Sentidos em disputa: discursos em funcionamento

Organização: João Benvindo de Moura, José Ribamar Lopes Batista Júnior

APRESENTAÇÃO

A coletânea “Sentidos em disputa: discursos em funcionamento”, organizada por João Benvindo de Moura, José Ribamar Lopes Batista Júnior e Maraisa Lopes, abriga 17 capítulos que em sua heterogeneidade teórico-analítica e temática têm em comum o tratamento dado à linguagem como objeto de observação privilegiado para a compreensão da sociedade.

Os autores lidam, em seus estudos, pesquisas, reflexões e análises, com a complexidade que constitui as relações estabelecidas entre: o discurso, a mídia e a política; o discurso e o sujeito; o discurso e as imagens de si e do outro; o político e a língua; a escrita e o imaginário de leitor ideal; os processos de identificação e de resistência; o discurso docente e as práticas de letramento inclusivo; o discurso literário e as questões de gênero; a autoria e sua normatização; a persuasão e as estratégias discursivas; o parasita e o niilista; a ideologia e o poder no/do discurso; argumentos de autoridade e o discurso humorístico; o silenciamento e a interdição em torno da pedofilia; o discurso literomusical e o religioso na música.

A partir do conceito de ethos político, trabalhado por Maingueneau (2008) e Charaudeau (2008), o foco do primeiro capítulo “Uma análise dos ethé de identificação no discurso de Donald Trump em entrevista televisiva”, é discutir os ethé que o representante do partido conservador assume em seu discurso durante entrevista concedida ao programa The Tonight Show Starring Jimmy Fallon, no dia 12 de janeiro de 2016. O que observam os autores Adriano de Alcântara Oliveira Sousa, Osvaldo Marreiros da Silva Junior e Ricardo Ícaro Moura de Oliveira Madeira, é que solidariedade, potência, chefia, inteligência, humanidade configuram os ethé do político em busca de adesão dos eleitores. Em “Cinderela Surda e Cinderela Pop: da produção de sentidos em adaptações literárias para o público infantojuvenil”, na busca por compreender de que modo se constrói a imagem do surdo e a imagem do ouvinte em adaptações literárias, Alanny Silva Luz, Érika Lourrane Leôncio Lima e Maraisa Lopes analisam o funcionamento discursivo das narrativas dos livros paradidáticos “Cinderela Surda” e “Cinderela Pop”. As autoras mostram como se dá o movimento de sentidos entre o mesmo e o diferente, a partir da análise da paráfrase e da polissemia, visto que essas obras são adaptações do clássico “Cinderela”. Enfatizam, ainda, os efeitos de (des)identificação dos sujeitos produzidos pelo discurso das duas obras.

Em “Sujeito e escrita: os efeitos de sentido da/na política de escrita do Enem”, Amilton Flávio Coleta Leal e Ana Luiza Artiaga Rodrigues da Motta propõem uma reflexão acerca da relação entre sujeito e escrita, tomando como lugar de observação discursos sobre a redação do Enem. A partir dessa relação, os autores problematizam de que modo o Enem, inscrito em uma política pública, projeta um sujeito-leitor ideal e institui uma política de língua, partindo do pressuposto de que o modo como o sujeito se relaciona com escrita tem a ver com o modo como ele se relaciona com o conhecimento, com a linguagem e com a sociedade.

Cássio Eduardo Soares Miranda, no capítulo “Uma lógica subvertida: Grice, Lacan e a Análise do Discurso”, propõe estabelecer um contraponto entre Grice e Lacan, visando percorrer o princípio de cooperação de Grice, bem como as categorias concernidas neste princípio. Dessa forma, o autor busca demonstrar que a teoria de Grice é reducionista ao passo que suprime a presença do sujeito de seu discurso e do discurso da ciência.

Com base nos pressupostos teóricos da Análise de Discurso, em “Privilégios para deficientes: uma análise discursiva sobre uma peça publicitária que circulou em Curitiba, em 2015”, Clevisvaldo Pinheiro Lima, Valdeny Costa de Aragão Campelo e Maraisa Lopes analisam o confronto de enunciados que, sobrepostos, disputam o espaço de um mesmo outdoor. Os autores dão a ver o jogo de sentidos instaurados em torno da significação de “privilégios” e “direitos” em enunciados que se referem a pessoas com deficiência.

Deborah Jordanna Soares Sousa e Thiago Manchini de Campos tratam da função política e do processo de dicionarização da língua “bajubá” falada por travestis. Com base no processo de gramatização instaurado pelo dicionário bilíngue “Diálogo de Bonecas”, que traduz do bajubá para o português palavras e expressões do cotidiano das travestis, os autores mostram como o bajubá se configura como uma forma de resistência e legitimação da existência de um grupo social, permitindo a identificação e a autoafirmação do sujeito travesti. Ao lado disso, situam o papel social do dicionário à medida que ele estabelece sentidos para as práticas sociais e culturais historicamente marginalizadas.

No capítulo “Leitura e escrita: percepções sobre letramento na educação inclusiva”, a partir da análise de entrevistas com professores de duas escolas de Goiás e de duas escolas do Distrito Federal, Denise Tamaê Borges Sato e José Ribamar Lopes Batista Júnior refletem sobre o processo de universalização da escolarização no âmbito da inclusão. Para tanto, os autores adotam o método da Análise do Discurso Crítica, mais especificamente a Análise de Discurso Textualmente Orientada (ADTO) em articulação com os métodos etnográficos, a fim de compreender as práticas de letramento inclusivo. A pesquisa demonstra que a educação inclusiva é regulada por textos de leis, resoluções e formulários que colonizam a prática inclusiva. Aponta para o fato de que as práticas dominantes continuam determinando as práticas inclusivas por meio da ideologia hegemônica disseminadora da ideia de competência escolarizada ligada à escrita e seus usos sociais estabilizados. E, ainda, mostra que o professor ocupa um lugar secundário, de desprestígio, nesse processo.

Edivaldo Gomes Barbosa reflete sobre as relações de gênero em um contexto colonial a partir da análise do discurso literário no capítulo “‘Maria’: submissões históricas da mulher da colônia no conto ‘Dina’ de Luis Bernardo Honwana”. O autor revela como a mulher aparece inscrita no contexto colonial, dando a ver discursos que reiteram ideologias dominantes e acentuam as diferenças de gêneros.

A análise do discurso literário também é foco do capítulo “O discurso literário na obra Júlio César, de Shakespeare: disputa de sentidos num jogo de imagens”, no qual Érica Patricia Barros de Assunção e João Benvindo de Moura, com base na noção de ethos trabalhada por Maingueneau e nas contribuições teóricas de Amossy e Aristóteles, analisam a obra Júlio César, de Shakespeare. Os autores evidenciam como a imagem de Júlio César é peça central do jogo imagético à medida que ele é representado por duas oposições: justo e tirano. Mostram ainda os efeitos da construção dessa imagem na disputa política pelo poder em Roma.

Em “Propostas de escrita de redação do Enem: sujeito-enunciador ou sujeito-autor das ideias expressas no texto?”, Francisco Renato Lima e Safira Ravenne da Cunha Rêgo buscam compreender, por meio de pesquisa de campo com alunos de um curso preparatório para o Enem, até que ponto a autoria é comprometida no exame nacional, e de que forma os alunos lidam com o conjunto de diretrizes e normas estabelecidas para a realização da prova de redação. Resulta da pesquisa a compreensão de que ao ordenar o que se deve fazer e como fazer, o que evitar e por que evitar, o que usar e em que medida usar, as diretrizes e normas da redação do Enem funcionam como um mecanismo manipulador de opiniões, pensamentos e comportamentos.

Ismael Paulo Cardoso Alves e João Benvindo de Moura no capítulo “Discursos sobre o autismo: o contrato de comunicação e as estratégias de persuasão na revista Isto é” propõem identificar as estratégias de persuasão presentes em “Os segredos do autismo”, matéria da referida revista que relata a vida de uma criança autista, descreve as características prototípicas da síndrome e divulga descobertas científicas sobre o tema. Com base nos princípios teórico-metodológicos da Semiolinguística de Charaudeau, os autores revelam a finalidade contratual e as estratégias discursivas – de legitimidade, credibilidade e captação – da revista.

Em “A embreagem paratópica e seu elo ethéreo: o parasita metamorfoseado em sujeito niilista em Memórias do Subsolo”, João Benvindo de Moura e José Mágno de Sousa Vieira discutem o modo como o sujeito reconfigura seu ethos. Para isso, os autores baseiam-se na noção de paratopia de Maingueneau e tomam sequências discursivas extraídas do romance de Dostoiévski como lugar de observação, nas quais é possível visualizar as implicações decorrentes dos lugares habitados pelo sujeito da enunciação. Segundo os autores, há uma “progressão enunciativa que apresenta o parasita tanto como aquele que se utiliza do sujeito niilista para nutrir-se quanto como àquele que permite a progressão de sua imagem niilista”.

No capítulo “O discurso e suas imbricações com o poder e a ideologia”, Maria do Socorro de Andrade Ferreira empreende uma discussão teórica visando observar as noções de discurso, enunciação, ideologia e poder, com base em Foucault, Benveniste, Bakhtin, Ducrot, Althusser, Maingueneau, Barthes e Charaudeau em face de suas contribuições para a análise do discurso.

Mariana Ramalho Procópio busca identificar as imagens de Brasil e de Estados Unidos projetadas no discurso de Barack Obama, proferido em março de 2011, na ocasião da visita do chefe de estado norte-americano ao país. Neste capítulo, intitulado “As estratégias argumentativas do presidente Obama para a construção de imagens do Brasil”, pautada em Maingueneau e Charaudeau, a autora observa, a partir das estratégias argumentativas, que o imaginário social para o qual o Brasil é privilegiado pela natureza, seu povo é virtuoso e batalhador, e tem o progresso como uma marca, o aproxima dos EUA, fazendo com o que os dois países sejam ditos como semelhantes.

Em “Argumentos de autoridade e discurso humorístico: da imitação ao método confuso”, Rony Petterson Gomes do Vale objetiva mostrar as características do argumento de autoridade em relação a duas estratégias discursivas próprias do discurso humorístico, a saber: o método confuso e a imitação (captação e subversão). Partindo do estudo do argumento de autoridade na retórica e na teoria da argumentação, e do conceito de imitação proposto por Maingueneau, o autor analisa fragmentos das seguintes obras: Grammatica do Português pelo Methodo Confuso, História do Brasil pelo Método Confuso, Homem: manual da proprietária, Mulher: manual do proprietário.

No capítulo “Um olhar para a violência sexual contra crianças e adolescentes: analisando o discurso do âmbito terapêutico”, Sandro Xavier apresenta um recorte de sua tese de doutorado em linguística que trata do discurso de terapeutas sobre o trabalho que realizam com crianças e adolescentes vítimas de violência sexual. A partir da perspectiva teórica da Análise de Discurso Crítica, o autor entrevista oito terapeutas, cujo discurso permite observar de que modo se dá a incorporação do discurso da família pelo terapêutico, o funcionamento do silenciamento e da interdição em torno dos casos de pedofilia.

Shara Lylian de Castro Lopes em “Súplica cearense: um diálogo entre música e religião”, pautada no pressuposto da interdiscursividade trabalhado por Maingueneau, analisa o ethos, as cenas enunciativas e a intertextualidade produzidos pela canção “Súplica Cearense”, de Gordurinha e Nelinho. A autora afirma que por meio dos ethé nordestinos religiosos e devotos, bem como das cenas enunciativas também religiosas, é que se delineia o discurso literomusical na música.

Assim composta, essa coletânea configura-se como um convite à apreciação de trabalhos que trazem à tona o modo como pelo funcionamento da linguagem é possível observar as estratégias, o jogo, a tensão, o confronto de múltiplos discursos em diferentes arenas.

Ressalta-se ainda que a obra resulta do esforço de pesquisadores do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Análise do Discurso (NEPAD), que reúne professores e alunos da Universidade Federal do Piauí (UFPI) e da Universidade Estadual do Piauí (UESPI), em contribuir para a produção e circulação de conhecimento.

Campinas, São Paulo, Janeiro de 2017.

Profa. Dra. Greciely Cristina da Costa

Universidade do Vale do Sapucaí – UNIVAS

Ano de lançamento

2017

Formato

ISBN [e-book]

978-85-7993-383-7

Número de páginas

315

Organização

João Benvindo de Moura, José Ribamar Lopes Batista Júnior