Pesquisas em educação: cidadania, ensino e sociedade

Emerson Benedito Ferreira, Mario Marcos Lopes

INTRODUÇÃO

“Nunca houve um monumento da cultura que não fosse também um monumento da barbárie” (BENJAMIN, 1987, p. 225)

De fato, a epígrafe acima de Walter Benjamin nunca fez tanto sentido como em épocas atuais: a cultura não é imparcial e pode, obviamente, ser influenciada pelas condições ideológicas e pelos mecanismos administrativos daquilo que é conhecido como racionalidade instrumental ou sistêmica. Autores como Max Weber (racionalidade para fins) e Karl Marx (ideologia da infraestrutura econômica), por exemplo, já haviam mencionado a tese de que o modo de integração social não acontece necessariamente através de valores, mas também pela combinação e pela interferência dos mecanismos materiais e econômicos (mercado e poder administrativo) na racionalização e formação das sociedades modernas ocidentais.

Noutras palavras, a cultura não permanece incólume e pode, por isso, manifestar interesses velados, que emergem, atualmente, sob a carranca de agendas partidárias antidemocráticas, patrimonialistas e fascistas. Isso demonstra não apenas a disparidade de interesses entre Sistema (economia e política) e Cultura (ciência, moral e arte), mas, principalmente, uma profunda crise de motivação – ou de credibilidade – às instituições políticas por parte das esferas culturais e da sociedade civil em geral.

Esse aspecto também demarca os propósitos da educação, que, dentre as suas diversas funções desempenhadas, também tem o dever de promover a integração das esferas culturais na sociedade. Ora, se as esferas culturais também podem ser “colonizadas” pelos interesses sistêmicos, então é óbvio que a educação também sofre coações advindas de uma racionalidade instrumental e econômica. Daí a importância de refletir sobre a dimensão e a lógica dos mecanismos de integração sistêmica na educação, pois será a partir deles que se poderá falar o quanto realmente a escola é um espaço de interações simbólicas e emancipatórias, ou uma mera extensão dos interesses administrativos ou pautas partidárias.

Neste cenário controverso, no qual barbárie e cultura convivem de maneira tão próxima, o livro Pesquisas em Educação: cidadania, ensino e sociedade – o qual tenho a honra de prefaciar – é um convite ao leitor para uma reflex~o apurada sobre os “meios” e os “fins” que movem a educação, que, embora carregada de inúmeras dificuldades de ordem interna e externa, também traz consigo expectativas e promessas. Em breves palavras, os textos presentes nesta obra almejam, acima tudo, ser uma fagulha de esclarecimento e resistência em tempos obscuros e de mistificação generalizada.

No horizonte de uma leitura superficial e desatenta dos títulos que compõe o livro, pode-se chegar a uma avaliação subestimada do material, erroneamente julgado como difuso, aleatório ou sem qualquer intencionalidade de um objetivo comum. No entanto, se olharmos com mais atenção, veremos que os nove capítulos estão organizados em torno de três temáticas fundamentais para educação: ensino, cidadania e sociedade.

Os textos “A concepção pedagógica tradicional e os obstáculos ao desenvolvimento do pensamento crítico e reflexivo” (de Alexssandro Claudino da Silva e Mario Marcos Lopes) e “Base Nacional Comum Curricular e ludicidade: uma experiência no processo de formação do docente de Língua Portuguesa” (de Marilia Ferranti Marques Scorzoni e Elaine Christina Mota) apresentam reflexões valiosas sobre a importância de se repensar não apenas a formação docente, como também as linhas metodológicas do ensino e aprendizagem na educação atual. Já os artigos “Tecnologias móveis no ensino e no aprendizado: uma abordagem na Educação Superior” (de Luciana Baroni e Alberto Geraissate Paranhos de Oliveira) e “Sala de Aula Invertida em um colégio do Interior Paulista” (de Marcel Sérgio Albino), embora enfatizem igualmente a necessidade de metodologias inovadoras, apresentam como diferencial algumas considerações sobre o papel e a potencialidade pedagógica das tecnologias da informação e da comunicação em sala de aula.

Em seguida, o livro apresenta dois textos relacionados à temática dos direitos sociais e exercício da cidadania em ambientes específicos: “O direito ao lazer e o Projeto Nós Propomos! Ações educativas em Geografia envolvendo a cidadania” (de Odair Ribeiro de Carvalho Filho, Valquíria Aguiar Meneghesso e Francislaine Soledade Carniel) e “Literatura no contexto prisional: emancipação e ressignificação” (de Danilo Augusto Reinol e Emerson Benedito Ferreira). Ambos artigos são leituras fundamentais para uma análise do caráter libertário da educação, tanto sob o enfoque de uma resistência aos mecanismos de poder, como do ponto de vista propositivo, isto é, de respostas alternativas, por meio de ações emancipatórias, àqueles discursos pessimistas sobre o potencial da educação.

Por fim, o livro se encerra com três pesquisas que, em geral, apresentam diversas facetas das relações de poder presentes nas estruturas societárias: “Infância, Raça e Moral na Revista ‘O Tico-Tico’ (1930-1960)” (de Mariane Costa Silva Zugliani, Emerson Benedito Ferreira, Mario Marcos Lopes e Paulo Rogério da Silva), “Patrimonialismo e formação do Estado Brasileiro” (de Ana Paula Peruzzi e Paulo Rogério da Silva) e “Os conceitos de socialização e sociabilidade encontram o dispositivo” (de Marcos Antonio Gonçalves dos Santos).

Ainda que tais textos não abordem diretamente sobre aspectos pontuais do contexto escolar (currículo, processo de ensino e aprendizagem, metodologias, gestão escolar, políticas públicas educacionais etc.), estão, no entanto, intrinsecamente relacionados aos mecanismos de poder que, por sua vez, estão presentes nas instituições democráticas – dentre elas, a escola. Logo, debater sobre as relações entre indivíduo e sociedade e seus respectivos tipos de integração social, também faz parte do corpo temático direcionado à educação.

Urge, portanto, continuarmos o perene movimento de revitalização da educação, porém, pelos mecanismos corretos!

Quando os processos de ensino e aprendizagem são potencializados pelos mecanismos da comunicação, do entendimento e da inclusão social, acreditamos então que os procedimentos pedagógicos mediados linguisticamente serão capazes de emancipar não somente a instituição como também os atores que dela participam. A educação torna-se emancipada não porque dispõe de conceitos fundamentais de ordem cognitiva e moral, mas porque, enquanto espaço de entendimento, promove a discussão crítica acerca da aplicação e uso de tais conceitos. Esta possibilidade de reavaliação da práxis escolar cria nos seus atores uma formação esclarecida e autônoma, uma vez que se incluem, enquanto indivíduos, no próprio processo de aprendizagem coletiva. Tenho firme convicção de que o livro e seus respectivos autores cumprem essa função com louvor.

Boa leitura!

São Carlos, março de 2020.

Prof. Dr. Paulo Rogério da Silva – Docente do Curso de Filosofia do Centro Universitário Claretiano e Diretor de Escola da Rede Municipal de Educação de São Carlos-SP

Ano de lançamento

2020

ISBN [e-book]

978-85-7993-834-4

Número de páginas

177

Organização

Emerson Benedito Ferreira, Mario Marcos Lopes

Formato