Uma leitura da climatologia escolar nos livros didáticos de geografia (1967-2013)

Bruno Falararo de Mello, João Pedro Pezzato

INTRODUÇÃO

Duas ideias principais sustentam este livro. A primeira está ligada à compreensão de que há uma Geografia escolar e uma Geografia acadêmica que são distintas em suas finalidades, e que nem sempre – ou praticamente nunca – as duas trilham o mesmo percurso. Cada qual tem seu próprio tempo e espaço. A segunda está ligada ao fato de que os autores de livros didáticos mantêm discursos vinculados à época em que produziram suas obras, nelas refletindo seus pensamentos e seus juízos de valores. As palavras, muitas vezes, dizem mais do que aparentam. A omissão delas, também.

A Geografia escolar tem a finalidade de produzir cultura, conforme sustentam Chervel (1988) e Lestegás (2002). A Geografia acadêmica tem a finalidade de produzir ciência. Apesar de diferirem quanto à finalidade, ambas estão indelevelmente ligadas. A Geografia acadêmica deve muito à escola. Se ela existe como curso superior e goza, há algum tempo, de status científico, é justamente por uma demanda escolar. Ela se institucionalizou para atender, primordialmente, a uma finalidade educacional, como bem atesta Goodson (1990).

Nossa proposta é a análise da climatologia escolar em livros didáticos para o que hoje se chama Ensino Médio. Para tanto, na fase de pré-pesquisa, entre conversas, análises e reflexões, optamos por fazer uma pesquisa diacrônica, isto é, através do tempo. Consideramos importante compreender como a climatologia foi apresentada em livros didáticos no decorrer das décadas. A ideia original consistia em avaliar se os conteúdos escolares concernentes ao clima haviam acompanhado as mudanças na ciência de referência, tanto na climatologia geográfica quanto na meteorologia (que influenciou bastante a climatologia no início do século XX).

Para isso, selecionamos cinco livros didáticos de autores da Geografia escolar brasileira, livros esses que, em nossa avaliação, são bastante representativos dos períodos em que foram escritos: O Mundo em que vivemos e Terra brasileira, de Aroldo de Azevedo, da década de 1960; Geografia geral, de Elian Alabi Lucci, da década de 1980; Panorama geográfico do Brasil, de Melhem Adas, também da década de 1980; Brasil: contextos e redes – volume I, de Angela Corrêa da Silva, Nelson Bacic Olic e Ruy Lozano, da década de 2010, cujo geógrafo é o segundo autor, a quem nos reportaremos doravante (os autores aparecem creditados nessa ordem no livro).

Por que dissemos representativos? O que eles têm de representativos? Na verdade, trata-se de obras que marcaram (e ainda marcam) presença na Geografia escolar, cujos autores são conhecidos. Apenas a título de exemplificação, tomemos Azevedo. Seus livros didáticos marcaram gerações de estudantes em razão do arco temporal de sua produção: ele começa em 1934 e segue até 1974, perfazendo 40 anos. Para além da cronologia, sabe-se que, por meio dos seus livros didáticos, Azevedo contribuía significativamente para a promoção de uma vertente da Geografia acadêmica, a Geografia francesa, de inspiração lablachiana, fato que ele faz questão de destacar em seu texto, como veremos. Azevedo – não se pode esquecer – foi professor universitário com cadeira na Universidade de São Paulo (USP), e trilhou tanto o caminho da educação básica, com sua vasta produção didática, como o da educação superior, contribuindo para a ciência de referência com suas pesquisas e seus artigos.

Os outros autores escolhidos também têm sua parcela de representatividade na produção didática da Geografia nacional. Lucci foi um produtivo autor de livros didáticos que começou nos anos 1970 e cuja produção ainda ocorre (seus últimos livros didáticos são da década de 2010). Segundo Resende (1986), que analisou parte de sua obra, seus livros estavam entre os mais vendidos no começo dos anos 1980. Adas é outro autor representativo da Geografia escolar. Também muito produtivo, iniciando suas atividades como escritor nos anos 1970 e até o momento produzindo (hoje, com o auxílio de seu filho). Adas é o autor que traz as discussões acadêmicas da vertente crítica da Geografia para os livros didáticos, oferecendo novo tratamento para as questões antigas, que a vertente tradicional (da qual fazem parte Azevedo e Lucci) não via necessidade de responder e solenemente ignorava: as questões da pobreza, da violência, das desigualdades sociais, das lutas no campo, da exploração da mão de obra assalariada etc.

Já na década de 2010, Olic et al. são representativos de uma nova vertente da Geografia escolar, que procura acolher as ideias de interdisciplinaridade, transdisciplinaridade e contextualização dos conteúdos, em consonância com as diretrizes elencadas nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), lançado inicialmente em 1998 para o Ensino Fundamental e logo após, em 2000, em versão para o Ensino Médio. O conhecimento, trabalhado a partir da óptica de competências e habilidades, deve estar articulado com outros campos do saber e dialogar diretamente com as necessidades da vida moderna.

Vemos certa ruptura no modo de produção dos livros didáticos: até meados dos anos 1990, eles costumavam ser produzidos por um único autor, que deixava sua marca impressa na obra. Assim, quando da análise das obras, conseguimos notar os traços discursivos particulares de Azevedo, de Lucci e de Adas, cada qual vinculado a uma corrente: os dois primeiros, à Geografia tradicional de base francesa/lablachiana; o último, à Geografia crítica/radical. Os autores de Geografia: contextos e redes – volume I escapam a essa simplificação. Não que eles não se vinculem a nenhuma tendência; em seus livros, notamos que ora apresentam os conteúdos tal qual fazem os autores da Geografia tradicional (de forma mais conteudista e menos engajada socialmente), ora o fazem com a verve crítica, denunciando as mazelas sociais. As tendências se mesclam. De todos os livros didáticos de Geografia recentes que pesquisamos para a nossa seleção, notamos que parece ser praxe, agora, serem escritos por equipe multidisciplinar, com três ou até mais profissionais, de forma a agregar diferentes visões sobre os assuntos a serem discorridos. Por outro lado, é mais difícil captar a verdadeira autoria dos discursos e a traçar a linha de pensamento desses autores.

Quanto ao campo de abrangência dos livros didáticos selecionados – Geografia geral e Geografia do Brasil –, um parêntese deve ser aberto. Azevedo aborda a climatologia em seus dois livros. Os dois fazem parte da mesma coleção, devendo ser trabalhados conjuntamente. No caso de O Mundo em que vivemos, o autor oferece considerações sobre climatologia geral. Em Terra brasileira, é trabalhada especificamente a climatologia do Brasil, com ênfase nos climas predominantes no nosso país.

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Ano de lançamento

2022

ISBN

978-65-5869-574-5

ISBN [e-book]

978-65-5869-575-2

Número de páginas

314

Formato

Autoria

Bruno Falararo de Mello, João Pedro Pezzato