A mobilidade humana internacional: entre direitos ideais e políticas reais

Evelyn Secco Faquin, Francesco Romizi, Líria Maria Bettiol Lanza

APRESENTAÇÃO

As pesquisas e estudos migratórios contribuem de forma singular para a compreensão das relações sociais que Estado, sociedade e mercado operam, de diferentes formas e contextos, no espaço tempo, acerca da presença do migrante. De certa forma, embora importantes, as preocupações sobre a definição de quem é o migrante, por si só, já revelam uma presença “indesejável”, “inimiga”, porém historicamente necessária na organização social capitalista. Trata-se de nominar, especificar e prever formas de controle aos migrantes que envolvam relações de poder de um complexo processo normativo, discursivo e político, que constrói e reatualiza representações sociais e coletivas sobre a migração e sobre o sujeito migrante.

No momento em que apresentamos esta coletânea, vivenciamos um ato de intolerância e violência a migrantes angolanos em uma cidade do Paraná que nos faz lamentar, mas também reforçar nosso compromisso enquanto pesquisadores com a disseminação de estudos e pesquisas que tirem da invisibilidade as formas de dominação, discriminação, racismo e xenofobia por que passam os migrantes nos diferentes espaços públicos e sociais. Trata-se de ações que reforçam os sistemas de dominação presentes na organização social capitalista com seus desdobramentos, como o racismo institucional, o trabalho precário e tantos outros, que, de forma universal, atingem a classe trabalhadora, mas se potencializam nos migrantes, tendo em vista a sua condição particular, como pretendemos demonstrar nos diferentes artigos desta obra.

A proteção social aos migrantes ainda é um desafio das sociedades receptoras porque se trata de uma ação pública tensionada pelas mudanças sociais e econômicas do capitalismo global. Mais do que nunca, tal ação afasta-se de seu princípio protetivo e, paradoxalmente, alinha-se aos interesses econômicos e financeiros, fragilizando os sistemas de organização do Estado Social nos diferentes países por meio de reformas que retiram direitos e favorecem a figura do “cidadão consumidor” com a mercantilização das políticas sociais. A consequência primeira desse processo afeta as propostas progressistas de redistribuição e reconhecimento de grupos específicos, como os negros, a população em situação de rua, os migrantes, entre outros. A equidade como retórica dificulta o acesso aos serviços públicos, pauperiza a vida social e sedimenta a lógica do personalismo na compreensão e enfrentamento das desproteções modernas, tornando cada vez mais distante o ideal de justiça social.

No caso brasileiro, os avanços na discussão dos direitos dos migrantes, por se tratar de uma realidade presente nos atuais fluxos e influenciada pelos organismos internacionais, como a OIM (Organização Internacional para as Migrações), que objetiva induzir alterações no que diz respeito à mobilidade humana e à integração nos países na perspectiva dos direitos humanos, permitiram a alteração da legislação nacional no ano de 2017 com a Lei n.º 13.445, que se torna um importante instrumento para a garantia dos direitos dos migrantes. Todavia, a presença deles em cidades interioranas, como a realidade estudada, sobretudo haitianos e bengaleses, acompanha a revisão da legislação migratória no País, mas revela lacunas importantes, como a não vinculação de criação de serviços específicos de acesso aos direitos sociais, as barreiras linguísticas e culturais, a questão dos indocumentados e dos direitos políticos, como são examinados por autores nesta obra.

É nesse contexto que o Grupo de Pesquisa “Serviço Social e Saúde: formação e exercício profissional” (CNPq) realizou o estudo desse fenômeno nos últimos três anos a partir de atividades de pesquisa e extensão, com os projetos “Trajetórias dos imigrantes nos territórios: a construção do acesso às políticas de seguridade social” [1]e “Migrar com direitos” [2]. Desvendar como os migrantes acessavam os serviços públicos de Assistência Social, de Saúde e Previdência Social, ao mesmo tempo que foi um problema de pesquisa, foi uma proposta de intervenção e de corresponsabilidade na integração dos migrantes na RMLO (Região Metropolitana de Londrina).

Tal percurso contou com a participação ativa dos membros: Estudantes de Graduação e Pós-Graduação; Profissionais Assistentes Sociais; Bolsistas de Iniciação Científica, Extensionistas e Bolsistas de Mestrado e Doutorado, subsidiados pelas agências de fomento CAPES e Fundação Araucária; Docentes Pesquisadores Assistentes Sociais; Antropólogos e Sociólogos, que produziram vários espaços de interlocução com os migrantes, como as 10 Oficinas de Educação em Saúde, o evento “I Colóquio Internacional de Pesquisas e Estudos Migratórios”, dentre outros, que sempre se orientaram para que os migrantes fossem os sujeitos centrais do processo ao contribuir para que suas “vozes” fossem ouvidas e, da mesma forma, sua participação no debate teórico-prático das migrações fosse privilegiada.

Em perspectiva mista, a pesquisa qualitativa[3] contou com recursos quantitativos como o levantamento de perfil dos migrantes na região estudada, a aplicação de questionário/formulário junto a aproximadamente 150 migrantes de diferentes nacionalidades. A opção de foco do estudo nos migrantes haitianos e bengaleses foi justificada, naquele momento, por serem as nacionalidades com maior prevalência na região e nos cinco municípios, alvos do estudo. Do ponto de vista qualitativo, somando-se as oficinas já mencionadas foram realizadas mais de 20 entrevistas com profissionais e gestores das políticasde seguridade social e cinco entrevistas em profundidade com migrantes. De posse dos dados e da tarefa pública de problematizar as barreiras de acesso, vários produtos científicos e técnicos foram produzidos, bem como recorrentes demandas dos migrantes de forma informal, que estreitaram os laços entre a equipe e os migrantes. Visitamos suas casas e conhecemos suas famílias. Da mesma forma, os migrantes estiveram na Universidade e construímos juntos sonhos de prosseguimentos nos estudos. As crianças brincaram no gramado da UEL e passearam pelos corredores dos Centros de Estudos. Esses momentos nos transformaram e, para além da contribuição científica que almejamos dar com essa obra, entendemonos como um grupo que atua, dentro das possibilidades, junto com os migrantes para a consolidação da cidadania plena e por melhores condições de vida e trabalho.

Posto isso, comemoramos a disseminação científica desses anos, com a apresentação desta Coletânea, que incorpora também os frutos de nosso profícuo diálogo com pesquisadores(as) de diversas áreas, extremamente qualificados e competentes: Prof. Dr. Maurizio Ambrosini, sociólogo das migrações da Universidade de Milão/Itália; Prof. Dr. Riccardo Cruzzolin, antropólogo da Universidade de Perugia/Itália; Prof. Dr. Daniel Granada, antropólogo da UFSC/SC; Profª. Drª. Vera Maria Ribeiro Nogueira, assistente social da UCPEL/RS; Drª. Patricia Villen, pesquisadora no Karl Polanyi Research Center for Global Social Studies de Budapeste/Hungria e Profª Drª Dirce Koga, assistente social da PUC/SP. A presente obra, não obstante, não representa nosso destino final. Com efeito, entendemos que temos uma longa jornada investigativa e interventiva no âmbito das relações sociais, públicas e privadas quanto ao debate da migração.. Cabe, neste momento, registrar os nossos agradecimentos aos migrantes da RMLO que contribuíram, de forma decisiva, para o percurso da pesquisa; aos membros do Grupo SerSaúde; especialmente aos assessores externos de pesquisa: Prof. Dr. Alex Fabiano de Toledo (UNIOESTE); Profª. Drª. Maria Geusina da Silva (UNILA/Foz do Iguacu-PR); Profª. Drª. Sônia Ferreira Dias (Escola Nacional de Saúde Pública de Lisboa-PT) e ao Ms. Luis Gustavo Patrocino, responsável pela coordenação da pesquisa de suporte quantitativo. De modo especial, agradecemos à Universidade Estadual de Londrina, destacando a PROPPG na figura dos servidores Suely Kazue Arij (Chefe da Divisão de Execução Financeira) e Luciana Freitas (Divisão de Execução Financeira); Márcio Ferreira Cruz (Chefe da Divisão de Gestão Financeira da Pós-graduação; à PROEX com o suporte essencial dos servidores Damaris Ferreira (Divisão de Gerenciamento Financeiro e Logística) e, à época, do Pró-Reitor de Extensão, Gilberto Hildebrando; ao Departamento de Serviço Social e ao Professor Fabio Lanza do Departamento de Ciências Sociais, na parceria das atividades e também no compartilhamento da “Casa do Pioneiro” para o desenvolvimento das atividades.

Por fim, agradecemos às agências de fomento CAPES[4] e Fundação Araucária pelos recursos disponibilizados, que permitiram o desenvolvimento da pesquisa.

Esperamos que o texto suscite novas questões e reflexões aos pesquisadores da temática, assim como subsidie trabalhadores sociais e gestores públicos no que diz respeito ao acesso oportuno e qualificado dos migrantes às políticas de seguridade social em uma perspectiva integral e democrática. Boa leitura!

Líria Maria Bettiol Lanza
Evelyn Secco Faquin
Francesco Romizi

Notas de rodapé

[1] Contou com o apoio financeiro da Fundação Araucária de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Estado do Paraná – Chamada Pública de Programa Institucional de Pesquisa Básica e Aplicada nº 09/2016.

[2] Contou com o apoio financeiro do Programa Universidade Sem Fronteira, edital nº 01/2016/SETI

[3] Essa pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos da Universidade Estadual de Londrina (UEL) por meio do parecer nº 2.219.037

[4] CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior -, edital nº 35/2017 no âmbito do Programa de Apoio a Eventos no País – PAEP.

Ano de lançamento

2021

ISBN

978-65-5869-309-3

ISBN [e-book]

978-65-5869-312-3

Número de páginas

359

Organização

Evelyn Secco Faquin, Francesco Romizi, Líria Maria Bettiol Lanza

Formato