Por que trabalho como princípio educativo? Uma análise linguístico-discursiva em livros didáticos de língua estrangeira moderna do PNLD 2018

Valquíria Areal Carrizo

PREFÁCIO

O importante, não resta dúvida, é não pararmos satisfeitos ao nível das instituições, mas submetê-las à análise metodicamente rigorosa de nossa curiosidade epistemológica. (Paulo Freire, Pedagogia da Autonomia)

A curiosidade epistemológica e o auxílio mútuo resumem nossa trajetória no Programa de Doutorado Interinstitucional (DINTER), parceria firmada entre o Instituto de Letras da Universidade Federal Fluminense e o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sudeste de Minas Gerais. Através do Doutorado em Estudos de Linguagem, construímos uma parceria que se consolidou pela cumplicidade, pela nossa curiosidade inquieta à procura de esclarecimentos sobre discursos que circulam na Educação Profissional Brasileira os quais trazem mais perguntas que respostas. Ao relermos a pesquisa da Valquíria, agora organizada em livro, sentimos que se produziu um material acadêmico denso e claro para ser dividido com os demais profissionais da educação, demonstrando a importância das pesquisas em linguagem, atentas às necessidades sociais.

Com efeito, a autora materializa, nesta obra, suas percepções e seus diálogos com as orientadoras, com os professores / colegas da Pós-Graduação, com seus alunos do Instituto Federal, a partir da pergunta que constitui o título de sua obra: POR QUE TRABALHO COMO PRINCÍPIO EDUCATIVO? UMA ANÁLISE LINGUÍSTICO-DISCURSIVA EM LIVROS DIDÁTICOS DE LÍNGUA ESTRANGEIRA MODERNA DO PNLD 2018.

Dessa forma, este trabalho está voltado para uma “análise metodicamente rigorosa”, a partir de um olhar crítico sobre a própria experiência de Valquíria com o processo de trabalho, descrita nas “Considerações Iniciais”: suas trajetórias profissionais e pessoais são interlaçadas por posicionamentos que nos conduzem, impreterivelmente, por lembranças de nossas próprias experiências com o trabalho. A busca pela compreensão da noção de Trabalho como Princípio Educativo está intimamente relacionada com sua prática docente, como aponta logo no início do texto, e nos conduz ao entendimento a respeito do compromisso ético da Educação Profissional Brasileira, principalmente aquela oferecida nos Institutos Federais, com uma concepção nova e integral do mundo, que possa superar o tradicional dualismo da sociedade e da educação brasileira que, historicamente, sempre reservaram a formação para o trabalho manual para os pobres e a formação para o trabalho intelectual para os ricos.

E movida por sua “curiosidade epistemológica”, a autora traça seu caminho de pesquisa motivada pela investigação da construção discursiva desse conceito em livros didáticos de Língua Estrangeira Moderna, o que determina uma empreitada corajosa, por três motivos: primeiro, esses dispositivos pedagógicos, por si mesmos, mobilizam inúmeros discursos, muitas vezes depreciativos, sobre o fazer docente. Assim, é importante ressaltar que a autora teve o cuidado de não construir juízos de valor sobre essa prática. Em segundo lugar, porque o recorte trata das Línguas Estrangeiras Modernas, uma área que, historicamente, é negligenciada na construção curricular da Educação Básica; e, por fim, no nosso entendimento, por tratar de um Edital do Programa Nacional do Livro Didático, um conjunto de ações que envolve muitos interesses políticos e econômicos, os quais acionam discursividades diversas, motivadas por esses interesses.

Entretanto, a pesquisadora assume sua posição de esclarecer o modo discursivo em que se dão as interincompreesões e interdiscursividades produzidas por esses discursos diante da concepção de Trabalho como Princípio Educativo. Para tanto, traz um referencial teórico robusto, que lhe deu suporte eficiente nas análises: Foucault (1975-1976; 1979;1987; 1996; 2003; 2004; 2007), para compreender as relações de poder em nossa sociedade moderna, estabelecidas não pela violência e pela luta, mas por um modo de ação singular, que é o governo e todos os dispositivos que ele aciona para produzir determinados saberes, como o saber sobre o trabalho que, segundo a grade econômica neoliberal, comporta uma dupla dimensão: capital (porque o trabalho comporta “competências”) e renda (porque o investimento em capital pressupõe rendas futuras); Maingueneau (1997; 2001; 2005; 2008), pela abordagem enunciativa da Análise do Discurso Francesa, a qual entende o interdiscurso como a relação entre os discursos que remete a uma observação das práticas acionadas pelos diversos saberes produzidos em uma determinada época e lugar, fazendo emergir daí a descrição dos enunciados que se tornam verdade, que se transformam em práticas cotidianas, que produzem subjetividades

Vale ressaltar as contribuições de diversos pesquisadores para análises empreendidas por Carrizo no campo da Linguagem, da Educação e das Ciências Sociais: Ciavatta (1990); Daher e Sant’Anna (2010); Daher, Freitas e Sant’Anna (2013), Deusdará e Rocha (2013); Frigotto (1989; 2001); Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005); Gramsci (1981; 1982; 1991); Guirado (2009). Todos esses “caminhos” percorridos neste livro nos dão a dimensão da potência desse discurso frente aos discursos que, atualmente, querem produzir verdades sobre a educação dirigida à juventude trabalhadora, reduzindo essa educação à transmissão de conhecimentos operacionais destinados ao exercício de uma ocupação socialmente útil, na concepção neoliberal.

Nesse sentido, os quatro capítulos aqui apresentados fazem ecoar a voz dos professores, não apenas os professores de Línguas Estrangeiras Modernas, mas todos nós que integramos as redes públicas de ensino, na medida em que traz a construção discursiva do conceito de Trabalho como Princípio Educativo e sua negação pela polêmica como interincompreensão; descreve a discursividade de Trabalho na legislação brasileira e a concepção interdiscursiva do Edital do PNLD de 2018; coloca o discurso sobre o Trabalho como Princípio Educativo em relação com os discursos das Políticas Públicas Brasileiras para Livros Didáticos de Língua Estrangeira Moderna; e, por fim, problematiza todas essas questões nas análises empreendidas no corpus selecionado para a pesquisa: excertos do livro 3, destinados aos terceiros anos, última série do Ensino Médio, por ser a etapa final dos estudantes na Educação Básica – o livro didático de Espanhol, o ‘Confluencia 3’ (2016), e para Inglês, o ‘Alive High 3’ (2016), justamente por pertencerem ao campo de atuação da autora no Instituto Federal do Sudeste de Minas Gerais, Campus Muriaé.

Por tudo isso, e por muito mais que o leitor encontrará neste trabalho, somos muito gratas por termos acompanhado de muito perto todo o seu processo de construção, desde as incertezas, angústias, medos, reflexões, diálogos, até sua finalização. Nossa caminhada em trio foi um passo fundamental para que se constituíssem estudos e análises acadêmicas realmente baseadas em questões que dizem respeito ao trabalho docente. Aqui ecoa a voz de todos os profissionais da Educação Pública do Brasil, cada vez mais silenciados por um neoliberalismo que quer entregar as instituições públicas para a iniciativa privada. Somos todos os dias negligenciados por um (des)governo, por meio de dispositivos legais e de Políticas que se dizem “Públicas”, cujo objetivo principal é fragmentar nosso já comprometido Sistema Público de Educação.

Cumpre-nos, portanto, a leitura de trabalhos como este, que potencializam nossa rede de resistência a este golpe que está sendo engendrado no país desde 2016. Como linguistas / analistas do discurso, devemos empunhar nossa arma, a linguagem, como instrumento de reflexão sobre aquilo que os homens fazem com suas práticas discursivas, de modo a constituirmos discursos de intervenção nesse universo discursivo da Educação, a fim de que o Trabalho como Princípio Educativo deixe de configurar numa pergunta para ser a resposta para o desenvolvimento tecnológico e profissional a partir de uma Educação Básica que seja a base da cidadania e a base de todas as profissões.

Professoras
Elayne Souza e Hasla Pacheco

Ano de lançamento

2020

Número de páginas

303

ISBN [e-book]

978-65-5869-176-1

Autoria

Valquíria Areal Carrizo

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