Arte na educação: políticas públicas e desenvolvimento humano em contexto local
Organização: Angela Maria Caulyt Santos da Silva, Gerda Margit Schutz-Foerste
APRESENTAÇÃO
“Para mim, o galo não faz cock-a-doodle-doo, como na Inglaterra, nem cocorico, como na França, nem kiao-kiao, como na China, mas kikeriki como sempre fez em alemão. Ou – para não recair no engano de Sócrates- não é precisamente kikeriki que o galo diz; ele fala sua língua de galo, e não o meu dialeto de Viena” (GOMBRICH, 1986, p. 318).
A Arte está presente na vida. Observar, interpretar e expressar o que se vê ou sente, são práticas humanas presentes em diversas sociedades. A expressão assume múltiplas formas, segundo o contexto, os materiais e interesses dos sujeitos. Gombrich (1986) provoca a reflexão ao nos lembrar que a linguagem é um tema secularmente discutido. A linguagem e o trabalho fazem a distinção ontológica do ser social (VIGOTSKI, 2009, 2010; LUKÁCS, 1965, 1978). A arte, assim como a língua, enquanto linguagem, produz a pessoa, pois a aproxima de outras pessoas e a introduz na sociedade. Conforme Gombrich, a humanidade se expressa através da arte. Pelas obras de arte podemos contar e recontar a respeito das trajetórias de homens e mulheres de distintos tempos e lugares. Os diferentes objetos artísticos carregam consigo as marcas dos seres humanos. Os sonhos, desejos, lutas, angústias dos sujeitos são expressos em quadros, esculturas, poesias, músicas, filmes, peças de teatro, etc. A arte narra o desenvolvimento das sociedades histórico-social e culturalmente.
O desenvolvimento de comunidades locais também é impulsionado pela relação que estas estabelecem com outros grupos através das trocas simbólicas e da visibilidade que promove sobre si. Neste sentido, a arte, enquanto artefato cultural, também nos possibilita compreender as relações sociais, as formas de organização econômica, os padrões estéticos e éticos de determinados povos e comunidades. A arte na educação participa na formação de indivíduos de diferentes gerações, promovendo um olhar sensível sobre a realidade e os meios para sua expressão.
A presente coletânea busca, através de distintas pesquisas desenvolvidas nos programas de Pós-Graduação em Educação e em Políticas Públicas e Desenvolvimento Local, respectivamente ofertados pela Universidade Federal do Espírito Santo e pela Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória – EMESCAM, apresentar qualificada discussão sobre a mediação da arte em diferentes perspectivas, bem como em políticas públicas voltadas aos direitos sociais, como: educação, saúde e inclusão social. Trata-se de uma publicação que parte da prática da interdisciplinaridade e volta-se à integração de pesquisas, numa perspectiva interinstitucional.
As pesquisas têm em comum a mediação da arte em processos de formação humana, em diferentes contextos. A mediação é aqui compreendida com processos sociais complexos que determinam formas particulares de produção da vida. Neste sentido, a arte é tomada como mediadora nos processos formativos humanos. Os estudos abordam a Arte em espaços escolares e não-escolares, como em hospitais, museus, institutos e centros especializados de acompanhamento às pessoas com deficiência visual, entre outros.
Desta forma, a coletânea inicia com o texto de Angela Maria Caulyt Santos da Silva e Gerda M. Schütz-Foerste que dimensionam alguns conceitos relevantes ao debate proposto na coletânea, ao mesmo tempo em que apresentam as perspectivas de investigação desenvolvidas nos dois grupos de pesquisa que orientam, localizados nos dois programas de Pós-Graduação acima referidos. O texto de Angela Maria Caulyt Santos da Silva detalha a atuação do Grupo de Estudo e Pesquisa Culturas e Diversidade coordenado pela pesquisadora. A apresentação do Grupo de Pesquisa Imagens, Tecnologias e Infâncias, de igual modo é apresentado na sequência. Complementam a primeira parte da coletânea as contribuições de pesquisadoras portuguesas convidadas, que ampliam as discussões propostas nessa publicação para outros contextos de reflexão-ação.
No capítulo “Políticas públicas e infância: garantia e conquista de direitos sociais” Ana Garcia, Rosa Madeira, Manuela Gonçalves e Inês Santos Moura discorrem sobre políticas públicas e infância ao proporem algumas reflexões por meio da metodologia de investigação-ação participativa e apresentam experiências sobre as condições de participação social de um grupo de crianças, de segmentos mais pobres da população, residentes em territórios denominados “guetos sociais”. Destacam a mediação dos adultos por meio da arte educação que colaboraram para a visibilidade essas barreiras materiais e simbólicas, nestes espaços públicos da cidade, que enclausuram social e politicamente estas crianças.
No capítulo intitulado “O papel das Artes no percurso escolar Análise de dois projetos de intervenção artística com crianças e jovens”, Irene Zuzarte Cortesão Melo da Costa analisa o papel da intervenção artística com relatos sobre a experiência em dois projetos realizados na zona oriental da cidade do Porto – Portugal: em espaço extraescolar formal de um centro comunitário, durante dois anos e o outro durante um ano letivo em uma escola da rede pública. Destaca-se que neste capítulo foi mantida a formatação original, das normas da American Psychological Association (APA).
Na segunda parte da coletânea propõe discussão sobre o tema da Arte Educação e Inclusão. Assim, o capítulo de autoria de Ludimila Nunes Mantovani que se intitula “A democratização da cultura na Universidade Federal do Espírito Santo: experiência do Serviço Social” apresenta e discute o Auxílio Cidadania Cultural, na perspectiva dos estudantes que integram o Programa de Assistência Estudantil (PROAES) da Ufes, que participaram de maneira democrática e participativa, para a construção desse Auxílio, com o estabelecimento de parâmetros e prioridades durante todo o processo de trabalho.
“A arte educação: mediação para a inclusão” capítulo de autoria de Pammela Souza Imbroisi Fiorio discute as Políticas Públicas para a educação em uma perspectiva inclusiva, em especial o direito à educação, a arte enquanto elemento de comunicação e expressão humana, se constitui um vetor para elementos subjetivos, nos quais sensibilização e empatia são mediadores para a inclusão na escola e para além, de seus muros.
O capítulo de Leyla Marcia Kill e Angela Maria Caulyt Santos da Silva apresenta a atuação do Serviço Social, numa atividade de Arte Educação, com enfoque na promoção da saúde, ao acompanhar os integrantes do “Coral Voices em Superação” que é formado por pessoas em tratamento de asma, no Centro de Especialidade em Asma (Creas) do Hospital Santa Casa de Misericórdia, que é o hospital escola da Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória – EMESCAM, em “Arte educação e Serviço Social: perspectiva de inclusão social em asma”.
O artigo de Andressa Dias Koehler e Gerda M. Schütz-Foerste intitulado “Acesso à imagem por cegos: uma experiência com a audiodescrição”, apresenta reflexões em torno da acessibilidade de imagens por pessoas com deficiência visual. No estudo, busca aporte teórico no neurologista americano Oliver Sacks, cujas publicações relatam sobre pacientes com deficiência visual e seus processos de leitura e construção de imagens ocorridos no cérebro a partir da captura realizada pelos cinco sentidos remanescentes e Francisco de Lima e Silva, cujos escritos são referência na área de audiodescrição e leitura háptica, além entre outros autores que discutem a imagem e a Arte na formação humana. O artigo relata a interlocução estabelecida com quatro pessoas cegas e pesquisadores da linha de Educação e Linguagens, do programa de Pós-Graduação em Educação da UFES, tematizando a importância do processo de produção e recepção da imagem por pessoas com baixa visão e cegos.
A parte três da presente coletânea é composta por pesquisas com a temática da Arte Educação e Desenvolvimento Local. O artigo de Sonia Maria de Oliveira Ferreira e Maria Angélica VagoSoares intitulado “O Parque Moscoso e desenvolvimento local: a leitura de imagens históricas”, apresenta a leitura de imagens, no contexto da cidade de Vitória. O estudo foi realizado no decorrer de um curso de formação de professores, realizado na Escola da Ciência, Biologia e História. Analisa uma fotografia e uma pintura, retratando o Campinho (1909), lugar onde foi projetada a construção do “Parque Moscoso”. Relara as condições geográficas, estéticas e sociais desse espaço, que historicamente recebia os esgotos e lixo da cidade de Vitória. A fotografia analisada mostra o aterramento pronto para iniciar as obras do Parque Moscoso. A segunda imagem analisada é um painel pintado por artistas capixabas, que utilizou como referência a fotografia. Através da mediação das imagens é possível aproximar a história e memória da cidade dos cidadãos. O aporte teórico construído com autores que discutem sobre a leitura de imagens e sobre o uso destas como fonte histórica. O processo de formação, docente mediado pela análise de imagens, possibilitou aos envolvidos neste estudo reconhecer a importância de fomentar a leitura imagética em contextos escolares, despertando o sentimento de identidade e pertencimento tanto de professores como de crianças diretamente relacionadas com eles, em relação à cidade em que vivem. Tal prática constitui-se fundamental no desenvolvimento local, visto que possibilita avaliar percursos passados para projetar ações futuras, desde as novas gerações.
O texto intitulado “O professor de arte e a experiência estética da criança pequena” de autoria de Adélia Pacheco de Freitas Oliveira, Samira da Costa Sten e Thalyta Botelho Monteiro, discute a mediação da Arte na Educação Infantil. Parte de três distintas pesquisas desenvolvidas pelas autoras, que têm respectivamente o objetivo de analisar como a Experiência Estética mediada pela imagem pode fomentar o ato do brincar e produzir conhecimento pela criança pequena, bem como compreender o processo de socialização profissional do professor de Arte no contexto da Educação Infantil. A produção teórica de Agamben (2005), Benjamin (1984; 1987), Barbosa (2009, 2014), Duarte (2001), Ferreira e Sarmento (2008), Kramer (1996), Schütz-Foerste (2004) e Vigotski (2004) entre outros, constitui aporte teórico do estudo. Os resultados apontaram possibilidades de produção e de criação da criança pequena, mediada pela arte. Ao mesmo tempo, coloca a necessidade de promover políticas públicas voltadas ao ensino da Arte, nas quais sejam viabilizadas condições de trabalho do professor de Arte no contexto da Educação Infantil.
Kelly Christiny da Costa desvela no capítulo de sua autoria, “Arte educação nas dimensões: saúde e ecopolítica”, o contexto da exploração de rochas ornamentais: mármore e granito no Espírito Santo, maior produtor nacional. Apresenta o potencial da Arte Educação com vistas à promoção da saúde e qualidade de vida, vinculada à geração de renda, mediante reaproveitamento de resíduos sólidos do mármore e do granito, numa perspectiva de ecopolítica.
Em “Ensino da Arte e Práticas Pedagógicas em Contextos Educacionais” de Fernanda Monteiro Barreto Camargo e Maria Angélica Vago-Soares aproxima duas pesquisas desenvolvidas acerca do tema memórias e imagens no Ensino de Arte em anos iniciais do Ensino Fundamental. A primeira intitulada, Memórias imagéticas revisitando as narrativas infantis em contexto escolar de ensino fundamental e, a segunda, Imagens e memórias: narrativas vivas em (com)textos educativos, ambas desenvolvidas no Programa de PósGraduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo (PPGE-UFES). As narrativas e as relações de ensino-aprendizagem mediados pela Arte nas práticas pedagógicas escolares são centrais na discussão. A inquietação que norteia as pesquisas é igualmente compartilhada e traduz-se na pergunta: como se produzem narrativas a partir da mediação imagética, evidenciando as Culturas Infantis na expressão da criança? As pesquisas desenvolvem-se em contexto das práticas pedagógicas do ensino da Arte, no Ensino Fundamental, na perspectiva qualitativa, envolvendo o trabalho colaborativo e participação dos sujeitos envolvidos. Ambas foram produzidas em escolas públicas da rede municipal de ensino de Serra-ES. Os resultados apontam para a importância da mediação da Arte na relação entre a prática pedagógica e a afetividade, na formação dos sujeitos. Ao mesmo tempo evidencia o trabalho colaborativo no desenvolvimento das pesquisas junto às comunidades escolares pesquisadas.
O capítulo intitulado “Formação Continuada Docente: Perspectivas a Partir da Visita à Igreja De Reis Magos – Nova Almeida/ES”, de Erineu Foerste, Débora Santos Couto e Thaynara Silva Oliveira tem como objetivo discutir a relação entre a formação cultural à formação continuada do docente, na mediação da arte. Dialoga com o conceito de endoeducação de Carlos Rodrigues Brandão (2007). O estudo relata a visita à Igreja de Reis Magos, localizada em Nova Almeida/ES, como atividade de Pesquisa do Programação de Pós-Graduação em Educação, no Seminário Educação, Cultura e Memória: Pesquisa Participante, enquanto experiência potente para que a formação continuada de professores. Especialmente dimensiona a relação entre cultura, arte e educação na formação docente.
O último capítulo intitulado “Tempos de escrita Tupiabá: troca de experiências e conhecimentos por carta com crianças indígenas”, das autoras Marina Rodrigues Miranda, Celeste Ciccarone e Janaina Pereira da Rosa Ferreira constitui-se em um texto amoroso, sensibilizado pela crise sanitária, política, econômica que nos anos de 2020 e 2021 impactou a saúde e a educação global. Notadamente, a crise atingiu as comunidades mais vulneráveis e desassistidas por políticas públicas nacionais, a saber, as aldeias indígenas, comunidades quilombolas, ribeirinhos, entre outras. Nesse contexto o projeto Tupiabá é proposto enquanto possibilidade de construção de uma rede de fortalecimento mútuo e ação consciente em tempos de Pandemia. Através de uma troca intensa de cartas entre os sujeitos do mundo e as crianças das aldeias foi possível reacender utopias em tempos de distopias. Com o gênero literário cartas foram retomadas narrativas e diálogos. Temas como saúde, luta pela terra, preservação da natureza, produção agroecológica e direitos à educação e participação política estiveram presentes nas trocas literárias.
Professores pesquisadores(as) do Núcleo de Pesquisa Ensino e Extensão em Experiência do Sensível (NUPEEES), da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) e do Grupo de Pesquisas, Tecnologias e Infâncias (GPITI), da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), elaboraram coletivamente o projeto e os meios para distribuição das mensagens, considerando as dificuldades tecnológicas e logísticas impostas. As cartas foram impressas e remetidas aos destinatários. Desta forma, possibilitaram a produção e recebimento de cartas, no diálogo entre os escritores e destinatários, e vice-versa. O Tupiabá, com a promoção do intercâmbio de “Cartas dos(as) guardiões(ãs) da Terra e do Céu: experiência de escritas originárias das crianças indígenas para o mundo”, possibilitou a troca de experiências entre pessoas de diversas partes do Brasil e do mundo com as crianças das aldeias indígenas localizadas no sul da Bahia e em Aracruz, no Estado do Espírito Santo. Neste capítulo, as autoras, apresentam o relato sensível do que foi produzido e vivido.
Ano de lançamento | 2021 |
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ISBN | 978-65-5869-230-0 |
ISBN [e-book] | 978-65-5869-231-7 |
Número de páginas | 274 |
Organização | Angela Maria Caulyt Santos da Silva, Gerda Margit Schutz-Foerste |
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