Tererê com Sociologia. Ferramentas conceituais para análise sociológica

Franco Ezequiel Harlos

APRESENTAÇÃO

Você consegue se lembrar de coisas da sua infância? Imagino que sim. Eu tenho muitas lembranças. São imagens, histórias e lugares um tanto desconexos. Entre essas recordações, estão as manhãs nas casas das minhas avós. São nítidas, sobretudo, as imagens dos momentos em que eu ajudava nas hortas, nos jardins e às vezes na roça: mergulhado nessas tarefas, fui aprendendo o nome das plantas, para que elas serviam, o que dava para comer e o que era venenoso.

Hortelã, manjericão, manjerona, cebolinha, salsinha, rúcula, abóbora, amendoim, guabiroba, pitanga, jabuticaba, fumo bravo, comigo-ninguém-pode, dorme-dorme, porunga, quebra-pedra, urtiga, alecrim, etc. Sem nomes e definições essas plantas eram apenas “mato”. Mas, nomeadas, definidas, conceituadas, caracterizadas, identificadas, elas faziam sentido para mim: “não corta a guabiroba da vovó, ela vai te matar” (não matava, mas blasfemava muito! rs). Nomear é isso: produzir significado, sentido, tornar o fato reconhecível. Nomear facilita o processo de compreender e o respeitar.

Você percebe como nomear é uma coisa poderosa?! Não percebe? Vamos lá: sabe quando seu crush, depois de uns beijos, pergunta “e aí, a gente tá namorando?” Se a resposta for “sim”, o que acontece então? Isso muda as coisas entre vocês? Pois bem, se vocês dão o nome de “namoro” para o que está “rolando”, vocês fizeram uma nomeação! Deram um nome pra “isso”. Categorizaram. Captou como funciona? Ótimo. Então, vai por mim, não se faça de “metido” e não negue: nomear é algo poderosíssimo. Nomear atribui sentido a algo que, antes, nada ou pouco significava. O que não é nomeado ou o que o nome você desconhece, tende a receber menos valor e atenção ou a ser generalizado com outras coisas completamente diferentes. Um nome, com as definições a ele associadas, coloca luz, aponta o holofote para algo que antes era invisível ou despercebido. Ou seja, a nomeação “dá um super zoom” na percepção da realidade.

Pois bem: os jardins e hortas das minhas avós são, para os que desconhecem as plantas, assim como a sociedade é para aqueles que não dominam os conceitos básicos que permitem compreendêla. Quando uma pessoa olha para a vida em sociedade e não dispõe dos conceitos básicos para compreendê-la, tudo o que ela enxerga é “mato”, “capim” e “verde”. Ela não pode descrever e analisar com precisão o que vê porque não sabe distinguir e nomear o que está diante de seus olhos. Ou, pior ainda, se ela incorporou alguns conceitos rudimentares a partir das redes sociais virtuais, ela pode se tornar “especialista em todas as coisas” e nomear o que enxerga apenas com categorias reducionistas e estereotipadas, tais como “é capim do tipo A ou do tipo B”. Então, por exemplo, reivindicações de direitos: são comunismo. Questões de sexualidade ou gênero: são “viadagem ou mamadeira de pi*r*ca”. Questões identitárias: “mimimi”. Falou em igualdade: “esquerdopata, comunista, vai prá Cuba f.d.p.”. Mencionou concorrência ou empreendedorismo? É “direitista, coxinha, vai lamber o Trump”. Pregou o diálogo: é “isentão”. Ou seja, sem domínio conceitual resta generalizar, por semelhança com o que se acredita conhecer. Nestes casos, ao fim e ao cabo, novamente, é tudo mato, capim, coisas sem significado, seja porque a conceituação “correta” só depende de quem tem o maior número de apoiadores na internet ou porque um “meme” pode mudar completamente o significado das coisas.

Fuçando nas redes sociais, nos dias enfadonhos da pandemia, sempre acompanhado de uma cuia de tererê, por centenas de vezes me deparei com distorções e usos conceituais absurdos. Foi então que iniciei a organização1 de um conjunto de conceitos elementares para análise da sociedade contemporânea. No começo era apenas uma coleção de registros para servirem como apoio para as aulas no sistema online. Mas os dias da pandemia foram tantos que definir e resgatar conceitos foi se tornando um hábito que ocupava grande parte do meu tempo e me lançava em questões de todas as ordens. Cada conceito registrado me remetia para uma ou mais perguntas e fui me acostumando a registrar estas perguntas como tópicos para reflexão.

[…]

Professor Dr. Franco Ezequiel Harlos
Doutor e Mestre em Educação Especial Especialista em Psicomotricidade Relacional
Especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional
Licenciado em Pedagogia
Licenciado em Educação Infantil
Licenciado em Sociologia
Bacharel em Sociologia
Professor do Instituto Federal do Paraná (IFPR – Campus Foz do Iguaçu)

Ano de lançamento

2022

Número de páginas

606

ISBN [e-book]

978-65-5869-893-7

Formato

Autoria

Franco Ezequiel Harlos