O desmentido à brasileira na cena da pandemia do COVID-19

Organização: Karla Patricia Holanda Martins, Fabiano Chagas Rabêlo, Reginaldo Rodrigues Dias, Caciana Linhares Pereira

Fruto das preocupações que fomentam o trabalho de inúmeros pesquisadores do Ceará, o presente livro explora, com rigor acadêmico e sensibilidade extrema, os desdobramentos das vivências das perdas inevitáveis às quais o mundo foi exposto desde o final do ano de 2019, diante da expansão de um vírus desconhecido e letal. De forma decidida, os autores da coletânea demonstram que embora o vírus pertença aos desígnios da natureza, os modos de combatê-lo e tratá-lo pertencem ao campo humano das decisões dos governantes responsáveis pela implementação de ações específicas no âmbito da Saúde Pública. Partindo dessa premissa, cada capítulo vai demonstrando as opções discriminatórias, segregacionistas, excludentes e irresponsáveis que pautaram as intervenções nos contextos brasileiros. Contextos, diga-se bem, pois, novamente, se o vírus demonstrou que diante das leis da natureza, todos os homens são iguais, as intervenções políticas demonstraram que a pandemia não atingiu a todos da mesma maneira. As populações sofreram seus impactos de formas diferentes. Deixando evidente que para muitos, queda, inexoravelmente, o descaso, a invisibilidade, a falta de empatia, o desamor, o extermínio.

Embora cada capítulo apresente suas considerações singulares, há um tema comum que os perpassa e entrelaça: a certeza de que a teoria e a clínica psicanalíticas oferecem possibilidade de entendimentos que sustentam estratégias de enfrentamento e elaboração de situações traumáticas. Assim, nos sete capítulos que compõem o livro, os leitores encontram proposições efetivas de lidar com (e lutar contra) as inúmeras perdas que a pandemia produziu. Vias elaborativas que perpassam distintos planos: a re-escrita das histórias de vivências traumáticas recentes que foram, sutilmente (ou intencionalmente) apagadas, ou a utilização da literatura contemporânea em termos de romance, diário e crônica, ou ainda, pelo delicado trabalho de escuta desenvolvido com profissionais de um hospital que tiveram seu cotidiano completamente transformado pelo potencial letal do vírus.

Nos diferentes trabalhos são apresentados argumentos que nos fazem perceber que se os mecanismos de defesa mais poderosos para lidarmos com as dores de um trauma são a negação, a recusa e o esquecimento, por outro lado, a elaboração decorrente do processo de luto exige a recordação, a memória e a lembrança que embasam as narrativas sobre o trauma. Em minha opinião, os autores seguem aqui o ensinamento freudiano mais basilar, isto é, que palavra é vida ao passo que o silêncio é o lugar onde a pulsão de morte habita. E, nesse ponto, acredito, nos deparamos com a pedra mais preciosa do livro: o encontro entre o privado e o comunal. Isto é, os autores demonstram, com esmero, que a escuta singular do sofrimento preconizada pelo método psicanalítico, é um dos mais poderosos instrumentos políticos.

 

Nadja Nara Barbosa Pinheiro

Professora Titular do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Paraná

Ano de lançamento

2024

Formato

ISBN

978-65-265-1510-5

ISBN [e-book]

978-65-265-1511-2

Número de páginas

191