Reformas curriculares recentos no Brasil e em Portugal: processos, tensões e perspectivas sobre a adoção de tecnologias no ensino de matemática

Marcelo Dias

PREFÁCIO

Arrisco a afirmar que este livro tem uma marca distintiva. É inovador. Traz-nos uma mais-valia por três ordens de razões: centra-se no currículo, foca-se na disciplina de Matemática, dando particular destaque às tecnologias digitais, e compara dois países que, embora muito distintos, estão muito próximos entre si.

Falar-se de orientações curriculares exige abordar-se o currículo. Mas se é certo que o termo currículo é sobejamente usado, nem sempre lhe está associado o mesmo significado. Neste livro entende-se por currículo um processo de tomada de decisão, que acontece em diferentes contextos e níveis de decisão. Ditado pelos órgãos político-administrativos, define-se o currículo prescrito, com papel de prescrição ou orientação, que funciona como referência básica relativamente à elaboração de materiais curriculares e de controlo do sistema. O currículo moldado é aquele que chega aos professores através de mediadores curriculares, como sejam os manuais escolares. O currículo interpretado é aquele que resulta da interpretação que cada professor faz do currículo prescrito e dos diferentes mediadores curriculares a que tem acesso. Essa interpretação, que se operacionaliza através da planificação que realiza, é estreitamente influenciada pelo seu conhecimento profissional e pelas suas vivências profissionais. Poder-se-á afirmar que, no limite, há tantos currículos interpretados quantos os professores existentes. Mas uma coisa é aquilo que o professor entende que são as orientações curriculares, outra é aquilo que faz no trabalho quotidiano com os seus alunos na sala de aula. Assim, o currículo em ação pode distinguir-se do currículo interpretado por razões diversas, como sejam as condições que a escola oferece, as especificidades dos alunos, o conhecimento profissional do professor, nele incluindo as conceções. O currículo aprendido é aquele que efetivamente é realizado por cada aluno, decorrente do currículo em ação que lhe foi oferecido. Uma vez mais, no limite, haverá tantos currículos aprendidos como o número de alunos envolvidos. Por fim, pode ainda falar-se do currículo avaliado que é composto por aquilo que é valorizado na avaliação interna e externa, impondo esta última critérios de relevância para o ensino do professor e para a aprendizagem dos alunos.

No presente livro, Marcelo Dias toma por principal fonte de análise currículos prescritos. Contudo, não fica limitado a este sistema. Dá-nos uma visão da multiplicidade de domínios que influenciam e permitem compreender em profundidade todo o processo de desenvolvimento curricular. No capítulo 1, apresentanos as estruturas dos sistemas educativos dos dois países considerados, e procura aceder a currículos interpretados por elementos do subsistema técnico-pedagógico, em particular de pesquisadores na área da educação matemática, que têm como sustentação a teoria e os resultados da pesquisa na área do ensino da Matemática. No capítulo 3, oferece-nos os currículos interpretados de professores que trabalham os currículos prescritos em análise.

A disciplina de Matemática é a eleita neste livro. É por demais reconhecida a importância desta disciplina na educação das crianças e adolescentes em qualquer país do mundo. Não só pelo reconhecimento da herança cultural que a matemática constitui, mas também por ser essencial para melhor conhecer, compreender e agir no mundo em que vivemos, para prosseguimento de estudos, para desenvolver competentemente uma profissão e para exercer, de forma democrática, a cidadania. No séc. XXI, entre os desafios que os cidadãos enfrentam e enfrentarão, a literacia tecnológica, embora não única, é incontornável. Daí considerar a opção tomada por Marcelo Dias de atender às orientações curriculares no que às tecnologias digitais dizem respeito no capítulo 2 me parecer muito pertinente.

Por último, a opção metodológica seguida, a da Educação Comparada, pela sua adequação aos propósitos dos diversos estudos apresentados, constitui mais um contributo importante que a leitura deste livro pode trazer. A seleção dos dois países escolhidos, Brasil e Portugal, faz todo o sentido pela proximidade que têm tido ao longo de décadas. Em particular, tendo em conta o intercâmbio sempre constante no âmbito da investigação em educação matemática entre estes dois países, este livro poderá interessar a um público que vai mesmo para além daqueles que estudam o desenvolvimento curricular em Matemática. É, contudo, de fazer notar que, sendo o desenvolvimento curricular dinâmico, Portugal está a viver um processo de inovação curricular em Matemática no que ao currículo do ensino básico diz respeito, retomando o caminho trilhado nas últimas décadas e apresentando, como seria de esperar, uma evolução que tem em conta a realidade e necessidades da época em que vivemos e no que se antecipa dentro de toda a imprevisibilidade que caracteriza o séc. XXI.

Do exposto, fica o convite e a recomendação para a leitura deste livro. Muitas são as interrogações que dela podem emergir e que nos poderão levar à reflexão sobre a complexidade do processo de desenvolvimento curricular e, em particular, da definição das orientações mais ajustadas aos desafios que as crianças que hoje frequentam a escola terão de dar resposta. Segundo Andreas Schleicher, diretor de Educação e competências da OCDE, “cabe à escola prepará-los para empregos ainda não criados, para o uso de tecnologias ainda não inventadas, e para resolver problemas sociais ainda não antecipados” (OCDE, 2018). É de facto um enorme desafio que se coloca à escola nos dias de hoje! Que se nos coloca a todos nós implicados na Educação!

Leonor Santos

UIDEF, Instituto de Educação,

Universidade de Lisboa, Portugal

Ano de lançamento

2021

Formato

Autoria

Marcelo Dias

ISBN

978-65-5869-656-8

ISBN [e-book]

978-65-5869-657-5 [

Número de páginas

131