
Percorrendo margens, deitando raízes: memórias mais e menos que professorais
Autoria: Hildete Pereira dos Anjos
Subimos a escada do barranco, nas Tabocas. Olhei para os restos de mata nas margens do Tocantins, o milharal improvisado na baixada e enxerguei a vilinha de Pontinópolis dos meus dezoito, dezenove anos. Senti de novo a emoção de começar a me construir amazônida, sobre minhas quase duas décadas de nordestina. Quase sem me dar conta, comecei a contar dos começos de ser professora, no sertão do Mato Grosso. A turma de quarta série indo buscar bacaba no mato para completar a merenda, as escritas da meninada rodadas no mimeógrafo a álcool, para leitura coletiva, as conversas nas casas das famílias no final de semana… As famílias entre encantadas e desconfiadas com a menina que se aventurava tão longe da casa dos pais e se dispunha a trabalhar na escolinha no fundo das matas e roças, num lugarejo de suas cem casas, a maioria de palha. Eu, encantada com minha quantidade de saber, extraída de um ensino médio mal-ajambrado e muita leitura por conta própria, saber aparentemente tão necessário naquela comunidade. Não tenho certeza, mas me parece que foi a primeira vez que me senti amada por e necessária para uma comunidade […]
De lá para cá, uma das minhas poucas certezas é a necessidade de me manter perto dos grandes rios… Os espinhos de mandacaru de meu miolo caatingueiro pedem essa umidade, esse verde, essa quantidade impressionante de água, como complemento e contraponto. A primeira visão do rio Araguaia foi um choque: nunca havia visto tanta água, tanta areia branca, tanto verde e azul junto. Foi também um suspiro de chegada, um retorno para uma casa que eu não sabia que existia, mas que era, de um estranho modo, seguramente minha. Outra face desta minha moradia era […] minha sensação de ser professora desde sempre. Essa sensação fazia mais sentido no Araguaia, onde tinha mais espaço para se manifestar e ser criativa […]. Pude então fazer o brincar de ser professora virar profissão, com todo o entusiasmo de meus dezoito-dezenove anos, o que me inseria e me dava lugar no mundo adulto. Minha pele e minha musculatura tomaram forma em torno dessa sensação imperiosa. Desde então, não pude ser nada muito diferente disso. Mas esses começos tinham qualquer coisa de pioneirismo, de invenção ou pelo menos reinvenção. Reinvenção do fazer educativo, reinvenção de mim mesma noutra geografia.
Ano de lançamento | 2025 |
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Formato | |
ISBN | 978-65-265-2098-7 |
ISBN [e-book] | 978-65-265-2099-4 |
Número de páginas | 143 |