímios no que se propõem a realizar.

Essa foi uma lição primaz que, uma vez entendida, não é necessário que repitamos por linhas e linhas nesse texto. Esse trabalho vai do chão da universidade ao chão da escola. É sabido entre nós que ensinar história é um trabalho afanoso, porém salutar. Entre o pensar, escrever e o realizar há uma miríade de intercepções e desafios, mas que podem, sim, ser superados, recordando que é preciso corporificar o que se aprende em sala de aula, especialmente no ensino de história, levando em consideração que a disciplina não se reduz ao passado – como tanto dialogamos no ambiente universitário – mas diz respeito à vida daquelas e daqueles que estão entregues – no bom uso do termo – aos nossos cuidados por algumas horas.

Um dos problemas centrais do não êxito de muitas aulas de história hoje, no que tange, outrossim, à formação de professores, reside, segundo a Profa. Dra. Selva Guimarães, na formação. É por isso que, ao se escolher trabalhar, pesquisar e ensinar história, é também necessário mergulhar nos apontamentos teóricos da educação, da filosofia, da sociologia, da pedagogia, da psicologia e, é claro, da empiria – porque cada aluno é diferente do outro. Muitos pensam, porém, que uma mesma aula irá funcionar para um aluno que tem um tablet à disposição todos os dias e pode pesquisar o que quiser a hora que quiser, como irá ser para um residente de uma periferia na qual, todos os dias, reza – na expressão religiosa do termo – para que chegue em casa sem ser alvejado por “uma bala perdida”.

Uma orientação importante da Profa. Selva Guimarães (2012, p. 113) é cabível nesse momento: “As novas tecnologias de comunicação, o rápido e diversificado acesso às informações globais, as relações sociais via redes sociais horizontais demandam novas maneiras de educar e ensinar que não são mais tarefas exclusivas dos professores das escolas”. Outro obstáculo a ser transposto: “A sociedade multicultural requer o enfrentamento de práticas discriminatórias e preconceituosas, portanto a necessidade de conviver e educar para a diversidade e as diferenças múltiplas.

Unida à expansão tecnológica que a globalização trouxe, uma série de problemas foram sendo gerados, desde o processamento rápido de informações que, ao invés de facilitarem a reflexão sobre a produção de conhecimento, muitas vezes o dificultaram. Concentrando-nos nas experiências já tocadas nesse texto, volto ao objeto a que ele se propõe.

No mesmo livro, a autora enfatiza que sem a educação não há como haver reprodução, recriação, instrumentalização daquilo que é ensinado: “Se toda pessoa tem direito à educação, o mundo contemporâneo tornou-se impensável sem a escola”. A escola, o contato, a interação, integram experiências singulares sem as quais dificilmente o processo de aprendizagem pode ser consumado. É com essa tônica que aprender a conviver com a diferença, com o diferente, é um exercício que o ambiente escolar precisa oferecer para os discentes, e nós, docentes, temos responsabilidade crucial nesse processo.

Apetecendo que o livro suscite reflexões profundas, reiteramos aqui as abordagens que se seguem no livro: textos que versam a renovação do ensino sobre os nativos no e do Brasil, a contribuição dos grupos étnicos da África na(s) cultura(s) brasileira(s), as implicações do movimento operário na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) no Brasil, os desdobramentos da Ditadura Civil Militar (1964-1985) no Brasil e a Assembleia Nacional Constituinte que gerou a nossa atual Carta Magna (1988), com responsabilidade, ética e, sobretudo, esperança em dias melhores. Porque a esperança, na história, também é um elemento medular, conforme escreveu Paulo Reglus Neves Freire (2011, p. 70-71): “A esperança faz parte da natureza humana. (…) A esperança é um condimento indispensável à experiência histórica. Sem ela, não haveria história, mas puro determinismo. Só há história onde há tempo problematizado (…)”. Problematizemos! Pensemos! Resistamos na, com e pela história!

Ana Paula Cantelli Castro
Nádia Narcisa de Brito Santos
Rômulo Rossy Leal Carvalho

(Organizadores)

Ano de lançamento

2021

ISBN [e-book]

978-65-5869-442-7

Número de páginas

117

Organização

Ana Paula Cantelli Castro, Nádia Narcisa de Brito Santos

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