Livro didático de português: políticas, produção e ensino
Organização: Clecio Bunzen
APRESENTAÇÃO
Diferentes olhares para um objeto complexo e multifacetado: o livro didático de português
Clecio Bunzen (UFPE/CEEL)
Essa obra retrata e apresenta aos leitores algumas discussões realizadas no I Seminário de Pesquisas sobre os livros didáticos de Língua Portuguesa (LDP), organizado por mim e Maria Inês Batista Campos (USP), nos dias 08 e 09 de Outubro de 2012. O Seminário teve como principal objetivo reunir pesquisadores que investigam o LDP como objeto de pesquisa em diferentes perspectivas epistemológicas e metodológicas. No intuito de abranger diferentes materiais impressos – cartilhas, livros didáticos, apostilas, o Seminário convocou estudantes de graduação, mestrado e doutorado, assim como professores universitários, para apresentarem pesquisas finalizadas ou em andamento.
Alguns textos que compõem a obra “Livro didático de Português: políticas, produção e ensino” foram apresentados em algumas mesas que compuseram o Seminário, seguidas de ricos debates com dois professores convidados. As mesas de debate e os painéis temáticos procuraram discutir aspectos importantes para as pesquisas e interpretação dos livros didáticos de português, além de trazerem para a “arena” do debate acadêmico, diferentes atores envolvidos no processo de produção, avaliação e uso dos LDPs. Coordenadores do Programa Nacional do Livro Didático, Avaliadores, Autores de Livros Didáticos, Editores e Pesquisadores apresentaram discussões sobre: a política pública de avaliação dos livros didáticos, os desafios epistemológicos e metodológicos das pesquisas, os processos de produção e usos dos LDs de alfabetização e língua portuguesa.
Os pesquisadores inscritos no Seminário tiveram a oportunidade de discutir suas pesquisas em sessões de Comunicação organizadas por eixos temáticos: (i) livros didáticos de alfabetização; (ii) livros didáticos de Língua Portuguesa no Ensino Fundamental I; (iii) livros didáticos de LP no Fundamental II; (iv) livros didáticos no EM. Assim, tivemos uma visão mais panorâmica da abrangência das temáticas as quais têm impulsionado pesquisas no campo da Linguística Aplicada, Educação, Linguística, Teoria e Crítica Literária etc. Três artigos que compõem esta coletânea foram apresentados em algumas das sessões, que contaram também com debatedores convidados. Além destes, outros textos foram publicados em periódicos nacionais, tais como a Revista Olh@res da Universidade Federal de São Paulo e a Revista Eutomia da Universidade Federal de Pernambuco, que lançou um Dossiê Especial sobre a temática, permitindo a divulgação de trabalhos apresentados no Simpósio. No Editorial da revista, podemos ler:
A edição especial de Linguística é dedicada a um tema palpitante no âmbito da linguística aplicada o qual foi objeto de ampla discussão no Primeiro Seminário de Pesquisa de Livros Didáticos de Língua Portuguesa, o que revela o crescente protagonismo, do tema, nos estudos realizados nas diversas universidades públicas brasileiras. Deste seminário vem uma importante parcela do que é aqui publicado. A outra parcela vem de professores doutores de efetiva proeminência no cenário. Entre os destaques, as pesquisas de Pós-Graduação em torno dos livros didáticos em Literatura, língua portuguesa, depoimentos de professores sobre o livro didático de língua portuguesa, material didático para o ensino de uma língua viva, o gênero debate em coleções de Língua Portuguesa e a questão da autoria. Os seis artigos tratam de temas centrais, como a questão dos gêneros, do ensino da ortografia e de textos de literatura, contando com a contribuição de docentes que há muitos anos atuam na formação de professores, unindo conhecimento teórico e experiência consolidada na área de Linguística. Os artigos revelam a diversidade de pontos de vista sobre a formação de professores no Brasil, o papel dos cursos de educação e da universidade, como um todo, para a formação de professores, os desafios curriculares, a experiência da Licenciatura, numa articulação entre as disciplinas acadêmicas com a educação básica. In:Eutomia, Recife, 11 (1): 2-4, Jan./Jun. 2013.
No intuito de fortalecer o diálogo e registrar a importância que tal temática tem tido em diferentes regiões do Brasil e grupos de pesquisa, a obra apresenta artigos que articulam três questões centrais: (a) as políticas públicas de avaliação dos LDPs; (b) aspectos da produção dos LDPs no cenário contemporâneo de relações entre editoras, universidades e Estado; (c) aspectos do currículo, da autoria e do ensino de língua e literatura nas escolas. O primeiro capítulo “Livro Didático de Língua Portuguesa para a Educação Básica: problemas e perspectivas” amplia o debate que Egon Rangel (PUC-SP) estabeleceu no Seminário com Antônio Augusto Batista (CENPEC) e Roxane Rojo (Unicamp) na mesa “Políticas públicas e pesquisa sobre livros didáticos de língua materna: desafios e possibilidades”. Ao retomar aspectos do debate ocorrido no Seminário, Rangel proporciona uma leitura crítica e importante do PNLD, assim como da importância de políticas de distribuição de materiais didáticos para as escolas públicas brasileiras.
Artur Gomes de Morais (UFPE) traz no segundo capítulo reflexões sobre métodos e metodologias para pesquisa sobre livros didáticos de língua materna, focalizando especificamente o que os novos livros de alfabetização propõem para que as crianças se apropriem do sistema de escrita alfabética. Com base em diferentes pesquisas realizadas por ele e seus orientandos na Universidade Federal de Pernambuco, Morais apresenta dados quantitativos e qualitativos no intuito de interpretar as mudanças metodológicas, permanências e rupturas dos livros de alfabetização. Temos aqui o olhar do pesquisador atento para aspectos importantes que envolvem tanto o “impacto” das avaliações do PNLD quanto às reflexões sobre como ensinar o sistema de escrita alfabética nos anos iniciais.
O terceiro capítulo escrito por Eliane Lousada (USP), intitulado “Das prescrições oficiais ao livro didático: uma reflexão sobre o processo de elaboração de material didático de português”, retoma o Painel Temático “Projeto didático autoral: diálogo entre autores e editores”, em que os processos de construção de obras para o ensino fundamental, ensino médio e educação de jovens e adultos foram explicitados. Lousada parte da sua experiência como autora de uma coleção de livros didáticos de português para os anos finais do ensino fundamental para aprofundar aspectos da construção desse gênero do discurso (cf. BUNZEN, 2005; BUNZEN & ROJO, 20051) sob a ótica do autor, levando em consideração também o professor de língua materna, os objetos de ensino e o trabalho docente. Fabiana Marsaro – pesquisadora e editora de livros didáticos – discute no quarto capítulo o papel do projeto gráfico editorial de livros didáticos de língua portuguesa, compreende-o como um gênero do discurso multimodal. O papel do planejamento editorial e a realização gráfica são interpretados com base em conceitos bakhtinianos (gênero, arquitetônica) e fortalece um ponto de vista pouco analisado na Linguística Aplicada, mas importante para a compreensão dos diferentes atores envolvidos na produção do LDP e os efeitos de sentido das páginas coloridas, das imagens e ilustrações, dos detalhes gráficos que marcam as seções didáticas etc.
O foco das escolhas curriculares e do ensino de linguagem ganha destaque no artigo “Reflexões sobre práticas de letramento digital nos livros didáticos de Português para o Ensino Fundamental II”, escrito com base em discussões propostas no Seminário sobre o papel da cultura digital nos livros didáticos impressos. Clecio Bunzen analisa duas coleções de livros didáticos utilizadas em uma escola pública brasileira pelo período de 06 anos (três anos para cada edição do PNLD) no intuito de compreender quais práticas de letramentos digitais os livros impressos estão apresentando. Tal perspectiva analítica reforça a importância da compreensão interpretativa das construções dos projetos didáticos autorais das coleções didáticas produzidas no Brasil para o ensino da língua portuguesa. Para dar conta de tal “agenda de pesquisa”, o olhar histórico para obras recentes e passadas no movimento presente-passado-futuro ajuda-nos a ampliar aspectos metodológicos para compreender temas específicos. Graziela Lucci de Angelo (UFSM) focaliza a produção de uma coleção didática dos anos 70 pelo linguista Dino Preti. Ao contribuir para a história da disciplina Língua Portuguesa, o artigo sinaliza o fato de que vários linguistas nos últimos 30 anos também são autores de livros didáticos, mobilizando diferentes conhecimentos no processo de elaboração didática.
No sétimo capítulo, Maria Inês Batista Campos (USP) e Nathalia R. S. Polachini (USP) mantêm o foco nas questões curriculares ao questionarem o espaço das redações do ENEM em livros didáticos de Ensino Médio. A relação entre exames vestibulares e a produção dos livros didáticos tem destaque no artigo, uma vez que as autoras analisam com base em conceitos de Bakhtin e do Círculo (“texto”, “arquitetônica”, “gênero”), como os enunciados das questões de produção de texto do ENEM são apropriados e recontextualizados nos LDPs. Com base em uma análise diacrônica, mostram de forma didática como a redação do ENEM se mantém como objeto de ensino. Ainda sobre os livros de Ensino Médio, o capítulo “A Lei 10.639/03 e a abordagem da literatura no Ensino Médio”, de autoria de Vima Lia Martin (USP), retoma o painel temático do Seminário para demonstrar o processo complexo de produção dos LDPs, especificamente da implementação legal da Lei 10.639/03 no ensino de literatura. Como autora de livro didático, Vima Martin descreve, narra e apresenta várias possibilidades inter-culturais do trabalho com literaturas em língua portuguesa no livro didático de Ensino Médio.
Para finalizar a obra e retomar os objetivos do Seminário de Pesquisas sobre LDP, Maria Amélia Dalvi (UFES) discute o que dizem as pesquisas sobre literatura no livro didático de Ensino Médio. Dalvi propõe-se a fazer um estudo detalhado em teses e dissertações que escolhem como objeto de análise os LDP de EM, especificamente o ensino de literatura. Baseada em reflexões sobre a história do livro e da leitura de Roger Chartier, a autora nos brinda com uma análise de múltiplos aspectos; com destaque para o fato de que ainda temos poucas pesquisas sobre ensino de literatura e livros didáticos. Por tais razões, considero que o presente volume possa desafiar outras pesquisas sobre os livros didáticos.
A organização do Seminário com Maria Inês Batista Campos, as diferentes reflexões e publicações que o Seminário proporcionou e as conversas com pesquisadores de diferentes lugares do Brasil fazem-me afirmar que o LDP – apesar de ser tão criticado no cenário acadêmico ainda é um objeto cultural presente nas escolas e usados de diferentes modos e maneiras pelos professores em seus fazeres cotidianos. Ao mesmo tempo, diferentes agentes e atores são envolvidos em sua produção, avaliação, distribuição e usos. Precisamos certamente ouvir e compreender mais os professores, os aprendizes e perceber os diferentes usos (cf. BUNZEN, 20092). Outra temática que merece nossa atenção é o fato de os professores utilizarem diferentes materiais didáticos em sala, especialmente os livros/cadernos estaduais e municipais (e os apostilados e livros produzidos por institutos, ONGs, fundações) que tensionam a própria política pública do PNLD.
Gstaria de agradecer imensamente à colega Maria Inês Batista Campos por ter acreditado e organizado, com uma excelente equipe, o I Seminário na Universidade de São Paulo. Além disso, não poderia deixar de agradecer aos colegas que gentilmente escreveram seus artigos para composição desta coletânea. E aos colegas que compuseram as mesas de debate, painéis temáticos e sessões coordenadas, especialmente Antônio Augusto Batista, Roxane Rojo, Maria do Rosário Mortatti, Márcia Mendonça, Ceris Ribas Silva, Sandoval Gomes Santos, Adriana Teixeira e Ana Lúcia Guedes Pinto, Roberta Martins. Desejo que todos se sintam representados e que a rede dialógica sobre o LDP possa se ampliar com a publicação desta obra, que não seria possível sem o incentivo dos companheiros Maria Isabel de Moura e Valdemir Miotello.
1- BUNZEN, Clecio. Livro didático de Língua Portuguesa: um gênero do discurso. Dissertação (Mestrado). Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), 2005. BUNZEN, Clecio; ROJO, Roxane. Livro didático de Língua Portuguesa como gênero do discurso: autoria e estilo. In: COSTA VAL, Maria da Graça; MARCUSCHI, Beth (Orgs.) Livros didáticos de língua portuguesa: letramento e cidadania. Belo Horizonte: Ceale; Autêntica, 2005, pp. 73-117.2- BUNZEN, Clecio. Dinâmicas discursivas na aula de Português: usos do livro didático e projetos didáticos autorais.Dissertação de Doutorado. Campinas, SP: Universidade Estadual de Campinas, 2009.
Ano de lançamento | 2020 |
---|---|
ISBN | 978-85-7993-297-7 |
ISBN [e-book] | 978-65-87645-80-3 |
Número de páginas | 228 |
Organização | Clecio Bunzen |
Formato |