Diálogos sobre discurso: arte(s), mídias e práticas sociais
Organização: Alan Silus, Aline Saddi Chaves, Maria Leda Pinto
APRESENTAÇÃO
Não existe a primeira nem a última palavra, e não há limites para o contexto dialógico (este se estende ao passado sem limites e ao futuro sem limites). Mikhail Bakhtin
Para apresentar a obra Diálogos sobre discurso: arte(s), mídias e práticas sociais, nada mais apropriado do que citar Bakhtin, para lembrar que o caráter inconcluso do diálogo remete tanto à sua forma material, o texto/enunciado, quanto aos outros discursos, produzidos em diferentes campos da atividade humana, e sob variados pontos de vista. Refletindo esse pensamento, a obra que ora se apresenta ao leitor introduz diferentes perspectivas teóricas e analíticas, manifestando a produtividade do conceito de discurso para pensar a relação entre linguagem e sentido.
O termo “diálogos”, no título da obra, manifesta a influência do pensamento e obra do Círculo de Bakhtin nas variadas abordagens do discurso. Como explica Branca-Rosoff, no número 56 do periódico francês Linx, “Com a translinguística, que ele opunha ao objetivismo abstrato da linguística, Bakhtin atribuía amplo espaço ao discurso, não como fala individual, mas como troca social”. O contexto científico é inconfundível: no final dos anos 1960, a análise do discurso francesa inaugura uma teoria sobre as formas materiais da ideologia, ao mesmo tempo em que as correntes enunciativas começavam a se firmar em solo europeu. Esse capítulo da história das ciências da linguagem sofreu inúmeras rupturas, reformulações e desdobramentos, de que dão prova as diferentes perspectivas adotadas pelos autores dos capítulos que compõem a presente obra, dividida em três seções.
Em DISCURSO E ARTE(S), iniciamos nossas reflexões com o texto “Arte aqui é texto: uma leitura das telas de Humberto Espíndola sob a ótica semiodiscursiva”, desenvolvido por Alan 6 Silus e Gicelma da Fonseca Chacarosqui-Torchi. O capítulo reflete questões acerca do estudo semiótico-discursivo de telas do pintor sul-mato-grossense Humberto Espíndola (1943- ) a partir de pressupostos teóricos pautados em Iuri Lotman (1922-1993) e Mikhail Bakhtin (1895-1975).
No capítulo “Um diálogo entre a análise do discurso e a teoria do romance bakhtiniana: a autoconsciência feminina, em Ensaio sobre a Cegueira, de José Saramago”, Tatiana Emediato Corrêa, Glaucia Muniz Proença Lara e Ida Lucia Machado articulam a análise do discurso francesa à teoria bakhtiniana do romance para analisar a construção da personagem feminina na obra do renomado escritor português. A reflexão das autoras sobre a construção da autoconsciência da heroína no romance de Saramago, em que uma epidemia de cegueira assola as personagens, mostra-se mais do que nunca pertinente em tempos de pandemia.
Em “Ela(s) por eles, nós e Bakhtin: uma análise discursiva de Notas sobre Elas”, Natália Aparecida Tiezzi Martins dos Santos e Maria Leda Pinto tratam do conceito de dialogicidade do discurso, analisando duas obras: Notas sobre ela, de Zack Magiezi, e As Verdadeiras notas sobre ela, de Edimilson Filho. A obra parodística de Filho traz uma personagem que se apropria não só do discurso da personagem magieziana, mas de muitos outros; ambas expõem assim o seus ‘eus’ e ‘outros eus’, de seus muitos autores, meu e seu
Em DISCURSO E MÍDIAS, estão reunidos os capítulos que se inscrevem na análise do discurso de linha enunciativa, manifestando a influência determinante dos escritos do Círculo de Bakhtin para o estudo das formas da alteridade linguística, mais especificamente nos variados mecanismos do discurso relatado.
Nesta seção, destacamos o capítulo de Sophie Moirand, pesquisadora da Universidade de Paris 3, Sorbonne Nouvelle, cujas publicações a consagraram na Didática de Línguas e na Análise do Discurso Francesa, com numerosos estudos sobre os discursos de transmissão das ciências. Fundadora do Centro de pesquisa sobre os discursos ordinários e especializados (CEDISCOR) e 7 do periódico Les Carnets du Cediscor, a autora se dedica, desde o final dos anos 1990, a articular a teoria do dialogismo à semântica discursiva, produzindo farta bibliografia a esse respeito. Grande incentivadora de analistas do discurso da nova geração, Sophie Moirand cedeu gentilmente um de seus artigos, publicado em 2011 no periódico Cahiers de Praxématique, disponível em língua portuguesa na presente obra.
Em “O Dialogismo: da recepção do conceito a sua apropriação na análise do discurso”, Moirand brinda o leitor com uma abordagem histórica e epistemológica do conceito de dialogismo desde sua entrada em solo europeu, em uma época marcada pelo estruturalismo linguístico, o funcionalismo e as análises transformacionais, ao mesmo tempo em que começavam a se afirmar as vertentes que estudam a língua em seus usos reais, nas comunidades de fala (sociolinguística), nas interações verbais (abordagens pragmáticas). O texto de Moirand introduz, sobretudo, um princípio de precaução a respeito do uso do termo “dialogismo”, defendendo que o conceito seja “re-trabalhado” para se acomodar, no melhor sentido do termo, às problemáticas envolvidas na construção de sentido. De forma generosa e instrutiva, a estudiosa reverencia pesquisas que, sem abandonarem a tradição francesa da langue, mostram a produtividade do dialogismo para “identificar novos lugares de emergência de discursos tranversos”.
No capítulo “Polifonia e ponto de vista na notícia: uma abordagem dialógica do discurso da imprensa”, Marcelo Eduardo da Silva e Aline Saddi Chaves relatam um episódio do cotidiano que adquiriu ampla repercussão na grande imprensa brasileira durante a campanha presidencial de 2018: a denúncia de agressão sofrida por uma jovem que teria sido marcada na barriga pelo símbolo da suástica nazista. Na análise de quatro notícias sobre o mesmo fato, os autores articulam os fundamentos da análise do discurso à abordagem dialógica do Círculo de Bakhtin e à perspectiva enunciativa de Rabatel e Authier-Revuz, o que lhes permite descrever e interpretar o discurso da imprensa com 8 base nas variadas formas do discurso relatado, deixando à mostra a “sinfonia polifônica” dos textos e a subjetividade da instância enunciadora do discurso jornalístico.
Em “Uma análise do discurso citado em textos de circulação social sob a perspectiva da linguística enunciativa bakhtiniana”, Natália Schausst Lima, Clemilton Pereira dos Santos e Geraldo José da Silva analisam notícias e reportagens publicadas em duas revistas digitais de circulação nacional, em torno de um fato social que também derivou para um acontecimento discursivo: a intervenção militar no estado do Rio de Janeiro em 2018. Fundamentando-se na linguística enunciativa sob a ótica dos estudos bakhtinianos, os autores descrevem o acontecimento com base nas diferentes formas do discurso citado: direto e indireto, como estratégias de isenção do ponto de vista jornalístico, a despeito dos efeitos de sentido de toda “enunciação sobre a enunciação”, nos dizeres de Bakhtin/Volochínov.
Em DISCURSO E PRÁTICAS SOCIAIS, Adriana Lúcia de Escobar Chaves de Barros e Nara Hiroko Takaki tecem reflexões acerca “(d)A linguagem sob a perspectiva bakhtiniana”. Inicialmente, as autoras apresentam alguns conceitos basilares da perspectiva dialógica dos estudos da língua/linguagem, para, em seguida, articulá-los a questões relevantes e atuais sobre a formação continuada de professores-pesquisadores e de desenhistas de currículos de línguas/linguagens.
Marta Luzzi e Maria Leda Pinto, as autoras do capítulo seguinte, relatam “A importância dos gêneros discursivos para o processo de ensino/ aprendizagem”. O trabalho parte da análise de material produzido por aprendizes do 1º ano do Ensino Fundamental I da Escola Estadual Dr. Fernando Corrêa da Costa, no Município de Amambai, MS. Foram elencadas narrativas orais, tendo como fundamentação a literatura infantil.
No capítulo intitulado “Dialogismos na rede de práticas sociais: o caso da sessão de grupo socioeducativo para homens autores de violência contra a mulher”, Vanessa Arlésia de Souza Ferretti aborda alguns conceitos teóricos sobre a Análise Crítica de 9 Gênero e faz uma descrição de parte da rede de práticas da qual a sessão de grupo socioeducativo para homens autores de violência contra a mulher participa. Além disso, a autora discute os efeitos dessas relações na constituição de identidades dos participantes da sessão para, por fim, tecer algumas considerações acerca dos efeitos sociais dos fenômenos abordados para o problema da violência contra as mulheres.
Ainda em tempo, mencionamos que esta obra está vinculada como uma publicação do Núcleo de Estudos Bakhtinianos (NEBA/UEMS – Campo Grande/ CNPq) e recebeu apoio do Núcleo de Ensino de Línguas da Pró-Reitoria de Extensão, Cultura e Assuntos Comunitários da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS).
Externamos também nossos sinceros agradecimentos ao Prof. Dr. João Wanderley Geraldi (IEL/UNICAMP) que não mediu esforços para desenvolver a crítica e rica leitura deste livro e tecer considerações pertinentes, que muito contribuíram para a construção da obra.
Desejamos a todos uma excelente leitura, e que os textos apresentados nesta obra possam provocar inúmeras reflexões sobre o discurso em diferentes objetos e pontos de vista. Boas Leituras!
Alan Silus
Aline Saddi Chaves
Maria Leda Pinto
Os organizadores
Ano de lançamento | 2021 |
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ISBN | 978-65-5869-377-2 |
Número de páginas | 265 |
Organização | Alan Silus, Aline Saddi Chaves, Maria Leda Pinto |
Formato |