Camadas Populares e Sucesso Escolar: um olhar a partir da psicologia histórico-cultural

Argumentar-se-á aqui, como o faz Debora Piotto, que se interessar pelos processos que permitem a certos sujeitos sociais escapar da reprodução social e não percorrer os destinos e percursos escolares e sociais aos quais a sua origem social e as propriedades sociais de sua família pareciam predestiná-los, como no caso do próprio Pierre Bourdieu, não significa revogar ou invalidar as suas análises. Pelo contrário, significa pensar contra elas, no duplo sentido da palavra “contra”, ou seja, basear-se nelas e construir sobre elas, ao mesmo tempo em que se diferencia delas em uma oposição que nos convida a pensar além delas. O estudo e a análise dos processos pelos quais os casos de sucesso escolar são produzidos não se opõem aos processos que levam aos casos mais prováveis nos quais as teorias de reprodução se baseiam, mas devem nos permitir compreender melhor as mediações pelas quais se produzem tanto as exceções quanto as regularidades estatísticas. Neste livro, Debora Piotto nos apresenta um rico corpo de pesquisa baseado em entrevistas com estudantes originários de meios populares que tiveram acesso à Universidade de São Paulo, em cursos para os quais, nem as suas características sociais nem o início de sua escolaridade, os predestinariam.

Uma das principais características do estudo é a diversidade e a heterogeneidade das formações e experiências educacionais e universitárias das pessoas entrevistadas e das disciplinas que estudaram enquanto a maioria dos estudos e relatos desse tipo de trajetória improvável publicada na França diz respeito a pessoas que fizeram cursos e trabalharam no campo da literatura, filosofia ou ciências humanas e, portanto, estão familiarizadas com a palavra escrita e com a reflexividade associada a ela. O estudo tem o imenso mérito de mostrar que as modalidades mais frequentemente descritas ou que têm como objeto relatos e testemunhos desse tipo de trajetória as colocam sob o signo do sofrimento, da vergonha, da negação de si mesmo, dos sentimentos de traição, da anomia, da dissociação, da clivagem e ou até mesmo da patologia. Há, entretanto, como Debora Piotto nos lembra, outras formas subjetivas de viver um sucesso escolar improvável. Em contraste com o que chamei de abordagem “dolorista”, alguns trabalhos ou relatos parecem adotar o que poderia ser chamado de abordagem “conciliadora”, seja para dar conta das trajetórias reais ou para prever, por meio de hipóteses, as condições que tornam ou poderiam tornar possível um sucesso ou uma trajetória escolar improvável.”

Jean-Yves Rochex no Prefácio ao livro