Cotidianos de inclusão escolar na educação básica e profissional: a acessibilidade curricular como diretriz da ação pedagógica

Clarissa Haas

PREFÁCIO

Nosso atual momento exige a renovação constante de uma aposta na palavra, no diálogo, no ato de comunicar com base na reciprocidade. O universo de desafios associados ao futuro incerto de nosso País faz com que compreendamos o trabalho em educação como uma urgência, pois somente a qualificação desse coletivo chamado Brasil pode nos auxiliar na difícil tarefa de ler o presente. Ler como ato de reflexão, de exploração cautelosa e de construção do conhecimento. O livro Cotidianos de inclusão escolar na Educação Básica e Profissional: a acessibilidade curricular como diretriz da ação pedagógica se mostra como uma oportunidade de ampliação dessa “leitura”, de uma busca de esclarecimento conceitual e de uma insistente produção de indícios que não se restringem à análise imediata, mas deixa um legado composto de informações para novos investigadores.

O texto surge como um fruto amadurecido em um contexto no qual os investimentos nem sempre estiveram presentes, o que torna ainda mais relevante a análise que o livro nos oportuniza. A criação da Rede de Institutos Federais de Educação – cenário de grande parte das pesquisas geradoras dessas reflexões – em 2008, buscou dar organicidade e qualificação a um conjunto de antigas instituições que respondiam pela chamada “educação técnica” desde o início do século XX. Essa criação está fortemente pautada na pressuposição de que uma instituição plural em sua constituição, e em suas propostas formativas, tende a qualificar o sistema educacional como um todo. Nosso País ainda luta com índices alarmantes de concentração do acesso à escola em níveis elementares de formação para a grande maioria daqueles que vivenciam um percurso escolar. As fronteiras entre a Educação Básica e a Educação Superior merecem ser vistas como um contexto de grandes possibilidades criativas, como a busca de alternativas para educar aqueles que, em função de suas singularidades, exigem que sejam ultrapassados os modelos e os dispositivos baseados na repetição e na suposição de homogeneidade. Nesse sentido, a pesquisa mostra-se como berço de possíveis propostas e nos alimenta com suas permanentes buscas de sistematização de percursos e sua análise de indícios que exigem nossa contínua interpretação.

a contínua interpretação. Quando nos referimos à educação especial e à escolarização das pessoas com deficiência, essas exigências de criatividade e de capacidade de invenção tornam-se eixos organizadores do trabalho. Se é verdade que tivemos grandes avanços na escolarização dos alunos designados como público-alvo da educação especial, também é fundamental reconhecer que algumas temáticas continuam nos desafiando: as trajetórias de formação de profissionais para o trabalho educativo, a qualidade dos apoios pedagógicos, os nexos entre ação especializada e o currículo. Esses são alguns desses imperativos que merecem nosso investimento. O livro aborda em modo determinado todos eles.

As trajetórias de formação dos educadores se constituem em uma dimensão continuamente evocada, quando percebemos que a capacidade criativa é um dos efeitos de uma base consistente que se alimenta do conhecimento teórico, mas constrói-se por meio das faíscas provocadas pelo encontro com o cotidiano. Qual é mesmo o nome de meu aluno? Como ele lida com uma história de aprendizagens que nem sempre encontra na escola um espaço suficientemente desafiador? Como posso acompanhá-lo, oferecendo-lhe a cada dia desafios que favoreçam novos níveis de compreensão dos fenômenos que compõem nossa área disciplinar? São interrogações que só podem ser respondidas se há investimentos contínuos em um processo formativo que não exagera nas especificidades e que se renova progressivamente a partir de cada oportunidade de inventar estradas. O livro, com base nas muitas histórias evocadas, nos mostra que esse movimento criativo depende de elevado investimento acadêmico com pautas que transcendem as fronteiras das disciplinas.

Quando pensamos nos desafios que envolvem a docência, a matemática é vista como um campo cheio de obstáculos. Na matemática podemos perceber a clara confluência de dois planos que nos ajudam a entender sua dimensão desafiadora: a comunicação e o raciocínio lógico. As histórias de construção de percursos de aprendizagem nessa área, com base na colaboração docente e no conhecimento específico da educação especial, são um elemento de grande interesse no livro, pois nos ensinam que existem alternativas. Em modo particular, tais histórias nos mostram que a dimensão do obstáculo não é simplesmente efeito do fenômeno ou do tema que compõe o ato educativo, frequentemente nomeado de “conteúdo”, mas de um processo de encontro de cada ator social envolvido com esse tema a ser ensinado e aprendido. Trata-se, portanto, de ressignificar, de buscar compreender nossos modos de fazer novas perguntas. No que se refere ao debate sobre acesso ao currículo para alunos que vivem situações de desvantagens associadas à deficiência, as pistas relativas ao ensino da matemática são muito interessantes como balizadoras de nosso investimento: apostar no ato comunicativo e na potência da colaboração entre diferentes docentes.

Por fim, gostaria de destacar a qualidade do apoio como tema. Na educação especial, o apoio pedagógico especializado tem sido designado como atendimento educacional especializado. Embora esse conceito já tenha história na educação brasileira, sua retomada nos favorece, pois auxilia no sentido de evitar as simplificações como aquelas que negam o próprio ato educativo ao valorizar a suposição de que uma didática específica seria um benefício. Essa grosseira premissa mostra-se muito presente nas ideias e nos gestos que alimentam a ilusão pedagógica de que seria apenas a ação do professor de educação especial aquela responsável pela aprendizagem do aluno com deficiência. Sabemos que esse ato se torna potente se concebido como parte de um sistema que valoriza o próprio aluno e os demais envolvidos na dinâmica da vida escolar. O livro nos oferece muitas pistas desse agir considerando as redes de interação e, assim, alimenta nosso conhecimento sobre o tema, mostrando que a escola pública pode favorecer o aprendizado de todas as pessoas. Essa aposta fundamental, atualmente ameaçada por renovadas buscas de fragmentação e de isolamento, precisa ser continuamente lembrada.

Em tempos de afastamento social motivado pela pandemia de covid-19, precisamos, com maior ênfase, exercitar nossa capacidade criativa para inventar rotas. A esperança que permanece é que os desafios contemporâneos possam ser disparadores desse modo gerador de novos percursos. Quando analisamos a história, percebemos que, nos processos coletivos e nas trajetórias de cada um de nós, os momentos de instabilidade são necessários para a construção daquilo que ainda não existe. Nossas redes de interação, nossos afetos e nossas trocas de conhecimento são a base para acreditar que essa construção possa constituir o futuro.

Porto Alegre, inverno de 2021.

Claudio Baptista

Ano de lançamento

2021

ISBN

978-65-86734-80-5

ISBN [e-book]

978-65-86734-81-2

Número de páginas

301

Formato

Organização

Clarissa Haas