Literatura e ensino: contribuições para a formação do professor de ensino básico
Organização: Mayra Pinto
APRESENTAÇÃO
Os ensaios deste livro foram escritos por professores e pesquisadores que investigam a literatura em sua intersecção com o ensino. Esse é um campo ainda recente no Brasil, no entanto, sua pertinência vem crescendo nos últimos anos dada uma demanda cada vez mais recorrente dos professores de português do ensino básico: a formação continuada para ensinar literatura. Bem conhecida de quem trabalha com esse público, a constatação é uma das principais conclusões da publicação Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE): leitura e biblioteca nas escolas públicas brasileiras[1], produzida com base em uma pesquisa de Avaliação Diagnóstica feita em escolas públicas de todo país. De um modo geral, a comunidade escolar – não só os professores, mas também bibliotecários, diretores, coordenadores – apontou duas razões para essa necessidade: os profissionais que trabalham com o texto literário desconhecem estratégias específicas para o seu tratamento na escola – na biblioteca, na sala de aula -, e em sua trajetória de vida o contato com a produção literária não foi muito frequente – sobretudo no que se refere à produção considerada canônica -, o que significa uma boa dose de insegurança quando confrontados com as especificidades próprias do discurso literário.
Como consequência dessa falta de formação, muitas vezes ocorre uma abordagem superficial da literatura. Isso acontece com frequência quando o texto literário serve de pretexto para o estudo gramatical ou para a compreensão de seus aspectos específicos e de modo isolado como a temática, a estrutura composicional, questões lexicais etc. Com tratamentos desse tipo, que privilegiam a escolarização do texto literário, o objetivo de formar um leitor literário acaba se tornando comprometido.
Para que o professor tenha clareza sobre a ineficácia de tratamentos desse tipo, é preciso que saiba reconhecer a diferença entre os objetivos de formação do leitor proficiente e do literário. Como sabemos, o leitor proficiente conhece seus objetivos diante de um texto, identifica vozes, lança mão do uso de estratégias de leitura distintas, dependendo dos gêneros com os quais se defronta, enfim, avalia todos os elementos necessários para uma boa compreensão/interpretação do texto. Já o leitor literário não tem, necessariamente, de se embater com objetivos pré-determinados de leitura: sua experiência é o que deve determinar, a priori, sua relação com o texto. Diante de uma produção literária, é possível qualquer tipo de relação – desde o desprezo, que implica deixar de lado o “antipático objeto”, para lembrarmos como se sentia Graciliano Ramos em relação aos primeiros livros de sua infância, até um tipo de intimidade, que pode implicar marcas importantes na subjetividade do leitor, como, talvez, o reconhecimento de impulsos “assassinos” nas mentes e corações mais improváveis, depois da leitura de Crime e Castigo!
Para muitos professores, esse é o ponto mais delicado no ensino de literatura, porque implica ter um conhecimento seguro não só sobre as inúmeras abordagens próprias do texto literário, mas sobretudo ter a experiência da literatura como condição de sua própria formação.
Tendo em vista a complexidade da tarefa, os autores procuraram oferecer ao professor algumas possibilidades de abordagens do texto literário levando em consideração também a demanda de sua formação.
Norma Discini abre o livro com um artigo fundamental em que as relações entre literatura e estilo são tratadas de modo a esclarecer não só as questões estéticas implicadas nos discursos, mas também as questões éticas. Essa relação, muito mais amalgamada do que imagina o senso comum, costuma não ser tratada com a devida profundidade no ensino tanto de língua, quando aborda os inúmeros gêneros discursivos, quanto de literatura propriamente.
Outra questão, abordada no artigo de Claudemir Belintane, que ainda sofre certa dificuldade de aplicação no âmbito do ensino diz respeito à oralidade. Belintane propõe o conceito de corporalidade – que abarca tanto a tradição popular de literatura oral, quanto a corporeidade infantil – como um eixo didático importante para o tratamento das questões próprias do discurso oral no ensino de língua e literatura.
A confluência direta entre os estudos de língua e literatura apresenta-se como uma proposta cheia de possibilidades para o ensino no artigo de Ernani Terra. O professor poderá encontrar um caminho para ensinar literatura por meio das marcas linguísticas e das figuras presentes no nível discursivo do texto.
As ideias do Círculo de Bakhtin, tão presentes hoje nos estudos da linguagem, e no entanto, ainda pouco compreendidas em sua extensão, são o centro teórico para abordar algumas questões de literatura. No artigo de Suely Corvacho, São Bernardo, de Graciliano Ramos, é analisado tendo em vista “o romance dentro do romance”, isto é, a construção de uma dupla enunciação, questão própria de vários romances importantes do século XX e que pode ser bem compreendida por meio de uma análise bakhtiniana. Mayra Pinto aborda outro eixo, central nos estudos do Círculo, que trata do aspecto axiológico da linguagem – como os valores sociais constituem qualquer produção discursiva e, mais especificamente neste ensaio, uma crônica de Machado de Assis.
Mayra Pinto
Ano de lançamento | 2017 |
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ISBN | 978-85-7993-395-0 |
Número de páginas | 157 |
Organização | Mayra Pinto |
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