Invisíveis: pessoas em situação de rua no Brasil – significantes e significados

Fábio Santos de Andrade, Gisely Storch do Nascimento Santos, Silvana Viana Andrade

APRESENTAÇÃO

Rua é lugar onde os diferentes se encontram, onde a arte se manifesta, onde lutas são construídas; rua é lugar de alegria e de festa, mas também é lugar de dor e de morte; rua é lugar de significantes e significados. É na rua que encontramos parte da população brasileira que, por ter seus direitos básicos negados, lutam pela vida. Nota-se que a cada dia a rua vem se tornando ainda mais o não-lugar dos mais pobres, pois a rua sempre acolhe os que nela buscam recursos para sobrevivência individual e coletiva. É nesse não-lugar que estão as pessoas em situação de rua.

Quando falamos sobre essas pessoas não estamos falando de um grupo homogêneo e sim de pessoas diferentes, que vão à rua por motivos diferentes e que desenvolvem atividades diferentes. São crianças, adolescentes, adultos e idosos, sozinhos ou em grupo, que retornam para casa ou que dormem na rua, que desenvolvem táticas de sobrevivência lícitas ou ilícitas. As causas e motivos do estar em situação de rua são diversos e envolvem fenômenos políticos, econômicos, culturais, religiosos, familiares, dentre outros. Assim, é importante destacar que a casa nem sempre é sinônimo de lar acolhedor e nela nem sempre há condições mínimas para a sobrevivência. Dessa forma, a saída de casa em busca da vida na rua rompe não só os laços familiares, mas também os laços com a fome, a violência, a falta de afeto e a incompreensão.

Na rua pessoas se reconstroem e erguem seu mundo invisível onde lutam pela vida e contra a morte. Sobrevivem da caridade, das sobras e do lixo; roubam, mendigam e fazem atividades artísticas na busca de recursos financeiros ou alimentos; lutam contra a morte presente na comida envenenada, no fogo que as incinera enquanto dormem, na violência gratuita que marca seus corpos, no poder de polícia do Estado que lhes retira a humanidade e na intolerância dos que as enxergam como “lixo urbano”. O estar em situação de rua revela um mundo de diversidade, realidades, causas e motivos de ser e estar na rua.

Pessoas em situação de rua são cotidianamente percebidas em diversas cidades brasileiras desenvolvendo suas táticas de sobrevivência nos espaços públicos urbanos. Na rua perdem a condição de humanas e passam a ser tratadas como parte da cena urbana, como se a rua fosse seu lugar de direito. Perdem suas histórias e passam a ser identificadas não pelos nomes, mas pelas táticas de sobrevivência que desenvolvem ou pelos locais onde estão. Passam a ser o Zé da esquina, a mulher que fica sentada em frente à casa lotérica, o malabarista do semáforo, o “noia” do largo. Tornam-se invisíveis enquanto seres humanos possuidores de direitos, deveres e saberes.

No atual contexto político e econômico onde o desemprego e a fome têm atingido grande parte da população brasileira, a rua tem se tornado cada dia mais atrativa. Com o aumento do número de pessoas em situação de rua também aumentam as violências sofridas por ação ou omissão da sociedade ou do poder público. A negação de direitos, a falta de políticas públicas de qualidade e o descaso por parte do Estado se misturam à violência gratuita que mata pelo frio, pela fome, pela arma de fogo, pela intolerância e pelo preconceito.

Nessa trilha, o Grupo Humanize (Grupo de Pesquisa sobre História, Educação Social e Vida Cotidiana), vinculado ao Departamento Acadêmico de Ciências da Educação (Vilhena/RO) e ao Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da Universidade Federal de Rondônia (UNIR), tem se dedicado ao estudo dos fenômenos que envolvem as pessoas em situação de rua e suas lutas pela sobrevivência nos espaços públicos urbanos.

Em parceria com a Rede Situação de Rua (@situacaoderua), o Humanize ampliou o olhar sobre a vida cotidiana de pessoas em situação de rua de diversas cidades brasileiras, identificando situações de negação e violação de direitos, falta de políticas públicas específicas e de qualidade, violências gratuitas que se manifestam tanto por parte da sociedade quanto do poder público, dentre diversas outras situações de violação de direitos humanos. No entanto, também foi possível identificar pessoas e grupos sociais que se dedicam cotidianamente à luta por justiça social, garantido a vida às pessoas em situação de rua e acenado para um futuro em que a rua deixa de ser o não-lugar para os que dela e nela sobrevivem. Essa rica experiência de diálogo entre o Grupo Humanize e a Rede Situação de Rua foi denominada de Projeto Invisíveis.

Durante os anos de 2020 e 2021, pessoas de diversos locais do Brasil aceitaram o desafio de escrever sobre temas que envolvem o estar em situação de rua. Temas que lhes inquietam e que marcam seus lugares de fala e suas regionalidades. Como resultado, o Projeto Invisíveis organiza o primeiro livro, que tem como tema central as pessoas em situação de rua no Brasil, seus significantes e significados, publicado com financiamento do Instituto Federal de Rondônia (IFRO) e que traz vivências, experiências e pesquisas de pessoas que estão ligadas, direta ou indiretamente, com a temática situação de rua.

Nessa trilha, este livro invade a amplitude do estar em situação de rua, buscando seus significantes e significados, revelados pelos olhares de profissionais que atuam com pessoas em situação de rua e de pesquisadores(as) que se dedicam à temática. Cada capítulo traz experiências que falam de dores, de lutas, de vitórias e de esperança, acendendo o desejo de um mundo onde a justiça social e a garantia de direitos possibilitem a humanização e o direito à vida dos que não estarão mais em situação de rua.

Boa leitura!

Fábio Santos de Andrade
Silvana Viana Andrade
Gisely Storch do Nascimento Santos
Maria Aparecida Costa Oliveira

Ano de lançamento

2022

Número de páginas

242

ISBN [e-book]

978-65-5869-897-5

Organização

Fábio Santos de Andrade, Gisely Storch do Nascimento Santos, Silvana Viana Andrade

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