Vozes Da Resistência: o trabalho acadêmico de mulheres, diálogos latino-americanos e estudos decoloniais

Cleiser Schenatto Langaro, Luciana Vedovato

VOZES QUE DIZEM E SE FAZEM OUVIR

“Pode o subalterno falar?” Esta pergunta, título de livro da crítica e teórica indiana Gayatri C. Spivak, abre, em sua multiplicidade de aspectos possíveis para respostas à questão central também outras, tais como “no que consiste a condição de subalternidade, no âmbito da América Latina?” “Quais são os espaços e modos possíveis de fala para subalternos?” E, principalmente, a presença, no verbo modal do título em inglês (“Can the subaltern speak?”), do leque de sentidos relacionados mais fortemente a poder e não a permissão, em que pese a ambiguidade inerente à linguagem.

O livro que se abre diante de nós é fruto do exercício de fala de um coletivo de mulheres-cientistas-pesquisadoras-da-linguagem, as quais, nos diferentes capítulos, do interior da especificidade de cada um deles, encontram-se na convergência do olhar sobre a produção de outras mulheres, escritoras, poetisas, críticas-literárias, políticas, artistas, ativistas… Convergência esta que produz unidade não apenas no fato de pertencerem ao universo feminino, e falarem a partir dele, mas também por reconhecerem-se na multiplicidade de pautas que une suas diferenças:

“Vozes da resistência: o trabalho acadêmico de mulheres, diálogos latino-americanos e estudos decoloniais” é obra organizada por Luciana Vedovato e Cleiser Schenatto Langaro, que põe para conversar entre si e com o outro mulheres falando sobre mulheres, e nisso, faz falar e ouvir vozes historicamente silenciadas… epistêmico.

A obra constitui-se de dez capítulos, os quais simbolizam a representatividade e da instauração do lugar de fala que não admite “Nenhuma a menos”. Tereza Spyer e Thatiane Mandelli pautam, no capítulo que aqui nos entregam para leitura, um histórico do lugar de fundação do enunciado que sustenta a resistência feminina na contemporaneidade. Em “Transnacionalização do movimento feminista na América Latina: um estudo de caso do coletivo ni una menos”, as autoras tratam da emergência do referido movimento, no contexto da Argentina de 2014, inicialmente especialmente focado na luta contra os feminicídios locais. E apresentam às/aos leitoras/es a irradiação do movimento como espaço de convergência de pautas feministas no além-fronteiras. É desse modo que a pauta do enfrentamento à violência de gênero, em seus múltiplos desdobramentos se fortalece e faz reverberar práticas e pressupostos da mesma agenda não apenas no espaço latinoamericano, mas também europeu e estadounidense.

Uma dentre tantas as contribuições político-sociais do “Ni una a menos” foi a especificação da violência de gênero pela via da nomeação. A cristalização do termo feminicídio é consequência dessa luta, assim como o enquadramento jurídico e penal do referido tipo de crime além da generalização que faz apagar as consequências do patriarcalismo implicadas em seus significados particulares. Tudo isso é consequência da militância feminina nos movimentos de base, mas também de sua presença nas instâncias superestruturais. É sobre essa presença que tratam Lissandra Espinosa de Mello Aguirre e Bruna Ortega Klaus no capítulo “Democracia e representatividade da mulher: um olhar pelo poder legislativo de Foz do Iguaçu”. O capítulo apresenta-nos rico histórico acerca da (não) presença da mulher no espaço legislativo, em que pese o investimento, nos últimos tempos, no princípio da representatividade democrática. Se o lócus de análise é o município de Foz do Iguaçu (PR), os dados sobre a hegemonia masculina não diferem em muito do restante do país. O estudo põe em tela acontecimentos históricos relevantes nesse enfrentamento, desde os movimentos sufragistas, do início do século XX, até as Leis de Cotas para mulheres na política. O tom do texto aponta para o continuum que se faz, ainda necessário: o investimento na ruptura do status quo vigente, e a necessidade de ampliação dos espaços para as mulheres na política brasileira.

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Ao final da porta de entrada para a leitura deste livro, é preciso dizer que não seguimos uma ordem linear na apresentação dos dez capítulos que o compõem. Tentamos compor uma tessitura que enlaçou diferentes fios que perpassam os diferentes textos. Fios que fazem convergir perspectivas e temas desenvolvidos pelas autoras de “Vozes da resistência: o trabalho acadêmico de mulheres, diálogos latino-americanos e estudos decoloniais”; fios que atam dramas das mulheres-sujeitos(as?) dos debates, as mesmas mulheres que, para dizerem sobre sua condição de latino-americanas atravessadas por interseccionalidades, precisaram valer-se, muitas vezes de personagens fictícias. E assim temos um rico concerto de vozes, no qual Carolinas, Auroras, Otílias, Helenas, Márcias, Cristinas, Evas, Nelsas, Carmens… fazem ecoar e reverberar as lutas e a escritaresistência das autoras desta coletânea, mulheres que dizem e se fazem ouvir.

Profa. Dra. Gesualda dos Santos Rasia Universidade Federal do Paraná (UFPR)

Ano de lançamento

2022

ISBN

978-65-5869-783-1

ISBN [e-book]

978-65-5869-784-8

Número de páginas

251

Formato

Organização

Cleiser Schenatto Langaro, Luciana Vedovato