Práticas educativas com o gênero canção na Educação Básica

Camila Farias Fraga, Marcos Baltar, Michela Ribeiro Espíndola, Tayná Miranda de Andrade

PREFÁCIO

Pensando o mundo, propondo práticas

Esta obra mobilizou o trabalho de professores universitários e seus estudantes. Certamente não quaisquer professores universitários, mas professores formadores de professores. Envolver-se com esta formação implica opções de diferentes ordens que resumiria na expressão “presença responsiva”.

Presença implica uma atitude para com o tempo. Atenção com o que ocorre no presente. Olhar atento e crítico – o que significa “escutar” para compreender a complexidade inarredável. E a ocupação com a formação faz transver, ir além e imaginar um tempo futuro. Não há necessidade de formação se o futuro não estiver no horizonte. Não há razões, exceto aquelas de um positivismo estreito, para compreender o mundo e as gentes se nenhum interesse houver em transformá-lo.

O leitor deste livro deve ter em mente que seus organizadores não pertencem à categoria dos acadêmicos indiferentes, cujas preocupações podem ser legítimas e o são, mas que não têm qualquer interesse em escutar e mudar o mundo. Por isso suas opções são distintas: seus objetos são outros, normalmente objetos em movimento (como é o caso de todo e qualquer aspecto que se queira conhecer nos processos pedagógicos); seus modos de aproximação são distintos (nada ingênuos e espontaneístas) operam com categorias analíticas cuja listagem nunca é definitiva, permitindo sempre a inclusão de outras que seus objetos lhes imponham e, ao mesmo tempo, não impõem ao objeto todas suas categorias como se estes devessem responder a um conjunto fixo; seus objetivos vão além da mera descrição porque buscam a interpretação, cujos componentes são a compreensão e a criação do novo.

Estes aspectos já se revelam no título – e em cada um dos capítulos – na escolha de um gênero multissemiótico como a canção, sem reduzi-la a sua letra ou apenas a sua música. Enfrentarão o verbal e o musical. E vão além: buscam o contexto da canção, desde aquele mais periférico – como o álbum em que a encontram – até a situação histórica em que ela foi elaborada, a que discursos responde, a que discursos alude, para que horizontes aponta. A seguir enfrentam a questão da autoria, das complicadas distinções entre o autor-pessoa do mundo e o autor-criador. Eis o que utilizam: o tetragrama. Que a palavra não assuste. O leitor a encontrará a cada capítulo e perceberá que as categorias que compõem cada um de seus eixos nem sempre são exploradas e nem precisam ser exploradas: o resultado analítico é sempre sólido. Todos os estudos feitos poderiam ser encerrados quando a análise é exposta. A maioria dos estudos acadêmicos colocaria aqui o ponto final. Oferecida a análise, os autores se retirariam e esperariam as leituras (e prováveis críticas que lhes permitiriam retomar em texto posterior, afinar análise e assim avançar na compreensão do objeto).

Aqui, no entanto, começa outra caminhada. Aquela que justifica o estudo feito. Depois de cada análise, o leitor – e espera-se que muitos sejam professores – encontrará um conjunto de propostas de atividades pedagógicas possíveis, não na forma de uma sequência a ser seguida passo a passo (como este retorno do tecnicismo em educação aparece nas “sequências didáticas” que conduzem o fazer do professor, transformando-o num ser não pensante, mas mero seguidor dos passos já percorridos), mas como inspirações de fazeres possíveis.

Salientemos, no entanto, que sem o estudo prévio da canção, nada poderá ser feito. E que os estudos aqui apresentados servem apenas de orientações e muitas outras canções podem e merecem entrar para nossas salas de aula. E a escolha da canção dependerá também dos estudantes. Isto porque o ponto de partida sempre serão eles que nos darão. Se as canções que escutam são outras, outras devem ser aquelas que funcionarão como ponto de partida para estudos de canções até que possamos lhes trazer algumas distantes de seu mundo, porque esta é nossa obrigação: partir do conhecido mas não permanecer no conhecido. Abrir portas, muitas, para que nossos estudantes possam ter direito a opções e não somente à repetição. Se isso não ocorrer, estaríamos apenas referendando o mundo que Raul Seixas critica em Quando você crescer (o leitor verá que esta é uma das canções aqui estudadas). Devo confessar aos leitores: certamente eu teria muitas dificuldades de preparar um trabalho sério como aquele aqui proposto com alunos que escutam e curtem canções sertanejas. Mas se estivesse diante da necessidade de estudá-las, eu o faria. Porque para conquistar mentes e corações é preciso estar também de coração e mente abertos.

Leio em Mia Couto: “a vida é demasiado preciosa para ser esbanjada num mundo desencantado” (Antes de nascer o mundo). A canção é um dos lugares de encantamento. De nada vale tudo saber da canção como gênero, se este saber tenha como produto o desencantamento. Há, portanto, que relacionar o estudo à sensibilidade. Vivemos hoje a esclerose da sensibilidade (a monstruosa desigualdade social e a fome não sensibilizam; um homem dormindo numa calçada não diz nada àquele que passa indiferente; a economia se distanciou da vida real e aqueles que comandam respondem “E daí?” numa indiferença assombrosa). Trazer a canção para a sala de aula tem esta outra virtude: abre o espaço para a sensibilidade. E não devemos ter medo de sermos humanos.

Antônio Prado (RS), maio de 2022.

João Wanderley Geraldi

Ano de lançamento

2022

Número de páginas

236

ISBN

978-65-5869-911-8

ISBN [e-book]

978-65-5869-916-3

Organização

Camila Farias Fraga, Marcos Baltar, Michela Ribeiro Espíndola, Tayná Miranda de Andrade

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