Conexões: Deleuze e corpo e cena e máquina e …

Alexandrina Monteiro, Marcelo Vicentin, Mirele Corrêa, Sílvio Gallo

CORPOS E CENAS E MÁQUINAS EM COMBUSTÃO

Alexandrina Monteiro
Marcelo Vicentin
Mirele Corrêa
Sílvio Gallo

Sob o signo de curtos-circuitos à lógica neoliberal, do cheiro de borracha e pneus que se inflamam por linhas, fluxos e ruas, derretendo camadas invernais que buscam asfixiar multiplicidades e/ou liquefazendo certa solidez glacial totalitária, escorrem secreções e corrimentos, emergem singularidades, devires, máquinas de guerra.

Das faíscas dessa combustão emergiu o Seminário Conexões: Deleuze e…, em sua oitava edição, organizado pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp (FE/Phala), durante os dias 11 e 14 de novembro de 2019, sob o tema Deleuze e Corpo e Cena e Máquina e…, com foco na experimentação e na propagação de conexões produzidas nas múltiplas esferas de nossa vida contemporânea.

Diante da multiplicidade de conexões e cartografias do evento, destacamos a polimorfia dos novos nós, ramificando-se na participação de pesquisadores latino-americanos, particularmente, da Red de Estudios Latinoamericanos Deleuze y Guattari (REELD&G), e do Primeiro Encontro Deleuze e Educação e Matemática e…, com centro na dobra entre Filosofias da Diferença e Educação Matemática. Destacamos ainda a participação de artistas na realização de performances nas mais variadas esferas em relação com o corpo e as tecnologias.

Este livro reúne uma coletânea de textos de conferências e mesas redondas, buscando multiplicar e manter em movimento as fabulações de encontros e pensamentos que emergiram das intersecções, das fronteiras entre a tecnologia, a ciência, as artes, 10 articuladas em torno dos conceitos de máquina e corpo e cena e… atravessando as maneiras de ser e estar no mundo, afectos e perceptos, modos de nos constituirmos eticamente outros. Ressaltamos ainda que a abertura do I Encontro Deleuze e Educação e Matemática e…, contou com uma palestra intitulada Matematização da Natureza e o aprender em “pedagogias corporificadas” que o Professor Dr. Hélio Rebello Cardoso Jr., da Universidade Estadual Paulista – UNESP, considerou uma aula inaugural na qual discutiu diversos conceitos desenvolvidos por ele e cuja referência bibliográfica encontra-se disponível no final do volume.

O livro está composto por onze capítulos, que não são a totalidade dos textos apresentados em conferências e mesas redondas, mas são uma amostra significativa daquilo que foi pensado durante os dias do evento.

“Obediência e insurreição: o desejo entre dispositivo e agenciamento”, de Patricio Landaeta Mardones, pesquisador e integrante da Red de Estudios Latinoamericanos Deleuze y Guattarri, abriu VIII Seminário Conexões Deleuze. Em suas primeiras palavras, nos alerta para a impossibilidade, no contexto atual do Chile e do mundo, de separarmos o contexto social e político da vida, do pensamento e da escrita; aproxima-nos dos abismos do mundo neoliberal com seu despotismo asfixiante, contudo reafirma a emergência de novas formas de insurgência e construção de formas de cooperação e relações sociais. O autor discute a ambiguidade e o desejo entre obediência e liberdade presentes no sujeito contemporâneo, para questionar os agenciamentos da normalidade neoliberal perante suas desigualdades e destruições; e afirmar o surgimento de novos desejos a contaminar estruturas antigas, disseminando uma fé imanente no mundo e na sociedade quando tudo parece perdido.

Alexandrina Monteiro cartografa fragmentos de experiências enquanto aluna e educadora a fim de problematizar o espaço escolar no ensaio Aprendizagens errantes e pensamentos clandestinos e… explorando as lentes da filosofia da diferença, de menoridade e educação menor. Essa imersão exige da autora 11 deslocamentos e atravessamentos que conduzem a problemas que demarcam uma insuficiência no conhecimento, logo, momentos de transformação no ato de aprender, um ato de criação e pensamentos de modos outros sobre o espaço da aula de matemática como um espaço potente na inversão da conduta ou experimentações para a afluência de uma educação por afetos.

No ensaio Interstícios e travessias de um educador matemático por e na educação indígena: o desafio dos afetos em curso, Jorge Isidro Orjuela Bernal nos convida a debruçarmos sob os afetos que nascem e morrem nos múltiplos movimentos e devires das lutas indígenas. Entre eles, a educação indígena e as matemáticas que emergem no operar do mundo e de suas criações, sem negações a outras formas de conhecimento em movimentos de constante tensão na produção sobre o que pode um professor(a) de matemática.

Juliana Soares Bom-Tempo, em Como se dá uma ética dos encontros quando não há amanhã?, alerta-nos das crises como um modo de governo, signo de produção e gestão de subjetividades e desejos, de estados limites que incluem tristeza, terror, pânico, desespero, um estado geral de alerta e falência de civilização e humanidade. Como resistência, a Clínica-Poética, vinculada às artes de um corpo-potência, corpo-agir, de afetar e ser afetado, que nasce em meio às zonas de riscos, às mobilizações dos signos, corpos sempre em multiplicidades, que nos possibilita atravessar o caos, uma educação por afeto, e não, simplesmente, tentar evitá-lo ou negá-lo, pela emergência de modos outros de ver e sentir.

No ensaio Formas animadas e o problema da Anima Digital ou do abismo entre um corpo volitivo e um pensamento digital, Paulo Henrique Costa, tendo como centro o teatro de bonecos, desencadeia reações de afectos e perceptos, ao refletir sobre os limites das máquinas ativas e da implementação de animas autonômas em relação ao vivido e da capacidade de dar suporte às sensações. Como um ator-manipulador, uma máquina cibernética autopoiética também reestrutura seu padrão de funcionamento diante das demandas que encontra, entretanto, para o autor, há um abismo instransponível entre elas e o corpo criador do artista, nos 12 alertando para simulações da natureza, certo naturalismo digital que nos torna incapazes de distinguir o abismo entre o um corpo e um autômato materializado.

O ensaio Presença poética, de Carminda Mendes André, é um convite para pensar sobre o valor formativo e pedagógico das artes e possibilidades de acontecimentos poéticos que inspirem movimentos sobre a existência, um toque na alma nos leve a aprender com e sobre a vida, contrapondo-se a um biopoder interiorizado que busca dominar o corpo do outro, prenunciando uma vida fascista. A fim de evitar tal vaticínio, aposta-se na manifestação-poeta, que suscite transformar os significados das coisas, dos sentidos ao já postos, uma ação pedagógica na chave ética do cuidado de si: a poesia como exercício, práticas para mudar o valor dos seres, das coisas, do nosso destino

Em Imanência e distopia em Dostoievski e Francis S. Fitzgerald – uma leitura a partir de Gilles Deleuze, Alex Fabiano Correia Jardim aproxima os textos Memórias do Subsolo (Dostoievski) e A Fissura (Fitzgerald) da filosofia de Gilles Deleuze a fim de experimentar e fabular, a partir da literatura, uma ruptura à perspectiva utópica da razão moderna e contemporânea e seus pressupostos ético-políticos. Nessa conversação entre autor e autores, cartografias da dissolvição e demolição de promessas da modernidade, efeitos e combinações de forças e afetos na emergência de outras cartografias de modos de vida

Leituras fanonianas do Anti-Édipo, texto de Cristina Pósleman, também integrante e pesquisadora da Red de Estudios Latinoamericanos Deleuze y Guattari, arremessa o pensamento de Deleuze e Guattari, particularmente em O Anti-Édipo, para o centro da questão anticolonial. Para tanto articula o encontro das problematizações de Deleuze e Guattari com as de Franz Fanon, propondo um “efeito Fanon / Deleuze / Guattari” na criação de uma linguagem, um compromisso de escrita antieurocêntrico, com tensões, turnos, intensificações e todas as combinações possíveis para além das marcas colonialistas, e que nos alerte sobre a presença dessas marcas em nossas práticas acadêmicas.

Paola Sanfelice Zeppini, em Experiências heterotópicas em um não-lugar de Miracema do Tocantins, apresenta a escola Alegria do Saber que funciona aos finais de semana, feriados e férias escolares, atravessando as vidas e experiências dos que povoam o lugar. Zarpando de não-lugares, questiona a utopia escolar a partir da heterotopia posta em pé entre lonas e papelões no interior do Estado do Tocantins, onde afetos se conectam sem a necessidade de um fio condutor que os oriente, produzindo faíscas que movimentam o aprender, reinventando a escola, o pertencimento e as possibilidades de criação justamente a partir do que parece lhe faltar, produzindo singularidades e porvires ainda não imaginados.

O texto Trans(ver)sar em ações hipergésticas e como encontrar escapes potentes, de Laisa Blancy de Oliveira Guarienti, explora os conceitos “de atenção”, “hipergesto” e “educação difusa” para denunciar a forte influência das grandes mídias sobre nossos gostos e desejos, por meio de slogans, imagens, sons etc. que impregnam nossos corpos e modos de agir. Nessa relação/seleção de signos devemos sempre estar alertas para os que nos fortalecem e os que nos despotencializam como força. Como contraconduta, a conexão entre “hipergesto” e “educação difusa” a fim de produzir curtos-circuitos que desestabilizem a captura e o agenciamento da atenção por signos subordinados à lógica dominante.

No texto da palestra de encerramento do VIII Seminário Conexões Deleuze e… Alexandre Filordi de Carvalho, sob o título“Maquinejos na mecanosfera: escarros, escárnios e escândalos como cena dos corpos”, busca desenvolver um conceito pouco explorado no último capítulo de Mil Platôs de Deleuze e Guattari, a saber, Mecanosfera. Seu trabalho investiga o lugar que o corpo como experimentação de conteúdos e de expressões indissociáveis de um devir-mecanosfera-outra pode se afirmar como cenas políticas de lutas contra a subjetivação imposta pelo governo dos corpos na contemporaneidade. Tais cenas, segundo a hipótese do trabalho, são potencializadas a partir das próprias condições que a mecanosfera nos fornece como território 14 de criação de multiplicidade, de devir, de pequenas máquinas de guerra – maquinejos.

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001 e pelo Fundo de Apoio ao Ensino, à Pesquisa e à Extensão – Faepex (Processo 2545-19). Queremos registrar nosso agradecimento a estas entidades por contribuírem com o financiamento do evento, mesmo diante do contexto de redução orçamentária na área educacional do país; também, ao Instituto de Economia da Unicamp pela cessão de seu auditório para a realização do I Encontro Deleuze e Educação e Matemática e… ; a parceria e apoio da Associação de Leitura do Brasil (ALB), que mais um ano estiveram ao nosso lado, assim como da Revista Linha Mestra, que se dispôs a publicar os trabalhos apresentados juntamente com a Revista Alegrar. E agradecemos à Editora Pedro & João Editores pela disponibilidade e interesse de publicação pela temática apresentada nesse material. Agradecemos ao Goma e ao projeto Rizoma – Distribuidora de Editoras Independentes, por terem estado conosco durante toda a realização do evento no oferecimento de obras das mais variadas e também cedendo seus espaços como uma alternativa outra na realização de performances e lançamento de livros. Finalizamos agradecendo todos os integrantes e colaboradores do Grupo Phala que estiveram envolvidos direta ou indiretamente na organização para que o VIII Seminário Conexões Deleuze 2019 acontecesse; aos envolvidos na organização deste livro digital; Luiz Guilherme Augsburger e Sebastian Wiedemann pelas traduções dos textos em espanhol, William Guilherme Sampaio pela revisão de todos os textos no Português.

Dobramos os agradecimentos a todos os demais, artistas, estudantes, professores, curiosos que estiveram conosco compondo e decompondo linhas fronteiriças e experimentações possíveis e imagináveis.

Ano de lançamento

2021

ISBN [e-book]

978-65-5869-365-9

Número de páginas

209

Organização

Alexandrina Monteiro, Marcelo Vicentin, Mirele Corrêa, Sílvio Gallo

Formato