Desenvolvimento regional: processos, políticas e transformações territoriais

Cidonea Machado Deponti, Rogério Leandro Lima da Silveira

APRESENTAÇÃO

O presente livro é um dos importantes resultados do IX Seminário Internacional sobre Desenvolvimento Regional (SIDR), realizado em setembro de 2019, em Santa Cruz do Sul -RS, Brasil. O evento promovido bianualmente pelo Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional – PPGDR – Mestrado e Doutorado, da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC, já se constituiu no país, em um tradicional e reconhecido espaço interdisciplinar de discussão e divulgação científica sobre os temas do planejamento e desenvolvimento regional, no âmbito da área de Planejamento Urbano e Regional/Demografia.

Em 2019, a nona edição do evento teve como tema “Desenvolvimento Regional: Processos, Políticas e Transformações Territoriais”, que justamente corresponde ao título desse livro.

A crescente complexidade e instabilidade do contexto econômico e político que ora vivemos em âmbito internacional, e notadamente na América Latina e no Brasil condicionam e mesmo impactam os processos e as políticas de desenvolvimento econômico, promovendo diferentes e desiguais repercussões nos territórios em diferentes escalas espaciais e em distintas formações socioespaciais.

Nesse contexto, se impõe à necessidade de se avançar a reflexão, o debate e a análise teórica e metodológica sobre como os processos e as políticas de desenvolvimento regional têm ocorrido nos territórios e nas regiões. Muitas são as questões que se apresentam para reflexão e discussão.

Quais são os atores, as instituições, as ações, as estratégias, as relações de poder e as contradições presentes nos processos econômicos e socioespaciais e na formulação e implementação de políticas públicas de planejamento e de desenvolvimento regional?

Quais são as particularidades, contingências e características dos territórios regionais que influenciam, condicionam os processos e as políticas de desenvolvimento regional? Quais são as perspectivas e os desafios para avançarmos a pesquisa e a produção do conhecimento sobre essa temática no campo dos estudos sobre o desenvolvimento regional?

Quais são as contribuições da pesquisa para o debate e análise sobre a dinâmica e os processos de desenvolvimento regional, bem como para melhor fundamentação e operacionalização das políticas públicas de planejamento e de desenvolvimento regional?

Essas e outras questões orientaram as reflexões e as contribuições dos autores dos onze capítulos que integram a presente obra. Os autores, pesquisadores brasileiros e estrangeiros com distintas formações disciplinares e com agendas de pesquisa complementares sobre o tema geral do evento, participaram como conferencistas, painelistas e coordenadores do evento, e aqui compartilham seus aportes a partir de diferentes perspectivas teóricas e analíticas.

Os textos aqui reunidos se articulam e se orientam também pelos quatro eixos temáticos do evento. A saber: 1) A multiescalaridade e a multidimensionalidade das políticas e processos de Desenvolvimento Regional; 2) Sustentabilidade socioambiental e Desenvolvimento; 3) Arranjos institucionais no contexto do Desenvolvimento regional; e 4) A dimensão cultural nos processos e políticas de Desenvolvimento Regional.

O texto de abertura da coletânea, (Re)visiones del mundo urbano regional: Hacia una renovación analítica desde y para “el resto” del Sur global, de autoria de Víctor Ramiro Fernández, propõe uma revisão crítica das formas pelas quais os estudos urbanos regionais vêm se desenvolvendo no centro e transferidos, com pouca resposta inovadora, para a periferia. O autor assinala a relevância de “encapsular” espacialmente esses estudos e introduzir, a partir de abordagens multiescalares, uma perspectiva macro histórica na qual as dinâmicas geoeconômicas geopolíticas e globais estão inter-relacionadas, bem como o papel das configurações macrorregionais e trajetórias nacionais.

Em seguida, tem-se o capítulo de Arilson Favareto, intitulado Multiescalaridade e multidimensionalidade nas políticas e nos processos de desenvolvimento territorial – acelerar a transição de paradigmas. Nele, o autor inicialmente questiona se estaria ocorrendo atualmente uma certa polissemia e imprecisão de uso de categorias e conceitos como multimensionalidade, multiescalaridade e desenvolvimento territorial, no campo das ciências sociais aplicadas aos fenômenos espaciais, dada a sua ampla disseminação? Buscando responder a questão, ele desenvolve sua abordagem pondo em relevo uma determinada maneira de conectar três domínios empíricos – escalas, dimensões e territórios – à luz de um enfoque teórico que valoriza as variáveis atores, ativos e instituições como elementos que permitem explicar como aquelas dimensões da realidade se articulam e conectam de maneira relacional nos processos de desenvolvimento.

Na sequência, a autora Mireya E. Valencia Perafán no capítulo Multiescalas e multidimensionalidades nas políticas de desenvolvimento territorial, aborda um certo descompasso existente as atuais bases conceituais que orientaram as políticas públicas com enfoque territorial e sua efetiva implementação. Mais especificamente, a autora põe em questão a ruptura existente entre o discurso científico que fundamenta tais políticas públicas e os instrumentos planejados e propostos para a promoção de projetos de desenvolvimento sustentável dos territórios rurais. A autora argumenta criticamente que na grande maioria dos países da América Latina, a promoção e implementação dessas políticas de desenvolvimento territorial, acabou por se reduzir os territórios a simples espaços de intervenção, não se levando em conta a observação e a compreensão das dinâmicas dos territórios rurais do século XXI.

Já no capítulo Repensar la sustentabilidad socioambiental y el desarrollo ¿última llamada? , os autores César Adrián Ramírez-Miranda e Taciane Lais da Silva argumentam que no contexto atual de pandemia do Covid-19 será preciso retomar o debate sobre o sentido e o significado do desenvolvimento e da sustentabilidade a partir de uma perspectiva crítica que se fundamente no reconhecimento dos impactos sociais, econômicos e ambientais da articulação subordinada da América Latina no capitalismo mundial. Os autores destacam que o caminho para um novo estilo de desenvolvimento com sustentabilidade socioambiental na região da América Latina impõe a necessidade de se romper com o modelo extrativista em vigor e de se repensar as relações de dependência e subordinação colonial que ainda se estabelece com e sobre a região.

A autora Luciana Butzke, no capítulo O avesso do desenvolvimento regional, aborda o tema da construção do campo do Desenvolvimento Regional no Brasil, com base na pesquisa realizada pelo Núcleo de Pesquisa em Desenvolvimento Regional, do PPGDR-FURB, a partir de uma leitura do Desenvolvimento Regional que parte dos/das intérpretes do pensamento social brasileiro e latino-americano na perspectiva das vencidas e dos vencidos da história. A abordagem busca levantar elementos sobre o entendimento do campo de conhecimento do Desenvolvimento Regional, sobre a caracterização geral dos Programas de Pós-Graduação ligados à área de Planejamento Urbano e Regional e Demografia, da CAPES. Avança, destacando os principais desafios, as estratégias e as possibilidades colocadas para esse campo de conhecimento.

Na sequência, no capítulo Agendamentos políticos, arenas sociopolíticas e formatos institucionais de desenvolvimento regional a nível federal. Duas experiências brasileiras, o autor Rainer Randolph apresenta o paradoxo de que mesmo se tendo há algumas décadas no país o reconhecimento governamental e da opinião pública da existência histórica de desigualdades regionais e sociais no Brasil, há também um consenso de que ainda não se teve no país uma verdadeira política regional. Para o autor a explicação para isso se encontra no fato de que o desenvolvimento regional nunca ocupou uma posição de destaque na agenda política. Em sua análise, com base na perspectiva da agenda-setting (definição ou formulação de agendas) o autor busca interpretar duas experiências brasileiros de formulação de políticas de desenvolvimento regional a nível nacional: a Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR), no começo do século XXI e a experiência de desenvolvimento regional , representada pela Superintendência de Desenvolvimento Regional do Nordeste (SUDENE).

O autor Gustavo Cimadevilla, no capítulo Articulaciones: Cuando el valor+somos nosotros, questiona sobre quais seriam as condições para o desenvolvimento e o bem estar; destacando que o velho argumento relacionado à promoção da agregação de valor aos produtos e aos serviços já não dá conta da realidade. Afirma que, a partir da análise de comunidades vulneráveis o maior valor está no trabalho articulado e coletivo. O artigo trabalha com famílias de setores vulneráveis que se dedicam a atividades informais e reciclagem de resíduos urbanos em espaços considerados rurbanos. Esses espaços auxiliam na compreensão de um mix que se configura toda vez que em um ambiente urbano os atores sustentam práticas socioculturais que envolvem a ruralidade e a integram. A experiência analisada mostrou que a transformação das práticas rurbanas em outras de maior vinculação com dispositivos eletromecânicos requer apoio de agências institucionalizadas com disponibilidade de tecnologia, conhecimento e capital. O autor também destaca que as tramas sociais pré-existentes permitem projetar compromissos e expectativas positivas independente dos benefícios tangíveis a curto prazo.

Em seguida, no capítulo Comunicação e desenvolvimento: desafios emergentes, Ângela Cristina Trevisan Felippi defende a importância dos estudos de Comunicação e Desenvolvimento para a produção do conhecimento no campo do Desenvolvimento Regional. A autora realiza um resgate das relações históricas da Comunicação com e para o Desenvolvimento, destacando o temário principal de pesquisa existente nos estudos de Comunicação e Desenvolvimento, em especial o que tem sido produzido no PPGDR-UNISC. Nessa reflexão a autora põe em relevo a aproximação da proposta teórico-metodológica dos Estudos Culturais ao Desenvolvimento Regional. A autora também identifica os desafios do momento para a pesquisa em Comunicação e Desenvolvimento no âmbito do Desenvolvimento Regional, no Brasil, apontando uma possível agenda de pesquisa. Nesse esforço a autora também assinala novos desafios e questionamentos, que se apresentarão no período pós-pandemia, para os estudos sobre os fenômenos comunicacionais relacionados ao desenvolvimento.

Já o autor Alex Pizzio, no capítulo A produção de bens culturais e o desenvolvimento socioeconômico de comunidades tradicionais no centro-norte do Brasil, analisa as dinâmicas e modos de vida de comunidades tradicionais da região centro-norte do país, quanto aos usos de ativos culturais como mecanismos apropriados ao desenvolvimento socioeconômico. O autor defende o argumento de que as comunidades tradicionais têm utilizado a cultura, cada vez mais, como um recurso. Inicialmente o autor aborda as mudanças da ideia de cultura e da sua apropriação no campo da economia e das políticas públicas para fins de desenvolvimento. Tendo presente esses pressupostos o autor analisa dois casos empíricos no estado do Tocantins, as Quebradeiras de coco babaçu do Assentamento Sete Barracas da região do Bico do Papagaio e a Comunidade Quilombola Mumbuca no Jalapão, reconhecida pela produção de artesanato em capim dourado.

Na sequência, no capítulo Reflexões sobre o potencial da relocalização alimentar para o desenvolvimento regional, as autoras Potira Viegas Preiss e Cidonea Machado Deponti destacam que nas décadas recentes há uma crescente emergência de iniciativas, projetos e empreendimentos que buscam propor um renovado olhar para o sistema agroalimentar, através de um enraizamento social e geográfico dos mercados e das práticas alimentares. O capítulo busca refletir sobre a interconexão da relocalização alimentar com o desenvolvimento regional, analisando como este fenômeno e as abordagens analíticas que o interpretam podem contribuir para os estudos regionais. As autoras destacam que um potencial caminho para reduzir as disparidades em nível regional encontra-se no alimento, visto como um potencial articulador de territórios que conjuga de forma paralela questões sociais, econômicas, culturais e ecológicas. Conceitos chave ao desenvolvimento regional como mudança social, instituições, desigualdades, escalas, planejamento, apitais, rural-urbano podem ser tratadas a partir de um olhar sobre o fluxo dos alimentos que são endógenos e específicos a cada região, buscando compreender como os atores, as culturas, os conhecimentos e os recursos ali envolvidos constroem especificidades aquele território.

Concluindo a coletânea, o autor Rogério Leandro Lima da Silveira apresenta o capítulo Coesão territorial, Policentrismo e Redes Urbanas Regionais: Impressões sobre as políticas recentes de ordenamento territorial e desenvolvimento regional em Portugal. Nele o autor aborda os temas da coesão territorial, do policentrismo e da rede de cidades em sua relação com as políticas de ordenamento do território e de desenvolvimento regional, no âmbito da União Europeia, e em seus países membros. O autor analisa o modo como esses conceitos têm sido utilizados na fundamentação e implementação das referidas políticas europeias, notadamente em Portugal. Para tanto, o autor apresenta a atual organização territorial de Portugal, e analisa as políticas recentes de ordenamento do território e de planejamento regional, instituídas em três níveis escalares: nacional, regional e municipal e sua interação com a Política de Cidades Pólis XXI, criada em 2007. O autor aborda também como as diretrizes e orientações de promoção da coesão territorial através do policentrismo se apresentam em Portugal, abordando alguns aspectos e particularidades dessa política nesse território.

Agradecemos ao CNPq pelo indispensável apoio financeiro que viabilizou a presente publicação. Agradecemos também o dedicado trabalho de Camila Frohlich na formatação e organização dos textos originais.

Por fim, destacamos que o presente livro registra um conjunto de reflexões e de aportes teóricos e metodológicos que buscam contribuir com o avanço na produção do conhecimento no campo do Desenvolvimento Regional, especialmente no Brasil e na América Latina.

Uma boa leitura para todos e todas.

Santa Cruz do Sul, inverno de 2020.

Rogério Leandro Lima da Silveira
Cidonea Machado Deponti

Ano de lançamento

2020

ISBN

978-65-87645-32-2

ISBN [e-book]

978-65-87645-33-9

Número de páginas

350

Organização

Cidonea Machado Deponti, Rogério Leandro Lima da Silveira

Formato