O complexo discursivo sobre a prisão política durante a ditadura militar, a partir da perspectiva das vítimas, dispõe de depoimentos, cartas, entrevistas, narrativas, ocupando majoritariamente o espaço dos estudos sobre a literatura de testemunho dos anos de chumbo. A poesia produzida durante ou após o cárcere, contudo, embora em menor quantidade, permanece esquecida entre a crítica especializada, o que expõe a continuidade de formas de impedimento na transmissão da memória, já tão comprometida por gestos de interferência, manipulação e eliminação dos registros nos órgãos militares. Pedro Tierra, no imponente “Poema – Prólogo”, denuncia, com o uso certeiro das aspas, as estratégias de encobrimento dos destinos de muitos dos militantes presos: “Porque sou o poeta / dos mortos assassinados, / dos eletrocutados, dos “suicidas”, / dos “enforcados” e “atropelados”, / dos que “tentaram fugir”, dos enlouquecidos”.
Estabelecida desde o princípio sob as marcas, psíquicas e sociais, da censura, do silenciamento e da exclusão, essa produção poética permanece sob o risco permanente de novos impedimentos. Na direção oposta ao esquecimento em forma de apagamento, neste livro, o trabalho de memória se ocupa não apenas da tarefa de conservação, mas também de transmissão do testemunho da aterradora experiência prisional por meio da leitura dedicada e minuciosa de dezenove poemas produzidos na ou sobre a prisão política. Aqui, cada ensaio propõe que paremos por um instante, ainda que um breve instante, para colher com atenção o dizível e o indizível de cada testemunho em chave poética, como um compromisso ético na luta contra o autoritarismo e a violência de Estado.
