Memória, ditadura e sociedade: educação e epistemologia da história

Cláudio Eduardo Félix dos Santos, José Alves Dias, Livia Diana Rocha Magalhães

APRESENTAÇÃO

No presente livro, apresentamos uma coletânea de textos desenvolvidos por pesquisadores seniores e juniores que trabalham o tema, ou temáticas correlatas aos processos autoritários decorrentes das ditaduras no Brasil e na Argentina, no século XX e suas inteligibilidades no tempo presente. Boa parte dos textos representa resultados da pesquisa desenvolvida pelo Grupo de Pesquisa História e Memória das Políticas Educacionais e Trajetórias Sociogeracionais (GHEMPE), por meio do projeto Memória, Trajetórias Sociais e Processos Ditatoriais na América Latina. Também há textos vinculados ao Grupo de Estudos Memória e História das Ideias Pedagógicas ContraHegemônicas no Brasil (GEMHEC) e ao Laboratório: Estado, Memória e Conflitos Sociais no Brasil (LAPECS), todos vinculados ao Programa de Pós-graduação em Memória: Linguagem e Sociedade – PPGMLS e ao Museu Pedagógico da UESB. Por fim, há textos de suma importância desenvolvidos por pesquisadores convidados que dialogam com uma ou mais dessas abordagens.

O título do presente livro Memória, ditadura e sociedade: educação e epistemologia da história nos remete justamente a esse conjunto de estudos que discute como a estrutura repressiva de práticas sistematizadas de terrorismo de Estado no passado recente produziu incidências comuns e distintas sobre trajetórias individuais-coletivas de homens e mulheres, sujeitos, instituições, enfim de nossa sociedade do presente. O caso, por exemplo, estudado e discutido por Ary Albuquerque Cavalcanti Jr e Gilneide de Oliveira Padre Lima, no primeiro texto desta coletânea intitulado Dinaelza Santana Coqueiro: uma militante baiana que enfrentou a ditadura militar – luta, trajetória e memórias nos desperta para a necessidade de uma epistemologia da história que continue se debruçando sobre a história da memória de mulheres militantes durante a ditadura. Por sua vez, Mércia Caroline Sousa de Oliveira e Lívia Magalhães recorrem ao jornal Mulherio (1981-1988) para demonstrarem que, na contramão de uma memória social androcêntrica e conservadora, sobressaem-se, no cenário de abertura política pós-ditadura militar, ações expressivas de feministas acadêmicas para denunciar essa realidade e educar as mulheres para tomarem consciência e lutarem contra as estruturas dominantes da sociedade.

A política e as questões educacionais durante as ditaduras no Brasil e também na Argentina comparecem de forma inconteste. No texto Processos ditatoriais no Brasil: o uso da linguagem cívica como marco da memória educacional, de autoria de Tatiane Malheiros Alves, são apresentadas evidências de que a linguagem simbólica se torna uma das matrizes de uma epistemologia histórica constituidora de uma memória social patriótica, festiva e nacionalista desde o Estado Novo (1937-1945). Já João Carlos da Silva e Anderson Szeuczuk, no texto Estado Militar e Educação: tecendo reflexões sobre o ensino superior no Brasil (1960-1980), discutem acerca do tema ressuscitando o debate sobre o ensino tecnicista como um dos modus operandi exigido pelo capitalismo internacional. A profilaxia social desenvolvida principalmente no “final da década de 1960 pela Funabem e suas congêneres estaduais, as fundações do bem-estar do menor (FEBEM)” é apresentada no texto Escola, família e trabalho: em foco discussões sobre as infâncias e as juventudes abandonadas/carentes na Comissão Parlamentar de Inquérito do menor (Brasil, 1975-1976), de Daniel Alves Boeira.

Prosseguindo, os dois textos subsequentes apontam que perseguições a intelectuais representantes do pensamento educacional crítico ou libertário foram uma das principais represálias utilizadas pelos governos autoritários. O controle da educação na Argentina, como bem retrata Natalia García no texto El aporte de los documentos de inteligencia en el estudio de la historia reciente de la educación argentina (Santa Fé, 1976-1983), é um dos meios mais contundentes de constituição da repressão ditatorial e uma forma de conter a chamada subversão política nos espaços educativos. Embora, como ressalta a autora, ainda haja necessidade de pesquisa “para analizar los dispositivos de persecución sobre diversos actores, sectores, instituciones y fenómenos socioculturales con fines represivos, predominando cierto interés por las representaciones, discursos e imaginarios castrenses del ‘enemigo interno’”. Dentro do contexto brasileiro, Marta Loula Dourado Viana pergunta: Por que Paulo Freire incomodava a ditadura no Brasil? A questão dá nome ao texto que vai situando como a dialogia educação e conscientização política por ele proposta incomodou o pensamento conservador educacional a tal ponto de, até hoje, continuar sendo pauta do contexto educativo brasileiro.

Na sequência, os próximos dois artigos nos remetem a ações de resistência e emancipação por meio da arte. O texto enunciativo O movimento artístico em Itabuna-BA no contexto da crise da ditadura civilmilitar no Brasil (1978-1985), de Isis Conrado Haun e Cláudio Eduardo Félix dos Santos deixa clara a importância dessas manifestações nas várias regiões brasileiras, em especial, no interior do país. Já os autores Davi Kiermes Tavares e José Alves Dias realizam um importante mapeamento analítico sobre Monumento, contramonumento e antimonumento à ditadura militar no Brasil: sentidos e significados, direcionando-nos a um movimento expressivo de denúncia da repressão, da tortura, das mortes e dos desaparecimentos, colocando em questão o sentido dos monumentos oficiais que até então imperam em nossa sociedade.

Os últimos três textos nos levam a pensar o presente à luz da manutenção dos ideais ditatoriais do passado recente. Em História e Memória da Ditadura Militar: disputas pelo passado nos espaços digitais, Elís Saraiva Santana e Lívia Magalhães analisam como o pensamento conservador, contrariando análises consolidadas pela historiografia crítica acerca da ditadura militar no Brasil, utiliza ferramentas tecnológicas, sobretudo o Youtube, para popularizar sua versão da realidade e angariar a adesão dos usuários da plataforma. Uma importante revisita ao pensamento clássico a respeito do militarismo latino-americano e uma atualização da discussão sobre Militarismo e Democracia no Brasil: 1964 entre velhos e novos combates são realizadas por Lucileide Costa Cardoso. A autora instiga o debate acerca das justificativas utilizadas para a defesa da necessidade do golpe de 1964 por parte dos militares dentro da chamada modernização autoritária e sua recuperação na atualidade da política brasileira. No texto Quando o presente convoca o passado: a ditadura militar em discussão, Amarílio Ferreira Jr. e Marisa Bittar realizam uma análise refinada sobre matérias jornalísticas publicadas por Jarbas Passarinho (1920-2016) depois da ditadura, bem como sobre os processos políticos que deságuam no presente.

Boa leitura!

Os organizadores

Lívia Diana Rocha Magalhães
José Alves Dias Cláudio
Eduardo Félix dos Santos

Ano de lançamento

2022

Número de páginas

301

ISBN

978-65-5869-779-4

ISBN [e-book]

978-65-5869-780-0

Organização

Cláudio Eduardo Félix dos Santos, José Alves Dias, Livia Diana Rocha Magalhães

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