Centenário de Paulo Freire e outras conversas da pandemia

Aristóteles Berino

PREFÁCIO

Sou leitora de Aristóteles Berino já há algum tempo, principalmente dos seus ensaios, resenhas, textos livres, críticas literárias e/ou fílmicas. São plurais os gêneros textuais que circulam nas redes assinados por este criativo e oportuno autor, com quem tenho também a honra de partilhar, desde 2018, mais de perto, dilemas e etnométodos junto ao PPGEduc da UFRRJ. Receber seu convite para prefaciar este livro foi uma alegria. Aceitei prontamente, mas fiquei curiosa e me perguntando “Por que será que recebi este convite? Afinal, são tantas as redes e conexões… São tantos e tantas colegas especialistas da obra de Paulo Freire e suas implicações com os currículos…”. Sejam quais forem os motivos, aceitei este convite e me sinto honrada.

Assim como Aristóteles, valorizo a escrita cotidianista e, com ela, procuramos inovar em atos de currículos, mas também na produção e circulação da ciência implicada com processos de educação não apartados das práticas artísticas e/ou culturais. Esta opção por nós praticada é política, mas também é ética e estética.

Desde o meu processo de formação inicial no estado da Bahia, durante meu mestrado e doutorado na FACED/UFBA, fui encorajada pelos meus mestres à escrita livre e criativa, mais à moda da divulgação científica e também do gênero de jornalismo científico. Com Nelson Pretto, fui incentivada a escrever para nosso “rascunho digital”, uma espécie de blog idealizado por ele e pelo professor Felipe Serpa, veiculado no site da Faculdade de Educação da UFBA no final do século passado. Menando Ramos, outro colega e professor, nos encorajava para a produção imagética. Produzir imagens, para com elas e sobre elas escrevermos. Imagens para fazer 10 e pensar com o comum e para o bem comum, com tantos outros… Inclusive, os nossos próprios outros.

Com Roberto Sidney Macedo, aprendi a escrever multirreferencialmente, trazendo para nossos textos referências heterogêneas, buscando tramar um diálogo horizontal com narrativas científicas e cotidianas, artísticas, filosóficas. Escrever em contexto culturalmente situado faz parte do meu processo formativo e eu sempre adorei exercitar processos de autorização. Por outro lado, sempre soube que não era muito simples e, muitas vezes, autorizarse era muito mais complexo e não diretamente relacionado a questões de competência técnica.

Já no Rio de Janeiro, atuando junto ao ProPEd/UERJ, na linha “Cotidianos, Redes Educativas e Processos Culturais”, a escrita narrativa com e sobre imagens sempre foi uma ação ética, estética e política de nossas práticas de pesquisa, docência e formação. A convite da professora Nilda Alves, organizei alguns números do Jornal Educação e Imagem junto ao Laboratório de Imagem da UERJ. Como editora de alguns números, nos últimos 10 anos, constato a potência do gênero da escrita de professores para professores. Imagens disparando pensamentos, conversas, diálogos, criações, invenções e subversões cotidianas.

Foi neste contexto, do Laboratório de Imagem da UERJ, que inicialmente conheci Aristóteles e seus preciosos textos. Textos libertários, livres das amarras normativas e caretas da clássica escrita acadêmica. Seus textos inovam em forma, sem perder a densidade de seus conteúdos e referências acadêmicas. Na época, Aristóteles dialogava com o funk, as periferias, os jovens, as juventudes e seus contextos de vida, fruição, formação, profissionalidade. Crítico de cinema e literatura, excelente resenhista, Aristóteles deixa sempre em seus escritos a sua marca crítica e bem-fundamentada, como bom historiador que é. Toda esta inventividade, desse autor 11 e professor universitário tão implicado, vem sendo cada vez mais uma referência para mim e para meu grupo de pesquisa.

Durante a pandemia da Covid-19, criamos, na Revista Docência e Cibercultura (ProPEd/UERJ, PPGEduc/UFRRJ) a aba “Notícias”. Esta aba tem como objetivo publicar ensaios emergentes que façam circular textos livres, ensaios, artigos, crônicas que tragam temas emergentes no campo da educação com os cotidianos. Nosso objetivo é ter um canal de circulação de textos de professores para professores. Aristóteles é um dos nossos mais importantes colaboradores.

Mas como sempre tive acesso aos seus textos? Falei anteriormente sobre a circulação deles nas redes sociais. Isso mesmo, nas redes digitais da internet. No seu blog autoral, os textos circulavam também em sua timeline no Facebook. Por mais que critiquemos o Facebook e suas estratégias e modelos de negócios, inclusive em tempos de pós-verdade e fake news, não podemos descartar as potencialidades comunicacionais de sua usabilidade no que se refere à produção e circulação de conteúdos digitais, inclusive os científicos.

Ao contrário do que muita gente pensa, a internet e suas ambiências formacionais são efetivas e plurais redes educativas e espaços multirreferenciais de aprendizagens, que se entrelaçam com outros espaçostempos formais, não formais e informais de aprendizagem e ensino. Neste contexto, as tecnologias digitais em rede – que se materializam em diversos suportes, plataformas e sistemas lógicos – em interface com as cidades, o ciberespaço e os artefatos técnico-culturais vêm instituindo cotidianamente a cultura contemporânea, cultura digital ou cibercultura, como preferimos nomear. Este híbrido entre territórios físicos, eletrônicos e simbólicos configuram o contexto em que diversos fenômenos vêm emergindo, modificando e dando novos arranjos às expressões de cidadania, práticas culturais e processos educacionais, protagonizados por crianças, jovens e adultos. Assim, Aristóteles vem se autorizando, 12 inclusive na liderança do FRECON, grupo de pesquisa que lidera e que durante a pandemia da Covid-19 vem inovando em conteúdo e forma na cibercultura. Basta seguir seus rastros das redes do ciberespaço.

Vocês, leitores e leitoras, devem se perguntar agora: mas, afinal, do que trata este livro, especificamente? Vamos lá. Aqui temos um tratado do nosso tempo à luz da atualização da obra e da memória do nosso mestre e patrono da educação, Paulo Freire. Paulo Freire dialoga neste livro com outras autoras e autores nacionais e internacionais, pela autoria e bricolagem de Aristóteles Berino. Inquietações críticas de temas cosmopolitas, culturalmente situados no contexto do atual desgoverno, das ações conservadoras dentro da tragédia política do bolsonarismo, que destila ódio e mata. Perdemos, até a data de hoje, mais de 600 mil brasileiros e brasileiras, não só pela ação da Covid-19, mas pela demora nas políticas de vacinação em massa, das práticas negacionistas e pelos maus exemplos de educação e ausência de políticas públicas democráticas e inclusivas neste momento histórico tão difícil de nossas vidas.

Este livro fala sobre educação e questiona as educações praticadas durante a pandemia da Covid-19. Mas também anuncia, quando seu autor e seu grupo de pesquisa compartilham suas invenções no contexto do ensino remoto e da educação on-line. Atos de fala e práticas do patriarcado são amplamente debatidos aqui, bem como são valorizadas intelectuais negras, a exemplo de Carolina Maria de Jesus, que produziram, no século passado e que nos inspiram com suas obras mais recentemente, por conta da ação do feminismo negro na contemporaneidade.

Considero esta obra um processo/produto multirreferencial e cotidianista. Aqui tem convergência e bricolagem de uma polifonia notável de referências éticas, estéticas e políticas nos campos da educação e das culturas. “Convergir” não é replicar e/ou mesmo copiar. E “bricolar” 13 não é juntar sem propósito. Convergir e bricolar exigem de nós cocriação inteligente de processos, produtos, arquiteturas e mediações. Estas últimas são levadas muito a sério neste livro. Seu autor dialoga com suas memórias, autorias e narrativas digitais históricas – anteriores à pandemia, publicadas em seu blog e em outros canais abertos – com suas memórias, autorias e narrativas de pesquisa e docência durante a pandemia da Covid-19. O livro apresenta uma escrita criativa e inspiradora. O autor narra, disserta, descreve densamente o vivido dialogando com referências fecundas, tendo como centralidade a obra de Paulo Freire.

Este livro é recomendado para docentes, estudantes, pesquisadoras e pesquisadores interessados no campo de pesquisa em Educação. Boa leitura! Que esta obra inspire práticas outras de leituras do mundo, educações autênticas, inéditos viáveis e práticas de liberdade em sociedades mais democráticas. Paulo Freire vive e sua obra e memória se materializam sobremaneira neste livro, que é um presente!

Praia de Leme, Cidade Maravilhosa

Edméa Santos
www.edmeasantos.pro.br

Ano de lançamento

2021

Autoria

Aristóteles Berino

ISBN

978-65-5869-583-7

ISBN [e-book]

978-65-5869-584-4

Número de páginas

232

Formato