Ensino de gramática na escola: sugestões aos professores

Organização: Adriane Teresinha Sartori

APRESENTAÇÃO

Este livro é uma tentativa de resposta às indagações dos (futuros) professores, relacionadas ao ensino de Língua Portuguesa, mais especificamente, ao ensino de gramática. Fruto de alguns estudos desenvolvidos em disciplinas da licenciatura em português na Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais, os autores voltam-se para temas importantes da educação básica e, após buscarem suporte em gramáticas tradicionais e em abordagens mais contemporâneas, propõem alternativas para a sala de aula. A inspiração para a estruturação dos capítulos do livro nesse formato está na obra “Por que a escola não ensina gramática assim?”, organizada pelas professoras Stella Maris Bortoni-Ricardo, Rosineide Magalhães de Sousa, Vera Aparecida de Lucas Freitas e Veruska Ribeiro Machado, publicado pela Parábola Editorial, em 2014.

Todos os capítulos deste livro estão assentados em alguns pressupostos que passo a apresentar sucintamente. Começo por dizer que aula de português é o espaço privilegiado de análise da língua viva, da língua em uso, em suas manifestações multissemióticas, ou seja, em textos formados por diferentes formas de significação (imagens, sons…). Essas formas se mesclam para construir uma unidade de sentido, tanto na produção escrita quanto na leitura (compreensão/interpretação). Analisar a língua em uso exige que professores e alunos se debrucem sobre a gramática dos textos: as frases curtas ou longas, conectores explícitos e implícitos, escolhas lexicais (substantivos e adjetivos, por exemplo), escolha de tempos e aspectos verbais, as imagens, as cores, os traços, as letras e palavras em destaque, entre outros.

Tanto a leitura quanto a escrita de textos em sala de aula não podem prescindir da análise da sua gramática. Reitero, assim, a necessidade de ensino de gramática na escola. Somos professores de língua; a língua se materializa em textos, exemplares de diversos gêneros, por isso ensinar a ler e a escrever textos é o centro da aula; a análise da gramática, a ferramenta para a realização dessa leitura e dessa produção.

Outra ideia basilar sobre a qual se assenta o estudo de gramática na escola é a de que, na aula de Língua Portuguesa, devemos ensinar formas de prestígio de escrever (e de falar).

Constata-se que as muitas formas de prestígio estão estabelecidas nas gramáticas tradicionais, as quais apresentam uma língua imutável, fixa, desconsideram a mudança que constitui qualquer variedade, por isso tantas vezes a língua em uso torna-se bastante distinta das normas definidas por elas. Um exemplo dessa questão pode ser observado na norma de uso dos pronomes oblíquos, conforme nomenclatura gramatical, ao se dizer que, excetuando-se os casos de evidência de atratores, deve-se usar a ênclise. No português brasileiro contemporâneo, o uso preferencial é pela próclise. Discutir essa questão com os alunos pode ajudá-los a perceber a distância existente entre o que diz a gramática e o que fazemos com a língua nas diversas instâncias de uso. Esse fato, entretanto, não exclui a discussão necessária a respeito da importância de nos apropriarmos das formas de prestígio para a compreensão e escrita de textos/gêneros que exigem uma linguagem cuidada.

Outro aspecto importante diz respeito às evidências da disputa existente entre conservadores e progressistas, estudiosos da língua: formas usuais acabam ganhando espaço em materiais didáticos e até mesmo em gramáticas tradicionais, conforme os grupos sociais que as utilizam. Um exemplo é o caso do verbo “adequar-se”, considerado defectivo, conjugado, portanto, segundo a tradição, apenas nas primeiras e segundas pessoas do plural (nós nos adequamos e vós vos adequais).

No entanto, em textos escritos por pesquisadores e estudiosos, encontra-se, não raro, “adéqua”, ou “adequa”, fato que obrigará as gramáticas tradicionais a incorporarem esse uso.

A tradição persiste também nas descrições que apresenta. Ao registrar, por exemplo, três pessoas do singular e três do plural como as formas de pronomes retos, desconsidera a expressão “a gente”, o pronome “você” e suas variantes (ocê, cê) como legítimas formas pronominais do português em uso e, no caso de “a gente”, forma não restrita à linguagem informal, visto que tem suplantado o pronome “nós” em inúmeras situações de utilização de gêneros formais públicos, sobretudo, orais.

O contato com professores me faz perceber que a afirmação recorrente da necessidade de trabalho com formas de prestígio ou norma-padrão na escola foi traduzida por eles como “a gramática tradicional deve ser ensinada”, consequentemente, a extensa nomenclatura gramatical que a constitui. Norma-padrão não é nomenclatura: pode-se utilizar formas de prestígio sem saber identificar, classificar e explicar o fenômeno. É perfeitamente possível que um estudante escreva em um texto “não se trata” ou “trata-se” (em início de frase), sem saber que há um caso de próclise, no primeiro exemplo, ou ênclise no segundo. Importa saber utilizar a norma-padrão em textos de gêneros formais, não explicar o fenômeno ou nomeá-lo. O estudante não é especialista da Língua Portuguesa, é um usuário da Língua Portuguesa. Se souber identificar ou nomear os casos de uso formal, pode fazê-lo, mas não há necessidade/obrigatoriedade de fazê-lo.

Registradas algumas ideias sobre a questão “ensino de gramática”, este livro, como dito anteriormente, transforma-se em um valioso auxílio ao professor, visto que apresenta, em diferentes abordagens, tópicos gramaticais relevantes às aulas de Língua Portuguesa do ensino fundamental e médio. O docente pode não só analisar esses tópicos teoricamente, mas também encontrar sugestões de como tratá-los em sala.

Clauâne Carolino discute, em seu capítulo, o processo de “formação” de palavras para além do ensino tradicional. Derivação e composição estudados em palavras “antigas” dizem pouco do que efetivamente fazemos com a língua no cotidiano. Nesse sentido, a proposta da autora é a incorporação, em aula de português, da análise de termos contemporâneos, buscando refletir e categorizar os possíveis processos de formação de crush, app, mimimi, empoderamento, entre tantos outros. Qual o estudante da educação básica que não gostaria de ver a “sua” língua em análise em classe?

Também Luísa de Castro Fajardo apoia-se em usos efetivos da língua quando analisa canções e vídeos, a fim de compreender e descrever a utilização do imperativo na língua brasileira. A autora confirma constatações de importantes pesquisadores brasileiros, Bagno (2012), entre eles, cujas análises não compactuam com a tradição do envolvimento de algumas pessoas verbais do Indicativo e do Subjuntivo para a realização do modo da “ordem”.

Paloma Gonçalves Oliveira, guiada pela pergunta que encabeça seu texto, “O uso de gerúndio em textos argumentativos: um recurso linguístico produtivo ou um desvio gramatical?”, discute a utilização dessa forma linguística em textos autênticos da mídia e em redações de estudantes de ensino médio. A autora conclui que, em sala de aula, é primordial refletir sobre os diferentes efeitos de sentido que a utilização de um gerúndio pode criar em um texto, antes de repetir a voz corrente essencialista de que o gerúndio é um erro a ser evitado.

Em “A concordância verbal de plural no Português Brasileiro: uso e possibilidades de ensino”, André de Sousa Figueiredo Freitas analisa, em tweets, as variações possíveis de concordância verbal nos casos das formas verbais de primeira e terceira pessoa do plural, tendo por base o contínuo organizado por Bagno (2012). A análise realizada pelo autor leva-nos a concluir que a aproximação com o interlocutor pode ser um fator bem mais relevante que a pouca escolaridade, este sempre apontado como primordial na não realização da concordância padrão.

Júlia Camila de Sousa dialoga com os professores ao propor que eles discutam com os alunos a realização da regência de alguns verbos de utilização frequente na linguagem do jovem: “namorar”, “assistir”, “obedecer”, por exemplo. Uma comparação entre o que prescreve uma gramática tradicional e a atuação de falantes em diversas situações pode ser muito significativa para o estudante perceber o quanto domina a gramática do português.

Também Laura Costa Drigo debruça-se sobre a questão da regência verbal, enfocando apenas um verbo: responder. Pela frequência de uso desse vocábulo em contextos escolares, a autora seleciona posts de universitários da Faculdade de Letras da UFMG para análise. Afinal, como participantes do ensino superior escrevem: “respondendo ao trabalho ou respondendo o trabalho?” Ludimila Luchini Noventa constrói uma análise de relações de sentido estabelecidas por conectores em textos autênticos que circulam em redes sociais. A autora discute questões que poderiam ser propostas aos alunos em relação a estes textos e possíveis respostas a elas, oferecendo subsídios ao docente para ensinar a ler/compreender/interpretar muito mais do que ensinar a identificar ou classificar orações coordenadas e subordinadas.

Convido os (futuros) professores a se debruçarem sobre esta obra, porque nela encontrarão subsídios teórico-práticos para o ensino de gramática na escola, um tópico que merece nossa atenção. Uma boa leitura!

Adriane Teresinha Sartori

Ano de lançamento

2020

ISBN [e-book]

978-85-7993-837-5

Número de páginas

115

Organização

Adriane Teresinha Sartori

Formato