Política de Educação Especial no Brasil: Análise da Produção de Textos de 2004 a 2019

Bruna Raffaini Sebin, Enicéia Gonçalves Mendes, Vivian Santos

APRESENTAÇÃO

A presente investigação compõe a agenda do Grupo de Pesquisas sobre Formação de Recursos Humanos e Ensino em Educação Especial (GP-FOREESP) da Universidade Federal de São Carlos, criado em 1997, e que, em 2022, completa 25 anos de produção de pesquisas cujo ensejo é, dentre outros, colaborar com o processo de democratização do acesso oferecido aos estudantes que integram o Público-Alvo da Educação Especial (PAEE)[1], além da melhoria de sua qualidade.

Em 2010, emergiu no grupo a ideia de fomentar a implantação de uma rede nacional de pesquisadores da área de Educação Especial, que viria a ser o Observatório Nacional da Educação Especial (Oneesp)[2] , com foco na produção de estudos integrados sobre políticas e práticas direcionadas para a questão da inclusão escolar na realidade brasileira, a fim de potencializar a produção de informações e de conhecimentos necessários para o amparo às decisões em matéria de políticas de inclusão escolar dos sistemas educacionais. Com isso, oportuniza-se a partilha de experiências entre pesquisadores, aperfeiçoando a sistemática de produção de conhecimento e de desenvolvimento de pessoal dos profissionais envolvidos na área de Educação Especial.

O estudo inaugural do Oneesp[3] (MENDES, CIA, 2015) foi desenvolvido em 56 municípios por 219 pesquisadores. Houve a seleção de três eixos temáticos, norteadores da investigação, a saber: 1) Avaliação dos alunos atendidos nas Sala de Recursos Multifuncionais (SRM); 2) Formação de Professores das SRM e 3) Organização e funcionamento das SRM. Os estudos sobre cada um desses eixos, em diferentes municípios, foram apresentados nos encontros do Oneesp e os pesquisadores publicaram relatos de seus respectivos estudos em contextos locais. A maioria deles transformou esses trabalhos apresentados em artigos que compuseram três coletâneas já publicadas, da série Observatório Nacional de Educação Especial, que se intitulam “Inclusão escolar e a avaliação do público-alvo da educação especial” (MENDES; CIA; D´AFFONSECA, 2015), “Inclusão escolar e os desafios para a formação de professores de educação especial” (MENDES, CIA, CABRAL, 2015) e “Inclusão escolar em foco: organização e funcionamento do atendimento educacional especializado” (MENDES; CIA; TANNÚSVALADÃO, 2015). Com auxílio dos pesquisadores da rede do Oneesp foi feita uma survey nacional com professores de salas de recursos multifuncionais, usando um questionário online, em larga escala, obtendo-se o retorno de 1.202 questionários preenchidos por professores de SRM, de 20 estados e de mais de 100 municípios brasileiros.

Entre os principais achados, as evidências apontaram que, apesar de os instrumentos forçarem uma padronização da política de inclusão escolar pelo Ministério de Educação, como apontam Bowe e Ball (1992), no contexto dos municípios e estados, essa política acabava sofrendo múltiplas traduções e interpretações, de modo que as políticas locais assumiam diferentes contornos, fosse entre estados, fosse entre municípios de um mesmo estado, ou ainda entre diferentes escolas de um mesmo município. Os diferentes estudos indicaram que os municípios estavam tentando prover o necessário para efetivar, em suas redes, outros tipos de serviços de apoio à escolarização de estudantes do PAEE. Os aspectos críticos identificados na política, que precisariam de revisão, se resumiam à questão da avaliação dos estudantes, da formação dos professores e do modelo de serviço de apoio baseado em um modelo único, que seria o Atendimento Educacional Especializado (AEE) nas SRM. Tal modelo não parecia suficiente para contemplar as necessidades do alunado que se beneficiava desse serviço. Além disso, percebeu-se que os municípios que assumiam a autoria desse processo, reinterpretando a política nacional, dando novos contornos às políticas locais e fazendo parcerias com universidades, acabavam construindo novas e importantes possibilidades de desenvolvimento de redes de serviços a caminho de um sistema educacional para todos. Enfim, os resultados obtidos permitiram vislumbrar muitos desafios ao avanço das políticas e práticas de inclusão escolar no país, que requerem a união entre a universidade e as redes de ensino.

O Censo Demográfico de 2010 registrou a existência de 1.819.712 crianças e adolescentes no país, de 4 a 17 anos, que não conseguiam ou tinham grande dificuldade para enxergar, ouvir, caminhar ou subir degraus, ou ainda, possuíam alguma deficiência intelectual permanente, que limitava suas vidas habituais. Assim, considerando a necessidade de ampliar a cobertura e de universalizar o acesso, seria necessário passar dos cerca de um milhão de matrículas atuais para, no mínimo, dois milhões de matrículas. Para isso, é importante incentivar o incremento mais expressivo de matrículas em escolas comuns, aumentando assim a responsabilidade da educação pública pelo direito à educação do PAEE.

A legislação brasileira estabelece ainda que, para esses estudantes, a frequência exclusiva na classe comum não basta. É preciso ofertar o AEE, preferencialmente em salas de recursos multifuncionais. O censo escolar de 2015 (BRASIL,2016), entretanto, registrou que apenas 325.410, ou seja, uma parcela de 39% do total, estaria recebendo AEE; portanto, cerca de 500 mil estudantes do PAEE estavam frequentando exclusivamente as classes comuns.

No Brasil, garantir o direito à educação é tarefa conjunta dos governos federais, estaduais e municipais, mas, a despeito do esforço de todas as instâncias, os resultados da política de educação especial na perspectiva da educação inclusiva não garantiram o direito à educação para o PAEE no país. A prova disso está na Meta 4 do Plano Nacional de Educação (BRASIL, 2015), que estabelece, para essa modalidade de ensino, a necessidade de universalizar ao PAEE o acesso à educação básica, na faixa de escolaridade obrigatória (dos quatro aos 17 anos), garantindo o acesso ao AEE ofertado, preferencialmente, nas SRM de escolas comuns.

A Lei 13.055, referente ao Plano Nacional de Educação (PNE), em seu parágrafo único, anunciou que o poder público buscaria ampliar o escopo de pesquisas com fins estatísticos, de forma a incluir informação detalhada sobre o perfil das populações de 4 (quatro) a 17 (dezessete anos) com deficiência e que a avaliação e acompanhamento de suas metas deveriam se basear em indicadores educacionais, tais como o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB[4] , combinados com os dados relativos ao desempenho dos estudantes apurados na avaliação nacional do rendimento escolar (BRASIL, 2020,2014). Entretanto no caso específico da meta 4, que diz respeito à Educação Especial, os indicadores quantitativos pouco permitem acompanhar a evolução do direito à educação dos estudantes PAEE, dado que muitos alunos sequer participam das avaliações de larga escala conduzidas no país (MENDES, CIA; TANNÚS-VALADÃO, 2015); logo, seus dados não são inclusos no IDEB.

Além disso, no campo da Educação Especial, os dados do censo escolar são duvidosos em função das dificuldades concernentes aos processos precários de identificação do PAEE nos sistemas de ensino. Cabe destacar, também, que os dados censitários não permitem avaliar se os sistemas de ensino estão avançando na garantia do direito à educação dos alunos PAEE. A questão que se coloca é a de como avaliar a política de inclusão escolar, para averiguar se os resultados apontam ou não para avanços na garantia do direito à educação aos estudantes do PAEE.

Em 2016, desenvolvemos o estudo “A avaliação da qualidade da Educação Especial no âmbito da Educação Básica”, atendendo à demanda induzida pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Esse instituto financiou o projeto de construção de ferramentas para a avaliação da política de Educação Especial no Brasil, promovendo o acompanhamento da meta 4 do PNE. A investigação conduzida em 2016 resultou na produção de 12 questionários para avaliação da política de inclusão escolar, com seus respectivos manuais e glossários. Tais questionários, ainda em fase preliminar, precisariam ser testados e aperfeiçoados, para que possam ser aplicados em avaliações de política em larga escala.

Em 2017, iniciamos um novo projeto intitulado “Avaliação da política de inclusão escolar em contexto municipal baseada na Abordagem do Ciclo De Políticas”, com financiamento da FAPESP[5] . A meta do projeto foi proceder a uma análise abrangente da política de Educação Especial no contexto de um município, visando a contribuir para a investigação sobre avaliação de políticas educacionais, para o avanço da política de inclusão escolar no país e para o desenvolvimento de procedimentos econômicos e exequíveis de avaliação em larga escala dessa política no âmbito dos municípios. Este projeto também foi aprovado na Chamada CNPq N º 12/2017 – Bolsas de Produtividade em Pesquisa – PQ[6].

[…]

[1] Compreende-se como Público-Alvo da Educação Especial, PAEE, aqueles estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e/ou altas habilidades/superdotação (BRASIL, 2011), e ao longo do texto será utilizada a sigla PAEE para abreviar o termo

[2] O termo Observatório Nacional da Educação Especial será referido pela sigla Oneesp a partir desse momento do texto.

[3] Projeto aprovado e financiado pelo Edital Capes/Observatório de Educação, com bolsas e auxilio, pelo CNPq Chamada Pública MCT/CNPq – N o 14/2012 – Universal / Universal 14/2012, com auxilio (Faixa A – e bolsas de IC e AT, e pelo Edital Bolsas no País / Produtividade em Pesquisa – PQ – 2014 .

[4] IDEB é um índice objetivo calculado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP, que é obtido a partir dos dados de rendimento escolar apurados pelo censo escolar da educação básica.

[5] Processo Fapesp 06129-6 aprovado no Edital Programas Regulares / Auxílios a Pesquisa / Projeto de Pesquisa / Projeto de Pesquisa – Regular – Fluxo Contínuo

[6] Processo CNPq 308732/2017-0 aprovado na Chamada CNPq N º 12/2017 – Bolsas de Produtividade em Pesquisa – PQ, com Bolsa de Produtividade Nível 1B.

Ano de lançamento

2022

Número de páginas

125

ISBN [e-book]

978-65-5869-929-3

Organização

Bruna Raffaini Sebin, Enicéia Gonçalves Mendes, Vivian Santos

Formato