Por que a creche é uma luta das mulheres? Inquietações femininas já demonstram que as crianças pequenas são de responsabilidade de toda a sociedade.
Organização: Flávio Santiago, Maria Amélia de Almeida Teles
PREFÁCIO
Redes Feministas da Universidade:
compromisso político e acadêmico na defesa dos direitos das mulheres e das crianças pequenas
Daniela Finco
A Educação Infantil, no Brasil, nasce como um instrumento emancipador das relações entre homens e mulheres na sociedade. Esse fenômeno não pode ser esquecido, quando pensamos no papel do professor na Educação Infantil. E, em um contexto no qual a infância está em constante mudança, ela agora aparece não só como sujeito de direitos, mas como sujeito público de direitos, sujeito social de direitos. Os direitos das crianças pequenas foram se reconfigurando com as pesquisas destes últimos anos, que passaram a observar o que as crianças pequenas fazem quando estão entre elas num ambiente coletivo organizado não por parentes, mas por profissionais adultos e/ou adultos com intencionalidade educativa.
Os cursos de formação docente para a Educação Infantil, ao envolverem as contribuições feministas e as relações de gênero, revelam muitos desafios ligados tanto à questão da construção da identidade docente de creches, quanto ao do direito efetivo dos bebês e de seus pais e mães trabalhadoras a uma creche com relações emancipadoras. Destaca-se assim a necessidade da discussão da contribuição feminista e das questões de gênero, como uma questão urgente e relevante em relação à qualificação profissional para atuar em todas as etapas da educação, principalmente na creche.
A proposta desta importante contribuição traz, dentre tantas outras, uma potente chave de leitura, a inserção da perspectiva de gênero no espaço de formação docente. A obra nos leva a refletir a respeito do envolvimento ativo da universidade, repensando criticamente seu programa de estudo, desenvolvendo uma consciência histórica e política das desigualdades sociais de gênero desde a pequena infância. Provocanos a repensar uma questão central: a neutralidade dos projetos de formação docente, ao apresentar sua ótica explícita, instrumentos formativos para a consciência feminista e de gênero. O contexto educativo da Universidade se configura como um espaço fundamental para promover uma cultura da diversidade de gênero voltada à crítica das formas sistemáticas de relações de poder desiguais entre os sexos, da eliminação das formas de discriminação e crítica aos modelos culturais da nossa sociedade.
O livro aborda os desafios da formação docente para a Educação Infantil e a meta de incorporar a perspectiva de gênero no processo educacional formal desde as primeiras relações na infância. Revela um importante cenário político da luta pela Educação Infantil de qualidade, com a contribuição dos movimentos feministas e dos movimentos pelo direito à Educação Infantil, traçando um paralelo dos direitos das mulheres e das crianças, na reivindicação do direito à creche como direito das crianças e opção das famílias. Neste contexto, o histórico de luta e a relevância da parceria dos movimentos feministas com a universidade revelam uma potente e necessária parceria para que a universidade possa fortalecer sua função democrática e antissexista. A obra mostra que experiências do feminismo universitário e movimentos sociais ainda revelam lacunas e apontam para espaços a serem ocupados.
A experiência do curso de formação relatada neste livro aponta para potência de programas universitários, que elencam gênero como parte de seu projeto de institucionalização e transversalização. Assim como revelou a pesquisa Intrusas en la universidad (2013), um projeto da Universidade Autônoma do México, que apresenta enfoque de gênero como uma proposta teórica para questionar saberes, valores e atitudes dentro do espaço acadêmico. Representa uma ferramenta indispensável para o processo de conscientização. De uma perspectiva não apenas acadêmica, mas fundamentalmente política, apontando que novas questões precisam ser levantadas. O projeto denuncia, por exemplo, as zonas de segregação disciplinar conceitualmente trabalhadas, alerta para mecanismos eficientes de ordenação e exclusão de mulheres e homens em diferentes cursos, mas principalmente com referência aos cursos de Pedagogia e Enfermagem, por exemplo.
A relevância destas iniciativas não somente importante para dar visibilidade à magnitude das desigualdades, mas principalmente para a criação de medidas institucionais, sistemas para eliminar as desigualdades e promover a discussão de gênero no âmbito acadêmico, construindo uma eficaz intervenção antidiscriminatória. Hoje, uma universidade responsável é aquela comprometida com o processo de democratização, equidade e justiça social, que realiza pesquisas e analisa a persistência da discriminação e, acima de tudo, promove redes feministas para pensar estratégias e diretrizes para a combatê-la. Quando pensamos na construção de uma “perspectiva transnacional” dos estudos feministas (BACHETTA e FANTONE, 2015), podemos compreender os desafios atuais no âmbito nacional e internacional, visando construir estratégias coletivas de enfrentamento da discriminação, da violência de gênero, envolvendo os espaços acadêmicos das Universidades.
O livro Por que a creche é uma luta das mulheres? dedica-se a identificar política e historicamente o contexto político voltado para a Educação Infantil, levando em consideração a luta dos movimentos feministas. Traz a perspectiva de gênero nas políticas de Educação Infantil, a partir da contribuição dos movimentos feministas que revelam as marcas das pressões sociais na reivindicação do direito à creche, com especial e merecido destaque às lutas das mulheres e o movimento feminista no Brasil, suas demandas por sociedades mais justas e igualitárias.
A leitura nos permite compreender as teorias feministas e de gênero como poderosas armas para apontar as desigualdades; ajuda a entender por que, apesar dos direitos conquistados nas últimas décadas, estamos retrocedendo nos direitos das crianças e das mulheres. Na teoria política produzida nas últimas décadas, a contribuição do feminismo se mostrou crucial (BIROLI e MIGUEL, 2015) identificando de que modo o patriarcado como forma de organização das relações sociais reduz as oportunidades de participação social das mulheres. Ao compreendermos a dimensão política das teorias feministas, buscamos apontar possibilidades de compreensão das relações de poder que permeiam a vida das mulheres e crianças.
Referências
BACCHETTA, Paola; FANTONE, Laura (Org). Femminismo queer postcoloniali: critiche transnazionali all’omofobia, all’islamofobia e all’omonazionalismo. Verona, Itália: Ombre corte/Culture, 2015.
BIROLI, Flávia ; MIGUEL, Luiz Felipe. Feminismo e Política: uma introdução. São Paulo: Editora Boitempo, 2015. BUQUET, Ana; COOPER, Jennifer A. MINGO, Araceli;
MORENO, Hortensia. Intrusas en la universidad. Universidad Nacional Autónoma de México. Programa Universitario de Estudios de Género: Instituto de Investigaciones sobre la Universidad y la Educación, 2013.
Ano de lançamento | 2018 |
---|---|
ISBN [e-book] | 978-85-7993-512-1 |
Número de páginas | 297 |
Organização | Flávio Santiago, Maria Amélia de Almeida Teles |
Formato |