Ambiente de aprendizagem na educação a distância: contribuições da semiótica

Aparecida Maria Xenofonte de Pinho

INTRODUÇÃO

No atual contexto de transformação das práticas de ensino, aprendizagem e avaliação, decorrentes do estágio tecnológico contemporâneo, mostramse como essenciais as reflexões sobre os sujeitos, os conhecimentos e as práticas culturais envolvidas em processos de ensino-aprendizagem […].
Daniel Mill e Aline Reali

Acho mesmo que os cientistas trabalham com o óbvio. O negócio deles – nosso negócio – é lidar com o óbvio. Aparentemente, Deus é muito treteiro, faz coisas de forma tão recôndita e disfarçada que se precisa desta categoria de gente – os cientistas – para ir tirando os véus, desvendando, a fim de revelar a obviedade do óbvio. O ruim deste procedimento é que parece um jogo sem fim. […]
Darcy Ribeiro

As citações anteriores se instauram como provocações e nos fazem refletir, por analogia, sobre as práticas de ensino mediadas pela tecnologia de Educação a Distância (EaD), que tomamos como objeto de investigação neste trabalho. Talvez tais provocações não encontrassem eco, se eu não tivesse atuado como coordenadora do curso de Letras – Português, do Instituto Federal do Triângulo Mineiro (IFTM), entre 2013 e 2015, e se eu não tivesse ingressado no Programa de Doutorado Interinstitucional (DINTER – CAPES) na área de Estudos de Linguagem da Universidade Federal Fluminense (UFF).

A elas, aliam-se agora, no contexto de pandemia ocasionada pela COVID19, a relevância de refletir e discutir sobre essa modalidade de ensino, não mais como uma possibilidade de oferta, mas como solução diante da conjuntura contemporânea. As atenções estão voltadas para a EaD e demais formas de ensino remoto para manutenção dos processos educacionais de formação, em todos os níveis de ensino, não mais como meio de complementação da aprendizagem, e sim como forma efetiva de sua realização.

Cumpre destacar que mesmo antes das restrições impostas pelo distanciamento social como forma de contenção da epidemia, o ensino a distância já vinha se apresentando como uma realidade. Pautamos essa afirmação no que têm sinalizado pesquisas acerca dessa temática. Agigantam-se as atividades desenvolvidas na modalidade a distância e apequenam-se aquelas desenvolvidas de forma presencial. Essa desaceleração no ensino presencial já foi pauta jornalística de diversos sites, dentre os quais destacamos Agência Brasil e R7, para introduzirmos a discussão. Nos dizeres da Agência Brasil[1]:

A Educação a distância cresce em ritmo mais acelerado que presencial. Os dados do último Censo da Educação Superior, de 2015, mostram que enquanto o ensino presencial teve um crescimento de 2,3% nas matrículas em 2015 em relação a 2014, o ensino a distância teve expansão de 3,9%. Com isso a EaD atinge a participação de 17,4% do total de matrículas da educação superior. (Tokarnia, 2017).

Faz coro com a tendência supracitada uma matéria veiculada no site R7[2], que não somente ratifica a tendência de aceleração dos cursos a distância, mas também sobreleva sua qualidade, ao apresentar como diferenciais as metodologias inovadoras e as condições de interação e de inclusão social propiciadas por meio de ferramentas tecnológicas modernas. A mesma matéria registra que a modalidade deve chegar a superar os cursos presencias e representar 51% da oferta de educação em 2023. Esse entendimento é alicerçado em dados das notas estatísticas de 2017, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), [3]que apontam que entre 2007 e 2017 as matrículas de cursos de EaD aumentaram 375,2% contra 33,8% na modalidade presencial. Em relação aos concluintes, a modalidade a distância possui 21% de participação, enquanto a presencial registra 79%.

Frente aos dados expostos, que circunstanciam a introdução deste trabalho, parece-nos evidente uma tendência de expansão da modalidade de ensino EaD. Contudo, por mais promissoras que pareçam ser as perspectivas de desenvolvimento dessa modalidade de ensino, consideramos oportuno o acompanhamento reflexivo e investigativo de vários campos de estudo. Fenômeno que deve ser interpretado à luz de perspectivas capazes de fornecer pistas para possíveis intervenções nesse universo tão complexo. Pretende-se, pois, lançar-se um olhar pelas lentes da semiótica de linha francesa ao chamado Ambiente Virtual de Aprendizagem, doravante AVA. Nesse ambiente, plataforma virtual capaz de abrigar diversos textos e links, encontram-se os textos que serão tomados para análise, a saber: a própria estrutura da plataforma, o manual do aluno, o material das disciplinas e os canais de comunicação entre professores e alunos.

Antes de tratarmos diretamente do ensino a distância, faz-se necessário apresentar as condições que propiciaram seu surgimento. Preliminarmente, e como pano de fundo para seu início, as transformações originadas na cultura da convergência e da sociedade em rede possibilitaram modificações no padrão do cotidiano, o que alterou o modo como nos relacionamos com a informação e com os outros, como interagimos, como nos divertimos, e, também, como aprendemos. Por convergência entende-se a dinâmica de conteúdo – linear ou não – por meio da qual circula, em diferentes plataformas, sistemas e dispositivos, o fluxo de informação ao público que utiliza esses canais de comunicação e informação. Segundo Montanaro (2016), o fenômeno da convergência não se encontra situado na estrutura tecnológica ofertada, porém na complexidade das conexões estabelecidas, tanto no nível cognitivo, quanto perceptivo dos usuários de uma determinada rede. Para ele, a real transformação operada pela EaD se dá, na medida em que seja capaz de envolver o estudante a distância para que, dessa maneira, possa promover seu engajamento às práticas pedagógicas. O intuito é levar o estudante a tornar-se sujeito ativo na construção colaborativa do conhecimento.

Hermano Carmo (2013, p.110-111) expõe que, independentemente da nomenclatura adotada para denominar o período em que vivemos, a sociedade parece estar imersa no que Edgar Morin (1981) chamou de “nevoeiro informacional”, fenômeno que dificulta a gestão do que deve ser considerado relevante para compor o conhecimento.

Já Daniel Mill (2013) explica que a sociedade contemporânea imprime novos contornos e novas realidades, cujas subjetividades são marcadas principalmente pelo valor atribuído à informação. Segundo o autor, “o apreço pelo conhecimento e domínio da informação” (MILL, 2013, p.45) tem aumentado exponencialmente o alcance da comunicação de massa. Por outro lado, limites à dialogicidade da forma tradicional de comunicação dual (um a um) são preteridos em favor do agrupamento em “colônias” de indivíduos. Estabelece-se uma nova forma de individualização: o sujeito em seu tempo e espaço determina sua singularidade, e por meio de plataformas virtuais, faz suas escolhas. A nosso ver, todo esse contexto social e cultural viabiliza os objetivos da EaD, uma vez que agrupa professores e estudantes em seus diferentes espaços e tempos, por meio da comunicação intermediada pela tecnologia.

A pressão da sociedade de informação, por sua vez, produz nos sujeitos o desejo de validar meios para atuar nessa sociedade em constante mutação e crescimento. O aumento da oferta, exclusivamente, no sistema de educação presencial não teria condições de suprir as necessidades do indivíduo contemporâneo – por educação inicial ou continuada – impelido a entrar ou conservar-se no mercado de trabalho. Em muitos casos, é necessário um grande deslocamento, permanecer-se ativo por horas a mais, e ainda manter uma vida social e familiar, desdobrando-se nos múltiplos papéis da vida contemporânea.

Para melhor compreendermos o espaço conquistado pela EaD, parece-nos oportuno registrar que não se trata de um fenômeno da atualidade, como muitos poderiam equivocamente concebê-la. A crescente demanda por formação exigiu a implantação dessa modalidade de ensino há bastante tempo.Para melhor assimilarmos essa origem, destacamos que o que hoje denominamos EaD permeou os meios de produção e desenvolvimento econômico, desde a segunda metade da Revolução Industrial, como demonstra o quadro abaixo (Quadro 1):

O incipiente percurso analisado até aqui permite-nos reiterar que as bases da EaD não são hodiernas. Entretanto, se, por um lado, a educação a distância não se refere exclusivamente ao que conhecemos a partir do contexto cultural da convergência, por outro, a combinação dos avanços tecnológicos e das transformações nos processos estruturantes da sociedade moderna ocasionaram desequilíbrios sentidos na organização da escola e das políticas públicas de educação.

Nessa perspectiva, J. Naibitt e P. Aburdene (1990) e Carmo (2013) acreditam que a aceleração do ritmo do desenvolvimento da era digital associada às macrotendências potenciais provocaram uma ruptura com padrões anteriores de educação. Sob esse prisma, apontam como principais fatores de transformação: o processo de mudança em aceleração crescente (e de consequente relativização de referenciais de educação), aumento das desigualdades sociais (aumento da pobreza e da exclusão social) e a desregulação dos sistemas de poder (gerando um clima de instabilidade global). Por conseguinte, novas formas de ensinar e aprender também se fizeram necessárias, o que promoveu novos arranjos na configuração da escola e nas políticas a ela associadas.

Contudo, há de se ressaltar que apesar das modificações apontadas pelos autores no contexto social, político e econômico em escala mundial, elas provocaram mais deslocamentos do que propriamente descolamentos nos padrões educacionais. Muitas questões permanecem ainda sem resposta: como transpor e transformar o sistema educacional? Como garantir a formação e atender às necessidades dos estudantes? De que modo rever papéis e funções de professores?

Nas últimas décadas, nota-se na elaboração de currículos, metodologias e materiais uma mais frequente incorporação da aprendizagem a distância (além das TDICs), [4]organizando “novos atores principais no teatro da educação do futuro: o professor coletivo e o estudante autônomo” (BELLONI, 2003, p.7, grifo no original). Esses novos papéis imprimem características ao ensino na modalidade a distância: público-alvo autônomo, estabelecimento de parâmetros curriculares compatíveis com as novas ferramentas tecnológicas (capazes de intermediar a construção de saberes), estratégias que possam garantir o acompanhamento e apoio ao aluno (e de interação) e produção de materiais adequados à gestão dessa autoaprendizagem.

Foi possível observar, durante nossas pesquisas, que a partir da última década do século XX, com a proliferação de modelos de EaD em âmbito mundial, buscou-se estabelecer um protótipo para o ensino a distância, com o propósito de regular e parametrizar a oferta de cursos nessa modalidade de ensino, além de observar e regular as propostas em relação à qualidade dos serviços prestados na formação dos indivíduos. A esse respeito, Carmo (2013, p. 117, grifos nossos) expõe que o modelo tomado como referência de excelência foi o da Open Universiteit da Holanda em 1991. Alicerçado em um tripé axial, tal modelo é constituído por: um eixo acadêmico, organizador de conteúdos curriculares em relação ao rigor científico; um eixo pedagógico/tecnológico, que se ocupa da qualidade da mediatização, e, por conseguinte, do ponto de vista estético(designer) e comunicacional; e, por fim, uma esfera burocrática, de prazos, custos, legalidade e viabilidade econômica. Seriam esses os parâmetros gerais adotados para avaliação de cursos a distância na Europa.

Perante o cenário que descrevemos, organismos internacionais e associações de pesquisadores, gestores públicos e privados, professores e estudiosos da área surgiram na esteira da expansão do ensino a distância, [5]trabalhando para orientar caminhos, estabelecer padrões de avaliação e de macrotendências da modalidade. No Brasil, foram criados a Associação Brasileira de Ensino a Distância (ABED), a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), o Centro de Apoio à Educação a Distância (CAED), além de grupos e núcleos de pesquisa formados por todo o país que exercem essa função.

A iniciativa de alavancar o ensino a distância recebeu mais um relevante amparo em 2002, quando, na sede da UNESCO em Paris, iniciou-se um movimento acerca de Recursos Internacionais Abertos (REA), que reúne governos, entidades civis e indivíduos em prol do desenvolvimento de “materiais de ensino, aprendizado e pesquisa fixados em qualquer suporte ou mídia, que estejam em domínio público e licenciados de maneira aberta, permitindo que sejam utilizados ou adaptados por terceiros” (UNESCO/COL, 2011 apud AMIEL, GONSALES & SEBRIAM, 2018). A iniciativa pretende equalizar os meios de oferta de educação em âmbito mundial e faz parte dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS, parágrafo 4º). A preocupação com educação de qualidade como forma de inserção efetiva no cenário internacional levou a UNESCO a iniciar, em 2016, o processo de elaboração de Recomendações a serem submetidas em sua Assembleia Geral em 2019.

Dando continuidade aos trabalhos iniciados na França, em 2017, foi realizado em Liubliana, na Eslovênia, o 2º Congresso Global de Recursos Educacionais Abertos (REA), também sob a chancela da UNESCO, que resultou num primeiro plano de ação, por meio da formulação do documento “Compromisso Ministerial”, assinado por representantes de 11 países. O documento registra o compromisso que esses países assumiram de implantar medidas de promoção dos REA. O acordo firmado na ocasião prevê “a abertura e acesso do conteúdo educacional REA por alunos, educadores, instituições e governos, e também exige que outras condições prévias para uma educação de qualidade estejam em vigor” (LJUBJANA OER ACTION PLAN, 2017 apud AMIEL, GONSALES & SEBRIAM, 2018).

Antes de avançarmos, parece-nos relevante destacar que Marcello Ferreira e Daniel Mill (2013, p. 145-146) apontam que a EaD brasileira sofreu grande influência do modelo das universidades abertas estrangeiras, notadamente da espanhola (Universidad Nacional de Educación a Distância- UNED) e da Open University inglesa. Diferentemente das propostas europeias, a EaD foi apresentada em território nacional como uma oportunidade de ensino regular, integrado às Instituições Públicas de Ensino Superior (IPES), e não como uma oferta “aberta” e completamente “à distância”. Enquadra-se mais em um modelo semipresencial (as atividades avaliativas são realizadas nos polos presenciais) e os recursos educacionais, até mais recentemente careciam de clareza quanto à difusão ou utilização. Não nos parece demais pontuar que, no Brasil, a oferta de EaD é originalmente pensada para suprir lacunas sociais e educacionais. Dito de outra forma, a “EaD brasileira” abriga-se sob o tecido de uma agenda política de democratização do ensino superior, com o claro cunho de qualificação de mão de obra, principalmente na área da educação, por meio da implantação de cursos de licenciaturas.

De acordo com Amiel, Gonsales e Sebriam (2018), no Brasil, o movimento de ações REA ainda é tímido, porém avança com a adesão de vários setores no âmbito governamental e privado – legisladores, gestores públicos, instituições de ensino, educadores e empreendedores, cuja motivação alegada alicerça-se no fomento da produção de materiais de qualidade, na ampliação das condições de acesso e na promoção de uma cultura de coparticipação entre educadores e alunos.

Cabe ressaltar que a adesão por parte de empresas de educação privada não é isenta de interesses econômicos e políticos. Isso implica afirmar que seguramente permeiam as decisões tomadas fatores neoliberais que, muitas vezes, impactam contundentemente a qualidade do que é ofertado. Em outras palavras, toda produção envolve custos e lucros, e sistemas de ensino e materiais disponibilizados via EaD proveem uma fonte bastante lucrativa de renda, de forma direta ou indireta. Uma vez montada a estrutura, seu custo operacional é relativamente baixo, o que favorece até mesmo que instituições prescindam de profissionais da educação devidamente qualificados para sua execução.

Não podemos nos esquecer que às ações de políticas públicas federais, somam-se ainda as políticas estaduais, projetos de lei já aprovados ou em vias de tramitação e a criação de grupo de trabalho no MEC, coordenado pela Secretaria de Educação Básica. O Plano Nacional do Livro Didático (PNLD), de 2019, incluiu cláusula de utilização da licença Creative Commmons, que impõe uma atribuição não-comercial para o material digital complementar do livro do professor. A licença inclui ainda a cessão dos direitos autorais patrimoniais da obra para o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), que se encarregará da distribuição desses conteúdos como licença livre.

Para melhor historicizarmos os passos galgados pela EaD no Brasil, destacamos que apesar de ela ter sido oficialmente introduzida em nosso país em 2005, e definida como processo de ensino e aprendizagem que utiliza meios e tecnologias de informação e comunicação, “com estudantes e professores envolvendo atividades educativas em lugares ou tempos diversos” (BRASIL, 2005) [6], políticas públicas de introdução da EaD no Brasil já foram evidenciadas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, nº 9.394/1996 (BRASIL, 1996). [7]Antes ainda, em 1994, já havia sido criado o Sistema Nacional de Educação a Distância, por meio do Decreto nº 1.237/1994, o qual foi acompanhado, em 1996, pela criação da Secretaria de Educação e Distância (SEED) no Ministério da Educação (MEC).

Na esteira da autorização para funcionamento de curso de graduação a distância, nas esferas pública e privada, a versão nacional de ensino a distância logo foi implementada por várias instituições privadas. No imo desse acolhimento imediato, estava uma rede de ensino que logo identificou um novo filão de mercado. Não é fato fortuito que a rede privada responda por mais de 90% da oferta de ensino, contra aproximadamente 10% da rede pública. O próprio INEP registra a predominância de cursos de bacharelado no contexto particular; no âmbito da iniciativa pública, em junho de 2006, o decreto nº 5.800 estabeleceu o sistema da Universidade Aberta do Brasil (UAB)[8], fonte do material analisado nesta pesquisa.

O sistema foi implementado por Universidades e Institutos Federais do país, sob orientação do MEC e intermédio da CAPES, para traçar diretrizes mais gerais de financiamento e funcionamento, regular a participação de municípios, estados e federação e estabelecer parâmetros em relação também aos requisitos tecnológicos. A cada instituição de ensino, porém, e de acordo com a realidade enfrentada em cada região, coube a adequação dos recursos e a gestão das ferramentas pedagógicas e tecnológicas.

No âmbito do Sistema, a gestão administrativa dos cursos de EaD é incumbência da IES, que também é responsável por gerir o funcionamento (dentro da sua estrutura original ou criando novos departamentos para este fim), do design instrucional e do desenvolvimento e adequação das ferramentas tecnológicas. Em síntese: o âmbito federal baliza a oferta do curso superior e se responsabiliza pelo ensino ofertado, chancelando a emissão de diplomas à semelhança dos demais cursos de graduação que oferece.

Os níveis estadual e municipal de ensino, por sua vez, aderem à proposta com a montagem de polos de ensino (seguindo critérios rígidos de composição mínima e dependentes de aprovação do Ministério da Educação), com salas de aula/ laboratórios equipados e com acesso à internet, localizados em escolas municipais ou estaduais, centros comunitários, congregações ou em prédios públicos.

Os polos são utilizados para os encontros presenciais, agendados em cronogramas de aulas, contendo atividades previamente disponibilizadas e também o calendário de realização de avaliações, devidamente acompanhados pelo tutor presencial. Essas salas de aula permitem que o ensino chegue a partes mais longínquas e remotas.

Ao arrolar o mapeamento apresentado até aqui, compreendemos que a EaD se refere a um tipo de aprendizagem, devidamente concebido em um ambiente virtual, com ferramentas tecnológicas estruturadas de acordo com os requisitos legais de implementação de um curso superior e pressupõe uma equipe técnica multidisciplinar para montagem, execução, manutenção e suporte dos cursos, de acordo com os parâmetros institucionais legalmente exigidos. Requer, ainda, uma equipe pedagógica e um corpo docente, composto por professores e tutores, e, obviamente, alunos para ingresso e permanência no curso. Para melhor compreendermos o escopo do funcionamento da UAB, mostra-se relevante esclarecer que são utilizadas terminologias distintas para os professores que atuam no curso: são denominados professores aqueles responsáveis pela montagem da disciplina no AVA e tutores aqueles encarregados do acompanhamento das atividades previstas. A distinção na nomenclatura cria um efeito de sentido de sobreposição hierárquica entre os docentes, o que não é condizente com as funções exercidas por esses profissionais no processo de ensino.

Como processo educacional e comunicativo mediado por tecnologia, esse modelo se distancia do ensino convencional. Neste último, a intersubjetividade é construída entre professores e alunos, a partir da ação de elementos da ordem do sensível, em que a motivação e o estabelecimento dos espaços individuais e coletivos, de demarcação de tempo e das percepções de pessoa, de um eu-aquiagora na interação em sala de aula são instaurados, por mais determinadas que sejam essas relações no contexto escolar. No ensino a distância, essas instâncias precisam ser reformatadas, o que acaba por afetar as interações e o modo com que os sujeitos nela inseridos são construídos.

Integra a configuração didática da modalidade a distância o Ambiente Virtual de Aprendizagem disponibilizado no Moodle. [9]O AVA atua com várias tecnologias (TICs) [10]e serviços de armazenamento, de distribuição de informações e de promoção de interação entre professores, tutores e alunos e de facilitação do processo de formação educacional.

As interfaces de organização dos textos orais e escritos, sob a forma tradicional ou por meio de diversas manifestações midiáticas, possibilitam a instalação dos processos interacionais que têm por objetivo reduzir distâncias físicas e temporais no compartilhamento da (in)formação. Fabiana Komesu (2005, p. 87) destaca a dificuldade de sistematização de procedimentos de análise de hipertextos em função de sua natureza “mult(i): multimídia, múltiplo, multilinear, multivocal em sua constituição”, o que requer esforços pluridisciplinares.

Os elementos que compõem os materiais instrucionais, que abrangem desde extensos roteiros de aprendizagem, tais como manuais, apostilas, materiais didáticos próprios para a modalidade até videoaulas, podem ser elaborados por uma equipe pedagógica da IES ofertante ou podem ser selecionados de um banco de dados com o referencial didático produzido por outros docentes e autorizados para uso dentro do sistema UAB. O material pode ser oferecido por meio do suporte tecnológico e/ou disponibilizado fisicamente, vinculando os recursos financeiros concedidos.

Vários campos da ciência podem ser acionados para subsidiar a educação a distância, tais como design, computação, pedagogia, tecnologia da informação, uma vez que essa modalidade de ensino envolve diversas atividades, que precisam ser desenhadas virtualmente. Assim, a EaD reúne desde práticas pedagógicas, processos interacionais, inovações tecnológicas, processos cognitivos, processos avaliativos e de acompanhamento, análise de currículo e de materiais didáticos até a área de programação de designs educacionais, navegação na internet, desenvolvimento de ferramentas tecnológicas mais adequadas, para citar somente alguns pertinentes à esfera dos estudos da EaD no momento presente.

Dentre esses campos de estudo, na aérea dos Estudos de Linguagem, consideramos que a Semiótica apresenta uma metodologia válida para o estudo desse “espetáculo” educacional, considerando as projeções do espaço (escola/universidade) e dos sujeitos (alunos, professores e demais funcionários). Pelo viés teórico da Semiótica, acreditamos ser possível observar como se articulam pessoas, espaços e tempos no ambiente virtual, em que circulam textos, hipertextos, recursos midiáticos e transmidiáticos.

A escolha teórica é justificada, na medida em que a Semiótica se ocupa do processo de significação dos textos, concebidos como união entre conteúdo e expressão. A episteme oferece as bases teóricas para a investigação proposta neste trabalho, pois, de acordo com Teixeira, Faria e Sousa (2014, p. 317) “elege o texto como objeto e o percurso de produção de sentido como modelo de previsibilidade a descrever”.

Além da análise do percurso da significação, denominado percurso gerativo de sentido, o trabalho toma o conceito de aspectualização, a fim de compreender como, no AVA, é instaurado um observador que, de acordo com Gomes (2012, p. 12) “toma as etapas da ação como processos percebidos de um determinado ponto de vista”. Para investigar os modos de interação, a análise investe, ainda, na proposta sobre tipos de interação, especialmente desenvolvidos por Eric Landowski (2014, 2016). Também são consideradas as formulações de Jacques Fontanille (2005, 2008), a fim de compreender as práticas semióticas e a dimensão estratégica da educação a distância.

A fim de observarmos o percurso de alguns das inúmeras facetas que compõem a EaD do sistema UAB, tomamos como material analítico o AVA de um curso de Licenciatura em LetrasPortuguês de uma instituição federal. O percurso desenvolvido será composto por elementos da página inicial (de acesso) às disciplinas do curso em tela, o manual de estudante EaD, para, em seguida analisarmos a configuração de uma disciplina do curso (a disciplina de Análise do Discurso, ofertada em 2017, no 8º período do curso constante da primeira matriz curricular do Projeto Pedagógico do Curso, iniciado em 2013). E, por fim, serão também objeto de análise quatro sequências de mensagens de e-mail, apresentando uma totalidade de significação, trocadas entre atores do processo, a fim de observar representações do uso do espaço didático (em suas manifestações e desdobramentos passionais), do entrecruzamento de práticas e de regimes de sentido.

Destacamos, para avançar, que os exemplos de análise foram arrolados com base na abrangência e no caráter exemplar dos textos escolhidos. Greimas e Courtés (2008, p.105), no Dicionário de Semiótica, ao discutirem a questão do corpus, afirmam que o problema do corpus se põe de maneira diferente quando se trata não mais de coleções de frases, mas de discursos, ou quando o projeto do linguista não é apenas sintático, mas também semântico.

Para os semioticistas, seria, também, possível

falar de corpus sintagmáticos (conjunto de textos de um autor) ou de corpus paradigmáticos (conjunto de variantes de um conto), sempre levando em conta o fato de que eles nunca são fechados nem exaustivos, mas representativos apenas[…].

Ao tratar de um AVA ou, ainda, de diversos textos contemporâneos afetados pela dimensão virtual e as dificuldades em delimitar uma dada totalidade, consideramos que o corpus funciona como uma sintagmática, na medida em que reúne diversos textos que contraem relação. Assim, neste trabalho, buscamos analisar o AVA de modo abrangente, o que abarca desde a página inicial do AVA – mais geral – até os e-mails dos alunos – mais específicos. Com isso, consideramos que os elementos sejam adequados para representar uma amostragem significante dos ambientes virtuais de aprendizagem.

À base teórica apresentada, acrescentamos, ainda, o aporte proveniente dos trabalhos desenvolvidos por Nicole Pignier e Benoît Drouillat (2004) sobre modelos semióticos para projetos multimídias assim como as contribuições valiosas obtidas na Universidade de Nîmes (UNIMES), França[11]. Nessa ocasião, participamos do grupo de estudos em design de inovação social PROJÉKT, sob a orientação da Prof. Michela Deni, cujos esforços são direcionados no sentido de uma intervenção semiótica efetiva na elaboração e no acompanhamento de projetos, contando com a participação ativa de um semioticista na equipe multidisciplinar que compõe o design de projetos.

Se a semiótica possui o aparato teórico-metodológico para explicitar não apenas “o que texto diz”, mas sobretudo, “como faz para dizer o que diz” (BARROS, 1990, p. 8), os questionamentos trazidos neste trabalho perseguem esse objetivo geral, ou seja, buscam compreender as projeções do enunciador institucional (desdobrado nos papéis actanciais de gestores e professores/tutores no AVA) e de enunciatário (do aluno) na conjuntura educacional do ensino a distância, evidenciando as dimensões passional e interativas construídas no ambiente digital. São igualmente investigadas as características do AVA como suporte para a prática da modalidade a distância como participante do processo educacional.

Dessa maneira, este estudo procura verificar se os elementos postos em análise são ratificados em ambos os planos e de que modo contribuem para a conjuntura (estratégia) do ensino a distância, como local de inclusão e de espaço para uma interação que contemple as necessidades dos alunos que constituem seu público-alvo. Partimos da hipótese de que o AVA não abarca as condições de interação adequadas ao público-alvo para o qual foi concebido, uma vez que o perfil de autonomia não deve constituir um traço latente para quem se encontra afastado do contexto escolar temporal ou espacialmente.

A organização deste trabalho percorre a direção da análise dos elementos da prática educacional aos textos-enunciados, e, assim, amplia a pertinência das análises para além dos textos. Considera-se o nível objetal, com o intuito de observar os efeitos do discurso para os regimes de sentido e as práticas. Abarcamos, ainda, as dimensões semionarrativas e discursivas dos textos no modelo de AVA.

No primeiro capítulo, “Plataformas e ambientes: em busca de uma descrição dos objetos”, contextualizamos a descrição do objeto, a plataforma Moodle do AVA, observando as configurações desse suporte e as relações estabelecidas na prática educacional. Analisamos, também, de acordo com a proposta desenvolvida por Landowski (2014; 2016) os regimes de interação presentes nas cenas práticas do AVA para analisar os efeitos de sentido construídos.

No segundo capítulo, “Do manual do estudante ao contexto da disciplina: o percurso gerativo de sentidos no AVA”, apresentamos uma análise do percurso gerativo de sentido, com ênfase nos níveis narrativo e discursivo do manual do estudante e da configuração do ambiente da disciplina “Análise do Discurso”.

Buscamos, outrossim, identificar as projeções da enunciação no enunciado, a fim de observar como é construída a imagem de um aluno de EaD.

No terceiro capítulo, “Das paixões e da interação no AVA: reflexos na prática”, tratamos das relações entre enunciador e enunciatário, dos estabelecidos no ambiente virtual, examinados a partir das mensagens de e-mail, em sequências comunicativas trocadas entre os actantes. É observada, pois, a emergência do componente sensível nos textos dos alunos, o que nos permite investigar a relação entre a imagem pressuposta de estudante, projetada pela instância institucional e a imagem que emerge dos enunciados produzidos pelos próprios alunos. Ressaltamos que, em cada um dos três capítulos, permeia o bojo das análises apresentadas uma exposição dos conceitos que as fundamentam.

Após o terceiro capítulo, apresentamos as considerações finais, em que o percurso da pesquisa é remontado, a fim de tracejar a relevância do estudo realizado e sinalizar possíveis contribuições que a EaD brasileira do sistema UAB, ofertada de forma pública e gratuita possa alcançar plenamente seus desígnios.

Notas de rodapé

[1] Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/educação/noticia/2017-05/educação-superiordistancia-cresce-em-ritmo-acelerado-mostra-censo-de-2015>.Acesso em: 20 set. 2017.

[2] Disponível em: <https://noticias.r7.com/educacao-a-distancia-cresce-em-ritmoacelerado-no-brasil22122018>. Acesso em: 20 jun. 2019

[3] Disponível em:<http://download.inep.gov.br/educacao_superior/censo_superior/documentos/2018/censo_da_educacao_superior_2017-notas_estatisticas2.pdf>.

Acesso em: 22 jun. 2019.

[4] Tecnologias Digitais da Informação e da Comunicação (TDIC).

[5] European Association of Distance Teaching Universities (EADTU), a European Distance and Elearning network (EDEN), o International Council for Distance Education (ICDE).

[6] Decreto Nº 5.622, de 19 de dezembro de 2005. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/sesu/ arquivos/pdf/portarias/dec5.622.pdf>. Acesso em: 17 jul. 2017.

[7] Lei Nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/ LEIS/L9394.htm>. Acesso em: 3 ago. 2019.

[8] A Universidade Aberta do Brasil (UAB) é um projeto construído pelo Ministério da Educação em parceria com os Estados, Municípios e Universidades Públicas de Ensino Superior para oferta de cursos de Graduação, Pós-Graduação, Aperfeiçoamento e Extensão Universitária visando ampliar o número de vagas na educação superior, com prioridade para a formação inicial e continuada dos profissionais do magistério.

[9] Moodle (Modular Object Oriented Distance Learning) é um sistema de gerenciamento para criação de cursos on-line. Esses sistemas são também chamados de Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVA) ou de Learning Management System (LMS). Seu desenvolvimento é de forma colaborativa por uma comunidade virtual, a qual reúne programadores, designers, administradores, professores e usuários do mundo inteiro e está disponível em diversos idiomas. Disponível em: . Acesso em: 3 jul. 2019.

[10] TICs (Tecnologias de Informação e Comunicação) aqui entendidas como conjunto de recursos tecnológicos, utilizados de forma integrada e das mais diversas formas, com um objetivo comum, em vários ramos de atividade, inclusive na EAD.

[11] Por meio da participação da oferta contida no edital nº 47 – 2017, do programa de doutorado – sanduíche da CAPES e Universidade Federal Fluminense e realizado durante o segundo semestre de 2018.

Ano de lançamento

2020

Autoria

Aparecida Maria Xenofonte de Pinho

ISBN [e-book]

978-65-5869-325-3

Número de páginas

244

Formato