Cartografias do Norte: a produção literária de Sandra Godinho

Organização: Elaine Pereira Andreatta, José Benedito dos Santos, Rita Barbosa de Oliveira

UMA APRESENTAÇÃO: A LITERATURA RUIDOSA DE SANDRA GODINHO

Elaine Pereira Andreatta
José Benedito dos Santos
Rita Barbosa de Oliveira

 A literatura brasileira de autoria feminina produzida no Amazonas, desde 1935 até o presente, conta com um número considerável de mulheres poetas, ficcionistas, memorialistas, contistas, dramaturgas, algumas conhecidas, outras mais ou menos conhecidas e, muitas, completamente esquecidas e/ou silenciadas, sem qualquer possibilidade de pertencer ao cânone literário regional/brasileiro. Desse modo, a prática secular de apagamento intelectual de mulheres escritoras pelo patriarcado canônico brasileiro, desde o século XIX, perpassa, também, a historiografia e a crítica literária regional amazonense.

Assim, a história da crítica da literatura produzida por mulheres ainda está sendo escrita, em especial, com pesquisas acadêmicas realizadas nos últimos anos que têm a intenção de dar visibilidade a essa literatura feminina que focaliza um conjunto muito diverso de temas, dentre eles, as múltiplas culturas amazônicas, os direitos da mulher, a violência do patriarcalismo, as angústias existenciais femininas, as reflexões e denúncias sobre o sexismo, a exclusão, os preconceitos, o que inclui a desconstrução de estereótipos impostos às personagens femininas. Isso tudo por meio da produção de poesias, romances, contos, crônicas, literatura infantojuvenil e teatro. A partir dos temas presentes na literatura brasileira escrita por mulheres, é possível observar o cenário, a linguagem, as tensões locais, dentre outros aspectos, que caracterizam o lugar e as gentes do Amazonas, como também aparecem nas literaturas nacional e estrangeira, demonstrando um caráter universal dos conflitos cotidianos de todos os tempos. Assim, essas mulheres escritoras amazonenses do século XX até o presente, ao registrarem seus fazeres literários/artísticos, propõem uma nova visão de mundo a partir da perspectiva feminina, além de concordarem com a ideia de que a literatura é um ato de resistência que nos possibilita ocupar o lugar do outro.

Para visibilizar essa produção literária escrita por mulheres no Amazonas, reunidos em diálogos acadêmicos, por vezes, regados a uma deliciosa caldeirada de tambaqui e inquietos pela necessidade de ler e produzir crítica, decidimos organizar esta coletânea denominada Cartografias do Norte: a produção literária de Sandra Godinho, com o objetivo de publicar textos escritos a partir da leitura e da análise de uma das mais importantes escritoras da literatura brasileira contemporânea de autoria feminina, dentre as surgidas na Amazônia nas duas primeiras décadas do século XXI.

Sabemos que, no Amazonas, existe um conjunto de estudos mais robustos sobre a produção da literatura feminina de Astrid Cabral, Violeta Branca e Vera do Val, em sua maioria, assim como estudos mais breves sobre Albertina Costa Rego de Albuquerque, Sylvia Aranha Ribeiro, Márcia Wayna Kambeba, Izis Negreiros, Pollyanna Furtado, Marta Cortesão, Regina Mello, Ana Célia Ossame, Ílcia Cardoso, Franciná Lira, Mady Benzecry, Aurolina Araújo de Castro, Elizabeth Azize, Maria José Hosannah, Cacilda Barbosa, Rosa Clement, Priscila Lira, Catarina Pereira Lemes, Charuf Nasser, dentre outras escritoras. São obras publicadas, teses, dissertações, artigos, ensaios e resenhas, às vezes apenas pequenas menções em textos com outras temáticas, que vão ganhando corpo e que têm importância considerável para a consolidação da crítica literária da produção de autoria feminina no Amazonas. Por isso, o que intencionamos não carrega a síndrome da novidade, tampouco esgota as novas possibilidades de pesquisa. Nosso objetivo foi de reunir um conjunto de textos que lancem seu olhar e sua crítica às obras de Sandra Godinho, escritora radicada no Amazonas, a qual tem ganhado cada vez mais visibilidade no cenário nacional. Além disso, pretendemos começar, com este livro, uma série de publicações que possam constituir uma cartografia do norte no que diz respeito à literatura contemporânea, e que, também, sirvam como fonte de pesquisa a outros acadêmicos interessados neste tema.

Sandra Godinho[1] publicou seus primeiros contos em coletâneas e depois passou a publicar suas obras individuais, ganhando reconhecimento no campo literário de forma gradativa, com premiações no Brasil e no exterior. Publicou O Poder da Fé (2016, romance), Olho a Olho com a Medusa (2017, contos), Orelha Lavada, Infância Roubada (2018, contos) ― que recebeu Menção Honrosa no 60º Prêmio Literário Casa de Las Américas (2019) ―, O Verso do Reverso (2019, contos) ― contemplado com o Prêmio Literário Cidade de Manaus ― 2019, na categoria Melhor Conto Regional ―, Terra da Promissão (2019, romance), As Três Faces da Sombra (2020, romance), Tocaia do Norte ― obra agraciada com o Prêmio Literário Cidade de Manaus/2020, na Categoria Melhor Romance Nacional e também Finalista dos Destaques Literários da Academia Internacional de Literatura Brasileira/2021, na Categoria Romance, e do Prêmio São Paulo de Literatura/2021 ―, Sonho Negro (2021- romance), A Morte é a Promessa de Algum Fim (2021) ― agraciado com o Prêmio Literário Cidade de Manaus/2021, na Categoria Melhor Romance Nacional e, Memórias de uma Mulher Morta, romance finalista do Prêmio LeYa/2021 (obra ainda não publicada). Ao todo, foram nove obras publicadas e aqui apresentamos as suas leituras críticas.

As inúmeras premiações auferidas à produção literária de Sandra Godinho têm despertado o interesse da crítica acadêmica, o que já resultou na elaboração de várias resenhas publicadas em sites, blogs, além de um artigo e duas resenhas[2]. A insurgência das personagens godinianas contra o poder masculino hegemônico nos remete também à luta das mulheres escritoras pela construção de uma identidade social, literária e intelectual na sociedade brasileira contemporânea. Percebe-se como as narrativas engendradas por Sandra Godinho desvelam um país ainda regido pelas estruturas colonial, escravocrata e patriarcal, o que nos ajuda a entender a realidade atual, com os inúmeros discursos de ódio, as práticas de genocídios, massacres, feminicídio, as políticas repressoras contra mulheres, indígenas, negros, quilombolas e homoafetivos.

As obras de Sandra Godinho, além de reverberar a Amazônia brasileira situada no mapa geopolítico internacional como uma região fornecedora de mão de obra barata e de matérias-primas, também trazem para o centro da discussão temas como:  sanidade e  loucura, corrupção, relações de poder, xenofobia, pedofilia, analfabetismo, exploração do trabalho infantil, racismo, biopirataria, desmatamento e queimadas da Floresta Amazônica, grilagem de terras, violência contra indígenas, submissão e resistência feminina, exploração da Natureza e do Homem, dentre outros. O crítico Jaime Ginzburg, em Literatura, Violência e Melancolia, pergunta: “Pode a literatura fazer alguma coisa contra a violência?” Sua resposta é, sim, pois “[a] convivência com a literatura permite criar um repertório de elementos ― imagens, ideias, posições, relatos, exemplos ― que interessa para a constituição de orientações éticas e coletivas” (GINZBURG, 2013, p. 106)[3].  Nesse sentido, a literatura nos possibilita ver o mundo e, no movimento de compreender e traduzir as gentes que o habitam, é capaz de nos fazer ocupar o lugar do outro.

Assim, se a nossa história é uma “sucessão ininterrupta da ferocidade, uma cadeia de chacinas, conflitos sanguinolentos, intervenções armadas cheias de selvageria” (CANDIDO, 1993, p. 205)[4], também lembramos que Cruz (2009), ao analisar as narrativas contemporâneas da violência nas obras de Fernando Bonassi, Paulo Lins e Ferréz, cunhou as estéticas da mercadoria da crueldade e de literatura ruidosa e essa ideia parece ser bastante eficaz neste texto. Segundo Cruz (2009, p. 7)[5], “tanto a mercadoria da crueldade quanto a literatura ruidosa se utilizam da violência como tema e recurso estético”. No entanto, para o autor, a primeira reforça fortes estereótipos relacionados à representação do subalterno, já a segunda possibilita a presença de “vozes narrativas que apresentam aspectos humanos ocultos ou negados às personagens subalternas” (2009, p. 7). É, portanto, nesta segunda concepção que nos ancoramos para chamar a literatura produzida por Sandra Godinho de ruidosa, pois há, em seus textos, uma maestria no esboço de personagens como Clara, Dagmar, Marcelino, Esther, Ana, Rosa, Santinha Morgado, Maya, Helena, Lucilinda, D. Felizmina, Max, Raiamundo, Urgêncio, e estes são membros de um grupo que se recusa a calar. Com seus atos de resistência, mandam um recado para a elite brasileira que eles “[n]ão são seres invisíveis. Ao menos, não tão invisíveis quanto querem supor” (GODINHO, 2021, p. 101).

Detentora de uma narrativa fragmentária, de uma diversidade e hibridismo de gêneros literários e da multiplicidade de vozes narrativas, Godinho apresenta domínio da linguagem e capacidade de prender o leitor nas tramas de sua prosa, porque sua literatura ruidosa também vem carregada de afetos. Hardman nos lembra que “o tom da escrita marcadamente afetivo pode significar também um método ingenuamente eficaz de produzir antídoto à violência das histórias pessoais e coletivas e ao silenciamento forçado da própria voz” (HARDMAN, 1998, p. 21)[6]. Desse modo, o conjunto da obra de Sandra Godinho evoca seres da errância, deslocados e/ou que foram jogados à margem da sociedade amazonense/brasileira, mas que insistem em viver com dignidade.

Outra característica que merece ser destacada é a ficcionalização de parte da história do Amazonas/Brasil (Ciclo da Borracha, (i)migração, genocídio dos Waimiri-Atroari, hanseníase, pandemia, por exemplo). E Sandra Godinho traz para o centro da discussão as vozes silenciadas pela história e literatura brasileiras e isso é visível na persistência dos paradigmas escravocratas e neocoloniais que transformam tudo e a todos em mercadorias, na situação de vulnerabilidade social em que se encontram crianças, adolescentes e adultos, na crescente exploração de riquezas, como o desmatamento e queimadas da floresta realizadas pelos empresários do agronegócio, bem como nos assustadores casos de indígenas assassinados. Tudo isso constrói um discurso psicológico, social e político presente e assertivo na obra de Godinho e, nesse sentido, evidenciamos que a sociedade brasileira continua perversamente contemporânea das tragédias de seu passado.

Diante de tudo isso, esta obra apresenta aos seus leitores uma série de textos com diversidade de temas e lugares epistemológicos. A obra é dividida em seis seções. As quatro primeiras seções são constituídas por artigos/ensaios, cada uma delas destinada a analisar um dos livros de Sandra Godinho. A quinta seção conta com uma entrevista com a autora e a sexta seção apresenta um conjunto de resenhas.

A primeira seção, denominada “A (des)construção da figura feminina”, reúne dois artigos. O primeiro escrito pelas autoras Claudiana Narzetti, Anndra Karolina Balieiro e Maria Corrêa, as quais analisam alguns contos de Sandra Godinho a partir da perspectiva da Análise do Discurso Francesa (AD) e se propõem a refletir o sujeito-mulher representado não a partir de estereotipias rígidas, mas da complexidade das contradições que o atravessam enquanto historicamente situado e constituído. O segundo artigo desta seção é de Ana Carla Barros Sobreira. A autora visa tecer diálogos e reflexões sobre a obra As Três Faces da Sombra a partir das personagens Ana, Rosa e Santinha. Usando as Teorias Decoloniais, os Feminismos de Fronteira e autores como Butler (2008), Tarrow (2009), Caetano (2019), entre outros que tratam das questões de gênero, evidencia-se a importância dos textos literários como ferramenta para análise de subjetividades através da leitura de símbolos culturais que podem evidenciar formas de manutenção de poder e de dominação.

A segunda seção, “Violência e narração: a invenção do outro, a invenção de si”, conta com um ensaio e dois artigos que analisam as obras Olho a Olho com a Medusa, Orelha Lavada, Infância Roubada e O Verso do Reverso. O ensaio que inicia esta seção é produzido por Pamella Opsfelder de Almeida, que se dedica a analisar os escritos da autora radicada no Amazonas que, com frequência, subvertem as interdições da palavra e ousam tratar temas de grande relevância social de maneira explícita e incisiva. O segundo texto da seção é o artigo produzido por Elaine Pereira Andreatta e Bruna Ximenes Corazza que, a partir dos estudos da literatura brasileira contemporânea, da violência e do realismo das suas narrativas, da mobilização de diferentes recursos e multissemioses na escrita literária, marcada pelas relações dialógicas na obra Orelha Lavada, Infância Roubada, empreendem um movimento analítico a partir da expressão da violência e da infância no processo de fabulação. O terceiro texto da segunda seção é o artigo de Priscila Vasques C. Dantas, intitulado “Morte e violência em dois contos de O Verso do Reverso, de Sandra Godinho”, que produz uma leitura analítica dessas temáticas nos contos “Vamos brincar?” e “Insanidade nossa de cada dia”, ancorando a discussão nos postulados da teoria histórico-cultural e do pós-colonialismo.

“Uma geografia dos (des)afetos: narrador, memória e espaço” é o título da terceira seção que conta com o texto inicial de Mikael de Souza Frota, “Apiyemyeki Kamña Yakopa Kiña? O processo de domesticação espacial em Tocaia do Norte, de Sandra Godinho”. O artigo tem o objetivo de analisar o romance Tocaia do Norte (2020), considerando o uso da violência como ferramenta política na construção e na domesticação de espaços presentes na obra. O texto descontrói e problematiza a organização e a modernização dos principais espaços ficcionalizados pela autora. Já Letícia Pinto Cardoso, em “A construção do narrador no romance Tocaia do Norte, de Sandra Godinho”, objetiva analisar a elaboração do narrador João de Deus, o qual reflete as estratégias narrativas da literatura brasileira contemporânea, pela escolha autodiegética e pelo relato após uma experiência traumática, observando o tom intimista e o uso de epígrafes em versos no início de cada capítulo, bem como os recursos narrativos e de hibridismo de gêneros textuais presentes na obra. A seção é finalizada com o texto de José Benedito dos Santos, que traz o artigo “Os narradores no romance A Morte é a Promessa de Algum Fim, de Sandra Godinho”, o qual busca entender a maneira como se dá a construção de uma obra que tematiza a Amazônia, sob a perspectiva de uma escritora paulista radicada no Amazonas, com ênfase nos termos identidade, reescritura da história dos ex-colonizados, questões que vêm sendo objeto de reflexões no campo da teoria pós-colonial.

Na quarta seção, “História, (i)migração e literatura”, Francisca de Lourdes Souza Louro, com o artigo “A estratégia narrativa no romance O Poder da Fé, de Sandra Godinho” discorre sobre o primeiro romance de Sandra Werneck, pseudônimo usado pela autora. A articulista aborda a estratégia narrativa da construção do romance por entender que este advém de um aspecto de reelaboração crítica, nunca de um retorno nostálgico. O segundo artigo é de Fátima Maria da Rocha Souza e Raquel Souza de Lira, o qual apresenta uma leitura da obra Terra da Promissão (2019), a partir da experiência do sujeito leitor e dos movimentos da escritura na perspectiva de quem escreve. No percurso analítico das autoras, a discussão em torno da pesquisa empreendida pela escritora acerca da cultura judaica que ela herda e que se expande por meio da trajetória dos judeus sefarditas do Marrocos ao Amazonas, em uma época configurada como o Ciclo da Borracha. Fecha esta seção o ensaio de Alexandra Vieira de Almeida, que empreende uma leitura do romance Sonho Negro, analisando a estratégia ficcional da romancista que aponta para a pluralidade de vozes, pelo viés bakhtiniano, num processo de carnavalização, evidenciando a construção de um corpus narrativo que não se unifica num único ponto de vista, mas nas várias versões dos fatos, misturando o real e o literário.

A quinta seção traz uma entrevista com a romancista Sandra Godinho concedida à Rita Barbosa de Oliveira, na qual a autora discorre sobre os seus quatro primeiros romances: O Poder da Fé (2016), Terra da Promissão (2019), As Três Faces da Sombra (2020) e Tocaia do Norte (2020), além de abordar as estratégias narrativas adotadas por ela que versam sobre diferentes e importantes temáticas para construir suas obras. Nestes primeiros romances, mostra-se o modo requintado no tratamento estético da problematização dos conflitos sociais provocados na mulher que se disseminam para as relações afetivas e da releitura instigante de momentos de exceção das liberdades nos sistemas sociais de visão ocidental, oriental e dos povos tradicionais. Entrelaçada ao recurso poético, em cada um dos quatro romances vemos a acurada observação, diríamos mesmo pesquisa, sobre o passado e este nosso presente, pois tais narrativas concentram inquietações tão antigas quanto contemporâneas, atualíssimas a cada vez que tentamos entender a realidade. Certamente, as angústias, os embates, o repensar a construção da história estão também tensionadas nas formas breves de Godinho publicadas no mesmo período dos romances iniciais, sempre com as reinvenções estéticas que adquirem outras nuances a cada outra obra.

Na sexta e última seção, temos quatro resenhas que discorrem sobre a importância das obras publicadas e a evolução da escrita de Sandra Godinho, além de outras duas resenhas que tratam de visibilizar outras produções literárias de mulheres no Amazonas. A primeira resenha aborda a construção do livro de contos Orelha Lavada, Infância Roubada (2018), e é elaborada por Divanize Carbonieri; a segunda resenha é de Odenildo Sena acerca da obra Tocaia do Norte. Na sequência, contamos com duas resenhas de Marcelo Adifa, leitor e crítico de Sandra Godinho, que discorre, em uma resenha, sobre o romance Tocaia do Norte e, em outra, comenta sobre a evolução da escrita da autora.

Por último, apresentamos dois textos relacionados às inquietações temáticas da obra de Sandra Godinho e à sua atuação política na literatura feminina, um que trata de um romance e outro de um projeto literário. Fátima Maria da Rocha Souza resenha o premiado romance Terra Úmida (2020), de Myriam Scotti, uma das vozes literárias contemporâneas da literatura escrita por mulheres no Amazonas. Camile Martins Sena apresenta considerações e apreciação crítica sobre o Projeto Te Conto em Contos, coordenado por Letícia Pinto Cardoso, que resultou na publicação de três e-books em 2021. O referido projeto sugere ser uma janela para a escrita feminina amazonense contemporânea.

Os textos críticos aqui presentes fornecem vários caminhos e entradas para ler e apreciar as nove obras de Sandra Godinho. A autora, como observadora perspicaz das amnésias históricas, literárias e das violências impostas às minorias, inscreve seu texto como forma de produzir lembrança e denúncia. Por isso, no livro de contos O Verso do Reverso (2021), lemos: “Somente eu registrei na memória esse pequeno ato de resistência que nasceu no dia de se celebrar os direitos. Humanos” (GODINHO, 2020, p. 215); no prólogo do romance Tocaia do Norte, o narrador João de Deus verbaliza: “Se hoje me proponho a falar é por medo de esquecer” (GODINHO, 2020, p. 13); em A Morte é a Promessa de Algum Fim (2021), a personagem Lucilinda anuncia: “não quero me sentir nem doméstica nem domesticada. Quero aprender um ofício que sustente a vida” (GODINHO, 2021, p. 104). Tais trechos, extraídos de três diferentes obras da autora, além de serem chaves para a leitura das suas obras, evidenciam o que tratamos aqui como literatura ruidosa: as personagens subalternizadas reivindicam os aspectos humanos que em muitas instâncias ficaram ocultos ou foram negados a elas. Junto à Godinho, também reivindicamos uma crítica que se volta para as margens, a fim de expandir o alcance dos nossos olhares e de reafirmar o poder da literatura diante da vida.

Notas

[1] Sandra Maria Godinho Gonçalves nasceu em São Paulo, no ano de 1960, graduada em Letras – Língua Inglesa e Mestrado em Letras (Estudos da Linguagem), pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Morou no Rio de Janeiro e em 2003, mudou-se para Manaus. Em 2010, ingressou no Projeto de Extensão da Universidade Federal do Amazonas, intitulado Clube do Autor, sob a coordenação do professor e pesquisador Lajosy Silva da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), que organizou várias coletâneas de contos: Folhas Verdes, Folhas Livres, Folhas Mortas, Folhas Fantásticas, Folhas Eróticas, Amores e Infâncias, nas quais publicou seus primeiros contos em coletâneas. É Membro da Cadeira 78 da Academia Internacional de Literatura Brasileira (AILB), com sede em Nova Iorque/USA. É militante do Movimento Mulherio das Letras que reúne milhares de escritoras, editoras, ilustradoras, pesquisadoras e livreiras, entre outras mulheres ligadas à cadeia criativa e produtiva do livro, no Brasil e no exterior, a fim de dar visibilidade, questionar e ampliar a participação de mulheres no cenário literário brasileiro e internacional.

[2] O artigo e as duas resenhas, respectivamente, foram de autoria das pesquisadoras brasileiras Monike Rabelo da Silva Lira (UFAM), Alexandra Vieira de Almeida (UERJ) e Mariana Belize de Figueiredo (UFRJ), que analisaram diversos aspectos de O Poder da Fé (2016), Orelha Lavada, Infância Roubada (2018), O Verso do Reverso (2019) e Tocaia do Norte (2020). Nas obras acima citadas, são analisadas questões estéticas (com referências sutis às autoras Maria Firmina dos Reis, Raquel de Queiroz, Clarice Lispector, Carolina Maria de Jesus e Conceição Evaristo), e questões temáticas como a resistência das personagens femininas aos silenciamentos, preconceitos, desigualdades de gênero, raça e classe, bem como feminicídio.

[3] GINZBURG, Jaime. Literatura, violência e melancolia. Campinas/SP: Autores Associados, 2013.

[4] CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: CANDIDO, Antonio. Vários escritos. Rio de Janeiro: Ouro Sobre Azul, 2011.

[5] CRUZ, Adélcio de Sousa. Narrativas contemporâneas da violência: Fernando Bonassi, Paulo Lins e Ferréz. 2009. Tese (Doutorado em Literatura Brasileira). UFMG, 2009.

[6] HARDMAN, Francisco Foot [Org.]. Morte e progresso – Cultura brasileira como apagamento dos rastros. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1998.

Ano de lançamento

2022

Número de páginas

284

ISBN [e-book]

978-65-5869-886-9

Organização

Elaine Pereira Andreatta, José Benedito dos Santos, Rita Barbosa de Oliveira

Formato