A nossa turma do 1º ano pesquisando a história da escrita
Organização: Cristina Maria Campos, Paulo Cesar de Campos
O 1º ano e a História da Escrita
Cristina Maria Campos[1]
A escrita tem seus primeiros sinais na chamada Pré História, ou seja, tudo o que ocorreu antes da escrita nasce com os Sumérios na Mesopotâmia até evoluir para a forma como como a conhecemos hoje. É a chamada época das cavernas, onde os registros se davam com a Pintura Rupestre, desenhos feitos nas pedras das cavernas utilizando os dedos, sementes, folhas e sangue. Temos até hoje preservada essa história, graças às ciências tais como a Arqueologia, a Paleontologia, Antropologia entre outras. Estes registros encontram-se em várias localidades do planeta; destaco aqui os do Parque Nacional da Serra da Capivara, Piauí, um dos mais estudados e Patrimônio Mundial da Unesco.
Os alunos do 1º ano de 2016 também tem sua história e não sendo ainda usuários da escrita, vivem no mundo letrado, ao contrário do período chamado de Pré História, no qual escrever se torna uma ferramenta crucial para a inserção social e eles sabem disso. Entraram na escola com seis anos, tendo três anos para completar o ciclo de alfabetização que, como sabemos se perpetua uma vez que há uma longa e contínua caminhada desde o pré silábico até o ortográfico, nível que nem todos adultos atingem devido à complexidade da escrita, nesta etapa a escola tem o papel de trazer para todos, ainda crianças, as preocupações, investigações e construção do processo em torno da escrita.
Essas duas histórias se encontraram em fevereiro, quando a turma toda assistiu ao filme, norte americano “The Croods” (Produção Dream Works) dirigido por Kirk Demicco e Chris Sanders. Uma interessante animação computadorizada sobre as pessoas da época das cavernas e sua luta para sobreviver a transição para os finais dos tempos. A luta para comer, morar e seu jeito todo peculiar de registrar e comunicar, cada acontecimento importante com desenhos no chão e parede e, ainda, as gritantes diferenças daquele mundo para o nosso, repleto de bens de consumo, eletro eletrônicos a computadores: Como viver num mundo como aquele? Esta foi a grande questão levantada.
O filme acabou gerando uma demanda interessante junto às crianças, bem ao encontro do que se propõe um primeiro ano escolar: Como então apareceu a escrita que fazemos hoje?
Quando o filme terminou a primeira pergunta de muitos deles:
— Nossa! O dedo não doía não? – Seguida de outras perguntas/soluções:
— Porque eles não faziam lápis? – Tinha tanta árvore lá!
— Eles só desenhavam, é muito mais fácil! Não tinha escola?
— E a borracha? E se eles errassem! Credo que coisa!
Assim foi o dia após o filme, tantas perguntas sem repostas que resolvemos assistir a ele novamente e, a partir dali, eles se envolveram com a escrita e como passamos dos desenhos para as letras.
Lemos uma texto sobre a História da Escrita, com os tipos diferentes do alfabeto e pesquisamos muito na internet, assistimos pequenos a filmes sobre a escrita também e depois de muito estudo, resolvemos escrever nas pedras, voltando ao tempo das cavernas.
Combinamos com o professor de Artes, o Paulo que isso seria feito na aula dele e com seu apoio. A equipe gestora arrumou o material, pedras mineiras, urucum, carvão e polpa de uva. Após o trabalho de descascar, separar e preparar o urucum, demos início o trabalho: deixar mensagens como os homens da caverna, sem escrita, usando os dedos e a imaginação. Foi uma experiência contagiante, do começo ao fim. O envolvimento de todos foi imenso e, no dia seguinte, a alegria de olhar a sua obra e relembrar momentos do filme.
A segunda parte ficou por conta de algumas comparações, do lado de fora da sala tem uma parede de azulejos onde eles adoram passar o tempo escrevendo e desenhado. Em uma longa conversa, descobri que não é igual à época das cavernas, porque a parede é lisa, eles usam canetinha, ou tinta comprada. Se errar, eles jogam água e a parede está sempre limpa, “tem uma moça que lava quando a gente pede”.
Contaram-me também, que com as letras é muito mais fácil, porque tem coisas que não dá para desenhar e que, por isso, a “descoberta” da escrita foi muito importante.
Textos escritos por crianças entre 06 e 07 anos, que estão começando a aprender o registo escrito, na fase inicial da alfabetização, todos com grande envolvimento. Estão escrevendo textos desde o primeiro dia de aula, mesmo antes de dominarem as letras do alfabeto.
A entrada para o mundo da escrita não se dá pelo domínio primeiro dos mecanismos de escrever para depois escrever, se dá pelo processo de escrever com sentidos. O produto deste processo é o domínio do sistema da escrita, um sistema abstrato em relação àquilo que dizemos manuseando-o. Manuseá-la da forma possível para dizer o que se quer dizer resulta numa experiência de escrever que tem como seu resultado a aprendizagem do sistema alfabético e até mesmo da ortografia. (CAMPOS, 2016, pg 299).[2]
Dos vinte fui escriba de três, que de maio até início de setembro escreveram a sua maneira seu texto e, a cada escrita e conversas comigo e o grupo ia ganhando corpo. A história foi escrita do jeito que foi narrada por cada um deles.
O grupo entendeu a importância do escriba dentro da sociedade letrada, entendeu que eram os escribas que registravam toda a história em um início da escrita na época que nem todos a dominavam.
O leitor encontrará nesses vinte textos a visão de crianças sobre a escrita, ainda uma descoberta, alguns ligaram a sua importância à vida pessoal e outros se prenderam mais às dificuldades da vida na caverna.
A primeira escrita de cada criança está no livro, de maio a setembro entre escritas, reescritas e conversas cada um produziu vários textos.
Notas de rodapé
[1] Professora alfabetizadora efetiva da Secretaria Municipal de Educação Campinas. Licenciada em História pela PUC-Campinas. Doutora em Educação pela FE-UNICAMP. Pesquisadora do GEPEC (Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação Continuada) Bolsista CAPES, processo BEX: 5636/11-6. E-mail: [email protected]
[2] Tese de Doutorado. UNICAMP (2016). CUMPLICIDADE E FANTASIA NA COMPOSIÇÃO DO TRABALHO DOCENTE: AS NARRATIVAS PEDAGÓGICAS NO COTIDIANO.
Ano de lançamento | 2021 |
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Formato | |
ISBN | 978-85-7993-363-9 |
ISBN [e-book] | 978-65-5869-232-4 |
Número de páginas | 91 |
Organização | Cristina Maria Campos, Paulo Cesar de Campos |