Sinalizaria apreço à inconsistência factual se principiasse o relato que ora faço, a confessar haver preservado ínfima fagulha de saudade da enchente que, em março 1974 ocorreu nos municípios do Sul do Estado de Santa Catarina. Cidades inteiras amargaram os efeitos catastróficos das águas que, na calada da noite, sem piedade alguma, silenciosa e traiçoeiramente invadiram casas, destruíram plantações, deslizaram encostas, arrasaram ruas, danificaram estradas, removeram pontes e retorceram até mesmo os trilhos de aço da centenária Ferrovia Theresa Cristina. Em Tubarão, cidade onde eu estudava, morreu gente às miríades.
No primeiro andar do Seminário Nossa Senhora de Fátima, de domingo à noite (23/03) até terça feira de manhã (25/03), nada se podia fazer que não fosse contemplar o que se passava no entorno e temer que desmoronassem as paredes do edifício e ruísse nossa esperança de sobrevivermos ao episódio. Preenchia-se o tempo com apressadas confissões, em preparação à quase certa viagem definitiva à eternidade, e a idealizar projetos pessoais, em forma de promessas que se pagariam ao longo da vida se, por muita sorte, subsistíssemos àquela catástrofe climática.
Nas intermináveis horas da circunstancial e compulsória angústia existencial, eu cozinhava a sugestão que, dias antes, um colega me propusera: a de viver dois anos no Nordeste do Brasil, com o propósito de compartilhar o que aprendera no educandário religioso e estava a conhecer no Curso de Filosofia da Universidade do Sul de Santa Catarina. Nas entranhas daquela proposta gestava-se a ideia de agregarem-se as horas de experiência pastoral junto às comunidades da gente sofrida do Sertão Semiárido, à carga horária teórica do curso de Teologia que, no ano seguinte, eu iniciaria em Florianópolis.
