Chapecó em foco: textos e contextos sobre o espaço urbano-regional

Organização: Ana Laura Vianna Villela, Ederson Nascimento

APRESENTAÇÃO

Esta obra começou a ser gestada em agosto de 2016, quando da elaboração do Seminário de estudos regionais sobre o urbano e rural: Chapecó em foco, evento organizado por pesquisadores de dois grupos institucionais de pesquisa – “Grupo de Estudos e Pesquisas Sobre Usos do Território e Dinâmicas Socioespaciais” (GETESE) da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), e “Cidade: cultura, urbanização e desenvolvimento” da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó) [1] – que contou com o apoio das duas universidades e financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação de Santa Catarina (FAPESC).

O evento nasceu da preocupação de pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento (arquitetos e urbanistas, geógrafos, cientistas sociais, historiadores, entre outros) em criar um espaço para o debate de questões relacionadas à dinâmica recente da urbanização e da estruturação dos espaços urbanos e rurais na região de Chapecó. Portanto, este livro traz as principais contribuições e discussões daquele evento. São textos oriundos da socialização de resultados de pesquisas recentes (feitas em projetos institucionais de pesquisa, dissertações de mestrado e teses de doutorado) realizadas nos últimos cinco anos.

O tema central do livro, e que também o intitula – Chapecó em foco: textos e contextos sobre o espaço urbano-regional – coloca em evidência o processo de urbanização e de estruturação do espaço da cidade de Chapecó e dos espaços urbanos e rurais que constituem sua área de influência. A relevância social e científica do tema advém da intensa dinâmica da urbanização em Chapecó e região nos últimos cinquenta anos, processo este que consolidou a referida cidade como principal centro econômico e demográfico de um vasto território, que inclui municípios do Oeste de Santa Catarina e (em menor proporção) do noroeste gaúcho.

Chapecó apresentou níveis elevados de crescimento econômico e populacional (especialmente de população urbana) ao longo de toda a segunda metade do século XX e primeiros anos deste século. Com uma população total de 209,6 mil habitantes em 2016 e taxa de urbanização de 91,6% (2010), o município se destaca por sua importância naquele que é considerado um dos maiores circuitos espaciais de produção de carnes e derivados da América Latina, abrigando em seu território importantes unidades processadoras de produtos alimentícios de origem suína e avícola, além de diversas outras empresas com atividades de apoio à produção agroindustrial. Tal circuito articula à referida cidade áreas de produção agropecuária de espaços rurais, bem como as pequenas cidades do seu entorno, a partir dos fluxos de mercadorias, pessoas e capitais. Além disso, a cidade vem concentrando uma miríade de outras atividades econômicas e de serviços privados e públicos não existentes em outras cidades próximas, reforçando ainda mais a sua centralidade regional[2]. No plano urbano-regional, Chapecó articula também uma rede urbana constituída por cidades de pequeno porte e centros intermediários (como Concórdia, Pinhalzinho, São Miguel do Oeste e Xanxerê), em que cada cidade mantém um grau específico de articulação com o centro regional e cumpre um determinado papel na divisão territorial do trabalho na região[3].

O dinamismo do processo de urbanização teve, contudo, importantes implicações econômicas, demográficas, socioespaciais e ambientais, tanto em escalas intraurbanas como no nível regional. Dentre as mais importantes, pode-se mencionar:

a) os processos de estruturação e reestruturação econômica nos espaços urbanos e rurais;

b) as interações econômicas e a dinâmica populacional no âmbito das relações cidade-campo;

c) as desigualdades e diferenciações socioespaciais e os impactos socioambientais em escalas intraurbana e regional, e;

d) as políticas de planejamento e gestão territorial em âmbito municipal e regional.

Neste contexto, os textos apresentados no presente livro, todos inéditos, representam um esforço inicial para se começar a preencher estas lacunas existentes no conhecimento científico acerca da região. Em seu conjunto, os trabalhos aqui reunidos fornecem subsídios importantes a pesquisadores, profissionais e estudantes e outros segmentos da sociedade, para que possam conhecer melhor as características do processo de urbanização na região de Chapecó e sua configuração socioespacial nas escalas intraurbana e regional. Quiçá, a partir disso, avançar na proposição de intervenções para uma gestão do território socialmente mais equânime e ambientalmente adequado.

Por fim, entendemos que esta obra, ao ser publicada no ano do centenário da cidade de Chapecó, ganha importância e destaque ao possibilitar e contribuir para que a população, no plano socioespacial da cidade e da região, possa melhor conhecer o seu passado, entender o presente e intervir de forma mais ativa e produtiva em seu futuro.

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A obra está organizada na seguinte estrutura. Iniciamos com um capítulo especial, redigido por Maria Adélia de Souza, professora titular de Geografia Humana da Universidade de São Paulo, respeitada por sua longa trajetória acadêmica e profissional na área do planejamento urbano e regional, que participou de capítulo importante da história do planejamento urbano em Chapecó. Ela integrou a equipe técnica do antigo Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERFHAU)[4], que elaborou, em 1971-72, o Termo de Referência[5] que orientaria a elaboração do primeiro Plano Diretor de Chapecó (que seria aprovado em 1974). Em função disso, Souza fez diversos trabalhos de campo na cidade na época, acumulando conhecimento empírico e expectativas quanto ao desenvolvimento da cidade. Cidade esta (deveras, outra…) que ela só voltaria a revisitar no ano de 2016, quando convidada para proferir a conferência de abertura do evento já mencionado. Assim, o capítulo inicial deste livro, intitulado Chapecó: quase 50 anos depois, traz memórias e reflexões de Maria A. Souza em relação às cidades de Chapecó do passado e do presente, além de questões e inquietações concernentes ao planejamento urbano.

Em seguida, são apresentados os estudos específicos desenvolvidos, totalizando mais dezesseis capítulos, estruturados em quatro partes. A parte 1, intitulada Urbanização e estruturação do espaço urbano: Estado, agentes econômicos e a questão social, traz cinco trabalhos. No primeiro deles, O Estado e a produção do espaço urbano de Chapecó nas décadas de 1970 e 80, a autora, Daniella Reche, discute a relação entre leis e planos urbanos e a produção da cidade, com destaque para o Plano de Desenvolvimento Urbano de Chapecó de meados dos anos 1970, e para a Lei de Zoneamento aprovada no início da década de 1980. A seguir, em Novas centralidades em Chapecó: subcentros e eixo comercial, Crislaine Motter e Vitor Ribeiro Filho analisam a centralidade e as subcentralidades de Chapecó desencadeadas no contexto do crescimento e diversificação da cidade.

Os três capítulos seguintes abordam mais especificamente aspectos da questão social no espaço urbano. Em A segregação socioespacial em Chapecó: formação histórico-geográfica e tendências contemporâneas, Ederson Nascimento analisa o processo de segregação de camadas sociais no espaço urbano desde as primeiras décadas de sua constituição até o período atual, identificando suas principais condicionantes, caracterizando os arranjos socioespaciais resultantes e problematizando as implicações dessa dinâmica sobre as condições de vida na cidade. Em seguida, Daiane Valentini, Janete Facco e Queila R. Conde, em Habitação de interesse social e a integração urbana no município de Chapecó, também refletem sobre a segregação socioespacial, partindo da análise da mobilidade, da infraestrutura e do acesso a equipamentos públicos dos empreendimentos de habitação de interesse social coletivo em regime condominial, com ênfase para a investigação de sua integração com a cidade.

Camila Antunes, por sua vez, em Contribuições da Antropologia nos estudos urbanos: olhares e reflexões a partir de uma etnografia na periferia, nos convida, conforme suas palavras, a “pensar a realidade cotidiana de uma população periférica”. Para tanto, a autora articula um rico referencial teórico a um trabalho empírico de observação, convivência e diálogo com populações residentes moradoras em dois dos bairros historicamente mais carentes, socioespacialmente segregados e com alteridade negada: São Pedro e Bom Pastor.

Os dois capítulos apresentados na segunda parte trazem Reflexões sobre o planejamento urbano: governança e participação. Primeiramente, Monica Hass, em A governança no processo de discussão do Plano Diretor de Desenvolvimento Territorial de Chapecó, analisa o processo de participação popular na elaboração do Plano Diretor de Chapecó de 2004 e em seu processo de revisão em 2006-2007, tendo em vista as diferentes configurações políticas da administração municipal. A participação popular no Plano Diretor de 2014, por sua vez, é avaliada em seguida por Queila Giacomini e Tainá Pravatto, em Mecanismo de participação popular no processo de revisão do Plano Diretor de Chapecó de 2014. O texto compila o estudo em andamento que questiona e investiga a participação popular na revisão do Plano diretor de Chapecó de 2014, a partir de indicadores de caráter participativo que auxiliam na compreensão da consistência da participação popular. A partir disso, apresenta interessantes reflexões para as políticas públicas.

Na terceira parte do livro, o foco se volta para as relações entre Ambiente urbano e ordenamento territorial. São cinco trabalhos. No primeiro deles, Janete Facco e Júlie Engler examinam a evolução da ocupação urbana em Chapecó, com destaque para a evolução dos loteamentos e para os conflitos ambientais emanados no crescimento e estruturação da cidade. Em seguida, em Paisagem e sistema de espaços livres no município de Chapecó, Daiane Valentini traz clara preocupação com a paisagem da cidade de Chapecó e utiliza o sistema de espaços livres como instrumento de análise e compreensão do território. A partir disso, faz importantes reflexões e avanços, e contribui para a reformulação da política urbana local.

O terceiro capítulo desta parte, intitulado A implantação dos parques urbanos e espaços verdes na área urbana de Chapecó, Gabriela Borges da Silva e Cássia Toniazzo, partindo da nova política urbana que se coloca com o Estatuto da Cidade, procuram identificar o cumprimento da função social da cidade de Chapecó, a partir do ordenamento territorial apresentado nos planos diretores municipais de 2004 a 2014, principalmente no que se refere à constituição de áreas verdes e parques. A seguir, Rutyeli Dalla Vecchia e Alexandre Matiello, em Da elaboração à implementação do plano de gestão integrada de resíduos sólidos de Chapecó: limites e desafios, abordam o passivo ambiental e social causado pelos resíduos sólidos, à luz da Legislação Federal de 2010. Localmente, analisam a política e a legislação do município de Chapecó e refletem sobre importantes pontos de seu processo de implementação e gestão para incremento da política local.

Fechando a terceira parte do livro, o trabalho Acesso solar e o planejamento urbano à luz da resolução 482/2012 da ANEEL: uma aplicação a macrozonas urbanas do município de Chapecó, de Miguel Pacheco, Isadora Zanela Zardo, Maiara Tais Wermeier e Mariana Munaretto Imlau, se estrutura na atual transição de matriz energética de fóssil para renovável, principalmente pela geração fotovoltaica. Discute questões técnicas e leis para implantação desta tecnologia frente ao processo de verticalização que se presencia na cidade de Chapecó e destaca pontos importantes para a qualidade da vida nas áreas urbanas.

Complementando as análises específicas sobre a cidade, na parte final do livro são abordadas Dimensões do espaço urbano-regional, tendo em vista que “cidade e região aparecem solidários”, como há muito já afirmava Milton Santos[6]. O capítulo De Chapecó a Passo Fundo: diretrizes para o desenvolvimento de uma região e o papel das universidades, Adriana Gelpi e Rosa Kalil realizam uma caracterização comparativa entre as regiões de abrangência de Passo Fundo (RS) e de Chapecó, discutindo os papeis desses aglomerados urbanos no seu contexto. Propõem também possibilidades de ações de integração das universidades da região entre si e com o seu entorno, visando contribuir mais efetivamente para a promoção o desenvolvimento regional.

A dinâmica populacional é tratada nos dois textos seguintes. Em Deslocamentos populacionais diários para Chapecó no contexto da nova urbanização, Rosa Alba, Simone Ostrowski, Ana Laura Vianna Villela, Claudio Machado Maia e Laiz Arruda voltam suas atenções para a migração pendular, analisando as redes de deslocamento diário de trabalhadores, que saem de diversos municípios catarinenses e gaúchos para trabalhar em frigoríficos de Chapecó. Posteriormente, Humberto Rocha, em Os reflexos do processo de instalação da UHE Foz do Chapecó sobre a configuração populacional do município de Chapecó (2000- 2010), analisa como o processo de instalação de uma obra de grande escala como uma usina hidrelétrica pode influenciar na configuração populacional regional. Tomando como objeto de estudo o caso da UHE Foz do Chapecó, o autor defende a hipótese de que medidas específicas de negociação durante o processo de instalação da hidrelétrica podem contribuir para a migração da população do espaço rural para a cidade.

O capítulo final, intitulado Cultura cabocla na paisagem rural de Chapecó, é assinado por Marlon Brandt, Melania O. Höhn e Maria N. Castamann. Partindo da concepção da paisagem como resultado de uma acumulação desigual de tempos[7] , o trabalho apresenta os processos de constituição e de ruptura de modos de vida caboclos, engendrados respectivamente nos âmbitos da interiorização do povoamento e da posterior colonização empresarial da região. Os autores mostram, no entanto, que ainda é possível encontrar a permanência e a ressignificação de muitos elementos da cultura cabocla, impressos na atual paisagem rural de Chapecó.

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Encerramos esta apresentação renovando nossos agradecimentos a todos aqueles que tornaram possível a realização do evento Chapecó em Foco, em 2016, e agora, da publicação deste livro. Dirigimos especial agradecimento à FAPESC, pela concessão de apoio financeiro, à UFFS e à Unochapecó pelo indispensável apoio institucional e, finalmente, aos pesquisadores que contribuíram com o evento na forma de apresentadores de trabalhos e, agora, como autores de capítulos, bem como a todos aqueles que colaboraram com a realização do referido evento ou que simplesmente o prestigiaram.

Boa leitura!

Chapecó, fevereiro de 2017.

Ederson Nascimento
Ana Laura Vianna Villela
(organizadores)

Notas de rodapé

1 Participaram da organização do evento os professores Ederson Nascimento (coordenador geral), Alexandre Maurício Matiello, Camila Sissa Antunes, Lídia Lúcia Antongiovanni, Marlon Brandt e Ricardo Alberto Scherma, da UFFS, e Ana Laura Vianna Villela, Claudio Machado Maia, Gabriela Borges da Silva, Queila Ramos Giacomini e Rosa Salete Alba, da Unochapecó, além de vários estudantes de graduação voluntários, de ambas as universidades.

2 NASCIMENTO, Ederson. Chapecó: evolução urbana e desigualdades socioespaciais. In: BRANDT, Marlon; NASCIMENTO, Ederson (orgs.). Oeste de Santa Catarina: território, ambiente, paisagem. São Carlos: Pedro & João Editores, 2015. p. 97-154.

3 FUJITA, Camila. Dinâmica urbana e regional no Oeste Catarinense: uma análise do papel de Chapecó e outras cinco cidades influentes na rede urbana. In: BRANDT, Marlon; NASCIMENTO, Ederson (orgs.). Oeste de Santa Catarina: território, ambiente, paisagem. São Carlos: Pedro & João Editores, 2015. p. 97-154.

4 O SERFHAU era o órgão ligado ao Governo Federal responsável pela coordenação e elaboração da política nacional na área de planejamento urbano no período de 1964 a 1975, e que estabelecia, inclusive, as normas técnicas para a elaboração dos Planos Diretores municipais, por meio dos chamados Termos de Referência.

5 BRASIL. SERVIÇO FEDERAL DE HABITAÇÃO E URBANISMO (SERFHAU). Chapecó-SC: Plano de Desenvolvimento Urbano: termos de referência. Rio de Janeiro: Minter, SERFHAU, 1972. 41 p.

6 SANTOS, Milton. A cidade como centro de região: definições e métodos de avaliação da centralidade. Salvador: Progresso, 1959.

7 SANTOS, Milton. Pensando o espaço do homem. 5. ed. São Paulo: Edusp, 2004.

Ano de lançamento

2017

ISBN [e-book]

978-85-7993-388-2

Número de páginas

597

Organização

Ana Laura Vianna Villela, Ederson Nascimento

Formato