A revolução pelo ócio: lições poético-filosóficas para o século XXI

Dalva de Souza Lobo, Vanderlei Barbosa

PREFÁCIO

Os poetas e os artistas, de modo geral, se expressam numa linguagem capaz de falar dos mais recônditos sentimentos, de percepções do mundo em que vivem ou dos grandes dramas da humanidade. Captar as efemeridades, ser tocados pelo mais simples evento do cotidiano, expressar as angústias e alegrias, enfim, traduzir aquilo que é mais profundamente humano em forma de poemas é privilégio dos seres de espírito mais elevado e criativo.

Ao ser convidado para fazer o prefácio do livro “Lições poético-filosóficas…” me senti desafiado a pensar e escrever sobre alguns elementos que pudessem expressar minimamente as características da forma de sua construção, os fundamentos e valores seguidos para abordar os temas e conteúdos, além de procurar ressaltar algumas qualidades dos autores deste livro. Procurei apoio em minha intuição e na grata experiência de conviver muito próximo a eles, e busquei identificar algumas preocupações e sentimentos que pudessem expressar as motivações pelas quais se dedicaram à criação dos poemas/lições filosóficas. É o que faço a seguir.

Neste livro que os autores tornam público, o leitor poderá sentir que a cadência e a composição da prosa e dos versos se expressam na simplicidade profunda do texto e, somente as almas mais sensíveis serão capazes de decifrar o conteúdo anunciado. O devir poético-filosófico pode se traduzir num estilo de vida, que para muito além das aflições que perturbam a alma dos poetas, é marcado pelo prazer de viver e por uma boa dose de angústia. Um viver sempre inacabado, uma permanente busca por algo que possa fazer sentido, que traga algum alento ao espírito, mesmo que em forma de poesia.

A relação dos poetas com o tempo e as lições filosóficas criadas segue o relógio existencial num tic tac marcado pelo trágico da pandemia e pelo isolamento social que alterou o cotidiano de trabalho, as relações sociais e, principalmente, a perspectiva de futuro, ainda guiada pelo tempo cronológico, pela linearidade e pela ideia de progresso. Entretanto, numa espécie de choque, ou de um tirar o trem da história dos trilhos, vivemos num tempo de medo e de pavor em relação às condições de vida e do futuro. Poderíamos dizer também que vivemos em tempo de ruptura, um tempo de estranhamento. Numa aproximação com o pensamento de Walter Benjamin poderíamos dizer do “tempo-do-agora” (Jetztzeit), momento histórico oportuno em que o fenômeno recém-descoberto ainda está por ser entendido e desvelado. E o tempo presente exige que olhemos o passado e nos perguntemos que forças e estruturas sociais fizeram com que chegássemos à situação econômica, política e cultural na qual nos encontramos hoje? Perguntamo-nos se a interrupção do tempo e das atividades econômicas e sociais, embora não provocados pela vontade humana, será capaz de nos redimir com a história e produzir um novo sentido para a vida em sociedade?

Embora a presentidade seja marcada por esses eventos do tempo presente e pela exigência de revermos nosso destino social, ela também é profundamente instituída pela restituição das memórias e experiências realizadas. O entrecruzamento entre passado, presente e uma expectativa de futuro incentiva a permanente busca por saídas, talvez ilusões que possam afagar a vida. É fato que temos a possibilidade de transvalorização de valores, de fortalecimento do espírito e de mobilização de forças para valorizar a vida, para termos mais vida.

Nietzsche já anunciou a saga existencial marcada pelo fundamento trágico – “a vida só se justifica como obra de arte”. Tipos humanos fortes possuem espíritos marcados pela leveza, pelo movimento e pela superação das adversidades, e temos como principal analogia desses “seres”, o “devir criança” em uma passagem do “Assim falou Zaratustra”. Suas marcas são a criatividade, o brincar, a dança, o não guardar ressentimentos – fazendo das agruras, da dor e do sofrimento um poema, uma lição aprendida! Inventar novos modos de ser e de viver, isso é possível? Para esse pensador, o trágico não é apaziguado pela catarse, mas, pela criação, pela transformação de um sentimento em uma experiência que nos leva a outro sentir, fortalecido, uma espécie de tônico para o espírito.

Tenho certeza de que as lições não brotaram de devaneios ou de qualquer inspiração distante do mundo social em que vivem, mas foram cavadas na trágica realidade enfrentada por todos nós, e por amor ao ofício de educadores que são (ótimos educadores por sinal, conforme atestam seus alunos), preocupados em ensinar/aprender inspirados nas necessidades humanas e nos desafios que se colocam a todos.

Outra certeza que me ocorreu é que há uma dose significativa de afetos (amorosidade freireana) e de preocupações com os estudantes. E aqui o ato de criação das lições está dialeticamente implicado na cumplicidade entre o ensinar e o aprender, processos inseparáveis e marcados pela experiência da criação e produção do conhecimento mediado pela realidade e que a partir de agora socializarão. As lições produzidas são frutos do trabalho do exercício do pensamento, da criação artística/intelectual de quem fala por meio da poesia e das lições. Os conteúdos são apropriados para o momento em que toda a humanidade parou diante de uma pandemia assustadora. Quais são especificamente esses conteúdos que os educadores Vanderlei Barbosa e Dalva de Souza Lobo apresentam? A quem se destinam essas lições?

O conteúdo apresentado percorre por clássicos da filosofia, da literatura e da poética, transitando por caminhos da teologia e, principalmente, pela experiência existencial dos autores. Minha impressão é que a simplicidade e profundidade, aparentemente contraditórias com que escrevem, exigirão do leitor duas atitudes: a primeira, uma leitura calma e o gosto apurado para apreciar os textos, e a segunda exigência é a sensibilidade da recepção para interpretar os poemas/lições com o olhar simultâneo e atento no texto e na realidade vivida.

São temas que tratam da existência humana marcada por este momento trágico, são pensamentos provocativos, não possuem pretensão de verdade e são marcados por valores estéticos, éticos, políticos e espirituais que se entrecruzam na vida social e nas subjetividades. São retalhos de nossa sociedade global, aforismos e fotografias sabiamente capturadas pelo olho sensível de quem os escreveu. Essas imagens constituem um Mosaico e segue a forma estética da composição que requer do leitor o esforço de associação entre os temas e discursos apresentados.

São metáforas para expressar de modo lúdico o conteúdo aludido. Arriscaria em dizer que o estilo da produção hora apresentada se aproxima da ordem da alegoria benjaminiana, pois recolhem fragmentos, experiências subjetivas, imagens da vida coletiva, comportamentos humanos e práticas sociais em decadência, para em perspectiva, anunciar a destruição de certos comportamentos ou mesmo de formas de pensamento que nos trouxeram até aqui e, que a partir de agora, necessitam ser reconfigurados para que possamos pensar e construir outro estilo de vida. As lições anunciam a necessidade de um novo tipo humano para um novo mundo que se anuncia, ou, no mínimo, de contestar o estilo de vida e de organização social segundo o qual vínhamos seguindo.

Desejo uma frutífera leitura e que todos possamos entrar em sintonia com a proposta dos autores expressas em suas lições e no convite para que nos dediquemos ao ócio, à poesia e ao pensamento filosófico.

Carlos Betlinski

Ano de lançamento

2020

ISBN

978-65-87645-34-6

ISBN [e-book]

978-65-87645-84-1

Número de páginas

98

Formato

Autoria

Dalva de Souza Lobo, Vanderlei Barbosa