Rompendo o cerco: educAção por toda parte
Organização: Jonas Mateus
PREFÁCIO
Abrindo caminhos: educação popular em suas práticas cotidianas
Angela Maria de Souza
Evelyne Medeiros
Educação, uma das principais palavras dessa obra. Mas de que educação se fala? De uma educação que abre caminhos para pensar a interlocução necessária com os aspectos mais estruturantes da relação entre gênero, raça e classe, sendo muitas vezes negligenciado o debate dos diferentes pertencimentos étnicoraciais e das diversidades de gênero, de classe, de pertencimento religioso, das apropriações sobre a cidade. E o Nordeste brasileiro é o cenário dessas práticas educadoras. Ou seja, toda a diversidade que compõe esses nordestes em que se localizam as experiências aqui apresentadas e que nos habitam, na relação que estabelecemos com este contexto sócio-cultural.
O Nordeste brasileiro é uma região histórica, mas também é lido e visto de formas estereotipadas e preconceituosas. Exatamente para romper com estas formas de ver e pensar o nordeste, esta pesquisa nos apresenta um cenário marcado por experiências libertárias, de resistência, de redefinições de perspectivas a partir de suas práticas educadoras aqui apresentadas pelo projeto “Nosso Nordeste, Nosso Lugar de Fala”.
Percorrer o caminho traçado por essa pesquisa extensionista é seguir em diferentes direções que nos levam a desconstruir práticas colonizadoras e coloniais no pensar a educação. Nos guia por caminhos que abrem portas para conhecer histórias e percursos inovadores e desafiadores. Uma educação popular que amplia nossos horizontes e abre perspectivas sobre os conhecimentos perpassados por experiências e vivências de quem estabelece as interlocuções educacionais. Experiências e vivências, de quem escreve e de quem fala, quem dança, quem tece, quem canta, quem pinta, quem grafita, quem escreve.
Como nos ensina Paulo Freire ensinar é aprender. Temos que ocupar os vazios epistemológicos deixados na e pela educação formal. Neste sentido, temos que aprender a aprender as histórias e culturas que foram expulsas da escola e das universidades. Somos todos “educadores-educandos” e “educandos-educadores”. Hoje, temos que reaprender a ser o que sempre fomos, mas que nos foi negado ou invisibilizado. Para isso, precisamos intensificar as relações com os Afoxés, os Maracatus, o Movimento Hip Hop, as Religiões de Matriz Africana, a Capoeira, as diversas Culturas Indígenas e todas as formas de produzir conhecimentos com perspectiva racial, de gênero, de classe, de pertencimentos às cidades, às suas periferias.
Como aponta Amilcar Cabral, citado por Paulo Freire (1984), necessitamos de um processo de “reafricanização das mentalidades” e, ao mesmo tempo, no caso específico da América Latina, de “reindigenização” e, ao mesmo tempo, de despatriarcalização das questões de gênero. Precisamos nos repensar, enquanto educadoras(es), a partir de nossas trajetórias e experiências, que são determinantes nas relações que estabelecemos com os conhecimentos. Conhecimentos que atravessam essa obra através das várias experiências educadoras aqui apresentadas.
Como nos ensina bell hooks, é necessário transgredir, e essa transgressão é feita cotidianamente por atos educadores que são possíveis a partir das experiências de quem está nessa relação dialógica. Tal transgressão torna-se cada vez mais urgente e necessária num contexto onde as forças mais reacionárias da CasaGrande & Senzala tentam a todo custo calar a voz e apagar a memória coletiva de lutas e resistências de povos que forjaram essa grande colcha de retalhos que é a formação social e cultural brasileira.
Parte de uma arquitetura construída, desgastada e reformada já faz um tempo, de um espantoso moinho de gastar gente, o “velho”, reivindicando a ideologia do colonialismo de Oliveira Viana e a eugenia de Nina Rodrigues, tenta sufocar o “novo” que teima em nascer das mãos, palavras e ensinamentos dos condenados da terra, de Frantz Fanon, dos muitos e muitas Severinos e Severinas, de João Cabral, daquela gente que arranca a vida com a mão, retratada na canção de Caetano Veloso.
Trata-se de um contexto que nos tem demandado também recuperar e reforçar a imprescindibilidade da educação popular e de uma Universidade multidimensional, nas palavras de Florestan Fernandes (1975), ou seja, uma Universidade capaz de enfrentar os efeitos do capitalismo dependente e do (neo)colonialismo; comprometida com os problemas dos povos; profundamente conectada com processos de democratização; com o protagonismo estudantil e com relações horizontalizadas e dialógicas. Nessa mesma perspectiva, é preciso fomentar experiências de formação, pesquisa e extensão que se oponham àquela extensão cultural, ou seja, uma atividade de caráter mais ou menos demagógico, às vezes exercida extra-muros, às vezes na própria universidade, borrifando caritativamente um chuvisco cultural sobre pessoas que não puderam frequentar cursos superiores, tal como nos ensinou Darcy Ribeiro (1969). Portanto, trata-se de uma instituição que deve estar voltada para a ampliação do horizonte crítico e intelectual, o domínio e cultivo do saber pelos povos contra a dependência e a contrarrevolução da elite do atraso.
Inspiradas nessa perspectiva e na de muitos/as outras/os valorosos/as educadores/as, muitas têm sido as experiências empenhadas em romper as cercas do saber e do latifúndio da educação superior. Experiências estas que se tornaram fermento para o presente trabalho e que nos fazem rememorar as palavras do poeta baiano, que guardava sonhos: “É preciso não ter medo, é preciso ter a coragem de dizer!”3 … E (re)inventar de maneira viva, pulsante e criativa a EducAção que nos permita sermos por inteiro, mesmo sendo múltiplos e diversos.
Referências
FERNANDES, Florestan. Universidade brasileira: reforma ou revolução? São Paulo: Alfa e Omega, 1975. FREIRE, Paulo. Extensão ou Comunicação. São Paulo: Paz e Terra, 2001.
FREIRE, Paulo. Cartaz a Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. São Paulo: Paz e Terra, 1984.
hooks, bell. Ensinando a Transgredir: a educação como prática da liberdade. São Paulo: Martins Fontes, 2013.
RIBEIRO, Darcy. A Universidade necessária. São Paulo: Paz e Terra, 1969.
Ano de lançamento | 2020 |
---|---|
ISBN | 978-65-5869-113-6 |
ISBN [e-book] | 978-65-5869-114-3 |
Número de páginas | 315 |
Organização | Jonas Mateus |
Formato |