Políticas públicas e desenvolvimento regional: atores e estratégias em regiões do Brasil

Cidonea Machado Deponti, Tanise Dias Freitas

APRESENTAÇÃO

No Brasil, temos o desafio de pensar e de promover políticas públicas de desenvolvimento regional que levem em conta a estrutura federativa de organização política e administrativa do Estado, a necessidade de democratizar as relações com o poder público, e as profundas desigualdades sociais e econômicas existentes no território brasileiro, e em suas diferentes regiões. Precisamos igualmente superar a visão corrente de pensar e planejar o território como simples espaço político administrativo, como mero receptáculo social e econômico. Como bem nos lembra Milton Santos (1999, p.19) “(…) é o território que constitui o traço de união entre passado e futuro imediatos. Ele tem que ser visto (…) como um campo de forças, como lugar do exercício, de dialéticas e contradições entre o vertical e o horizontal, entre Estado e mercado, entre o uso social e econômico dos recursos”[1].

Assim, os processos de desenvolvimento devem ser igualmente vistos como processos que estão assentados na cultura, na natureza e nos valores ético-ideológicos dos territórios. Não apenas dos territórios dos estados-nação, mas também dos territórios das diferentes regiões que os constituem. As particularidades regionais tornam-se atributos territoriais próprios que precisam ser valorizados enquanto diferenciais e especificidades que darão sustentação às dinâmicas de desenvolvimento de cada região.

Nesse sentido, não há como pensar o desenvolvimento sem considerar as condições ambientais, sociais, políticas, econômicas existentes nos diferentes territórios que conformam suas regiões.

Também pensamos que o desenvolvimento territorial só poderá ser plenamente alcançado através da ampla e representativa participação social dos diferentes segmentos da sociedade civil no processo de decisão e construção regional. Possibilitando assim melhores condições políticas para a adaptação e/ou reação às constantes mudanças e ameaças do dinamismo global, mas também para a proposição de ações autônomas, e em consonância com as demandas, prioridades e decisões definidas pelos atores sociais, em suas instâncias intrarregionais de participação, organização e planejamento.

O território, portanto, se apresenta, simultaneamente, como variável constitutiva e analítica chave para a compreensão da complexa realidade e do cambiante contexto em que vivemos. Daí a relevância de valorizarmos na análise a dimensão territorial dos processos sociais, das dinâmicas econômicas, e das políticas públicas que, por sua vez, também apresentam e produzem um conteúdo normativo diverso e abrangente. Se por um lado, o conteúdo formal e normativo das políticas condicionam, influenciam e regulam as relações sociais que promovem a constituição, a organização e os usos do território, por outro, as especificidades culturais, técnicas e ambientais de cada território, bem como as suas dinâmicas socioeconômicas e político-institucionais, igualmente condicionam e influenciam a definição, criação e implementação das políticas públicas no território.

A ideia da organização desse livro tem como objetivo contribuir com esse debate sobre a dimensão territorial da construção e da implementação das políticas públicas e dos processos de desenvolvimento, através dos aportes de pesquisadores com distintas formações disciplinares, que têm investigado essa temática desde o campo das Ciências Sociais, do Desenvolvimento Regional, da Economia e da Geografia.

Ainda, a publicação desta obra é um dos produtos previstos no projeto de pesquisa “Desenvolvimento Regional e Condições de Vida: uma proposta metodológica para avaliação dos projetos eleitos como prioritários na Consulta Popular de 2015, 2016 e 2017 no Vale do Rio Pardo”, apoiado pela FAPERGS, sob o Termo de Outorga número 18/2551-0000540-1, por meio do Edital FAPERGS/CAPES 04/2018.

O livro que apresentamos ao leitor aborda a temática das interfaces entre políticas públicas e desenvolvimento regional em diferentes regiões do Brasil, pondo foco nos atores sociais, suas estratégias, e nas interrelações que estabelecem em seus territórios com as demais instituições e com o Estado, no âmbito dos processos de planejamento e de desenvolvimento territorial.

Os artigos que compõem este livro foram divididos em duas secções. A primeira seção, intitulada “Política de Desenvolvimento Regional no Rio Grande do Sul – Os Conselhos Regionais” apresenta um conjunto de seis textos que analisam, em distintas perspectivas e recortes empíricos, as políticas públicas de planejamento e de desenvolvimento regional desenvolvidas no Estado do Rio Grande do Sul através da experiência dos Conselhos Regionais de Desenvolvimento Regional (Coredes), em diferentes regiões do território gaúcho.

Já a segunda seção, com o título “Políticas Públicas e Desenvolvimento Regional no Brasil” reúne cinco textos que abordam a temática das políticas públicas de desenvolvimento regional em diferentes escalas espaciais, com distintos recortes territoriais regionais do Brasil. Nesta parte, destacam-se os artigos que analisam a Política Nacional de Desenvolvimento Regional e a Política Nacional dos Territórios, desde a perspectiva teórico-normativa aos estudos de casos no Brasil.

O primeiro capítulo é de Cláudia Tirelli e João Carlos Bugs os quais apresentam uma análise sobre formulação e implementação do Programa dos Coredes no Rio Grande do Sul, desde sua criação, em 1991, até 2014 – da gestão de Alceu Collares ao governo de Tarso Genro. O estudo pauta-se na perspectiva teórica relacional, entendendo que as ações dos atores que estão nos conselhos regionais só podem ser compreendidas quando analisadas a partir da rede de relações desses atores no espaço institucional.

O segundo capítulo é assinado por Antonio Paulo Cargnin, Bruno de Oliveira Lemos e Carla Giane Soares da Cunha e discute aspectos do planejamento territorial no Rio Grande do Sul nos últimos anos. Os autores apresentam uma análise crítica e detalhada do processo de elaboração e implementação dos Planos Estratégicos de Desenvolvimento Regional (2015-2030) dos Conselhos Regionais de Desenvolvimento (COREDEs) e a relação destes planos com as Políticas de Desenvolvimento Regional do estado.

Tanise Dias Freitas e Cidonea Machado Deponti, no terceiro capítulo desta obra, analisaram o Plano Estratégico do COREDE do Vale do Rio Pardo e os projetos elencados como prioritários pelo processo da Consulta Popular nas dimensões, sociocultural, ambiental, econômica, institucional e infraestrutura. O trabalho discute estes projetos pela ótica do Desenvolvimento e da abordagem das Capacitações de Amartya Sen, revelando que os projetos elencados como prioritários para o desenvolvimento regional representam a promoção das liberdades instrumentais e a busca pela melhoria das condições de vida.

O quarto capítulo que compõem esta obra é de Larissa Zanela Mendes, Airton Adelar Mueller, Ângela Quintanilha Gomes e Alexia Ramos de Almeida. O trabalho decorre da análise das atas das Assembleias Regionais de 2016, 2017 e 2018, através das quais os autores discutem a questão da saúde no COREDE Fronteira Oeste e o nível de participação popular nas Consultas. Ressaltam que a dimensão saúde é a que apresenta maior fragilidade no âmbito deste Corede, sendo que a região é a última colocada no ranking estadual.

Os autores Sérgio Luís Allebrandt, Taciana Angélica Moraes Ribas, Roseli Fistarol Krüger, Reneo Pedro Prediger assinam o quinto capítulo deste livro, no qual abordam a percepção dos agentes públicos e dos atores sociais sobre o conceito de “desenvolvimento regional” no Corede Missões e nos Conselhos Municipais de Desenvolvimento. Os autores ainda analisam a questão do controle social fornecendo luzes para refletirmos sobre o campo teórico do desenvolvimento a partir da região estudada.

O sexto capítulo é de Rosane Bernadete Brochier Kist e Rogério Leandro Lima da Silveira sobre um dos pontos quase esquecido no desenvolvimento regional, a saber, o envelhecimento populacional. Os autores escrevem sobre os processos de organização social no âmbito do COREDE Vale do Rio Pardo, analisando a relação existente entre essas organizações e a região, tendo foco nas Associações de Pessoas Idosas.

Abrindo a segunda seção do livro, os autores Fernando Cézar de Macedo e Leonardo Rodrigues Porto, no sétimo capítulo, analisam a Política Nacional de Desenvolvimento Regional – PNDR a partir de suas premissas básicas e de sua concepção teórica. Os autores assinalam suas contradições e apontam as dificuldades para sua implementação nos marcos da Federação brasileira e nos limites de atuação do Estado, especialmente pela ausência de um projeto nacional de desenvolvimento. E concluem quanto à necessidade de se repensar política regional como instrumento de reprodução da vida e não como instrumento para a acumulação de capital.

O oitavo capítulo é de autoria de Mireya E. Valencia. O artigo faz uma síntese dos resultados dos últimos cinco anos das pesquisas que estudaram tanto as particularidades de um programa como o Pronat, como analisaram de maneira geral a apropriação desse enfoque na região latino-americana. O texto dá ênfase às redes de pesquisa dedicadas aos estudos rurais, no Brasil e na América Latina, principalmente na Rede Brasileira de Pesquisa e Gestão em Desenvolvimento Territorial (RETE), na Rede Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural em América Latina (Rede PP-AL) e no Centro Latino-americano para o Desenvolvimento Rural (Rimisp). A segunda parte do texto trata dos elementos que, nesses mesmos estudos, são destacados para pensar uma segunda geração de políticas públicas para o desenvolvimento dos territórios rurais. Concluindo que as equipes de pesquisa dessas organizações contribuíram para propor alternativas que, sem abandonar o enfoque territorial, acelerem a mudança do paradigma agrário do desenvolvimento rural para o territorial.

Anelise Graciele Rambo e Gabriel Vianna, no nono capítulo, analisam o papel da gestão social e dos mecanismos de governança em territórios periféricos. Os autores evidenciam a importância desses mecanismos como possibilidade da participação dos atores locais e regionais na gestão do desenvolvimento, e consequentemente, no reconhecimento e na valorização da diversidade. Ainda, entendem que em momentos de desmonte das políticas públicas, sobretudo aquelas que previam processos de gestão social e governança territorial, valer-se do aprendizado das reflexões em torno das experiências analisadas pode representar um caminho possível e viável para promover qualidade de vida para a diversidade de populações em regiões periféricas.

No décimo capítulo, Arilson Favareto, Louise Nakagawa, Suzana Kleeb, Paulo Seifer, Marcos Pó assinalam que os conflitos distributivos associados à crescente especialização do Brasil na produção de commodities precisam ser melhor considerados em uma nova geração de instituições e políticas para a agricultura e o Brasil rural. Os autores analisam a dinâmica territorial e os indicadores socioeconômicos de uma região emblemática da moderna agricultura brasileira de grãos – o chamado Matopiba, evidenciando o aumento da pobreza e da desigualdade social e dos conflitos socioambientais nos municípios da região, e demonstrando o quanto esse modelo de desenvolvimento territorial bloqueia a inclusão de pessoas e espaços nos circuitos dinâmicos gerados com a produção da soja. Encerrando a coletânea, temos o décimo primeiro capítulo, dos autores Janayson Rodrigues dos Santos e Janete Stoffel que analisam o acesso às políticas públicas relacionadas ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) pelos agricultores familiares, nos municípios de Laranjeiras do Sul, Nova Laranjeiras, Porto Barreiro e Rio Bonito do Iguaçu, no Estado do Paraná. Os autores também analisam a implementação destas políticas nos referidos municípios, assinalando que embora não se possa apontar que tais políticas públicas tenham promovido desenvolvimento rural nos municípios analisados, pode-se afirmar que caso elas não existissem, o nível de pobreza local seria ainda maior.

Por fim, queremos agradecer o importante apoio financeiro da FAPERGS e da CAPES para organização e publicação dessa obra, bem como aos colegas do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional da UNISC e demais colaboradores deste livro.

Desejamos a todas e todos uma excelente leitura!

Tanise Dias Freitas, Cidonea Machado Deponti, Rogério Leandro Lima da Silveira

1- SANTOS, Milton. O Território e o Saber Local: Algumas Categorias de Análise. Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, ano XIII, n° 2, 1999.

Ano de lançamento

2020

ISBN [e-book]

978-65-87645-86-5

Número de páginas

364

Organização

Cidonea Machado Deponti, Tanise Dias Freitas

Formato