(Re)leituras em Ferdinand de Saussure e Émile Benveniste

Organização: Jomson Teixeira da Silva Filho

APRESENTAÇÃO

 

Esta obra, que agora vem a público, busca reunir textos de diferentes pesquisadores brasileiros que têm se debruçado sobre as teorias da linguagem ligadas epistemologicamente aos nomes de dois linguistas cujas reputações dispensariam qualquer tipo de apresentação.

Se aqui o fazemos, é mais pela formalidade editorial e pelo prazer de falar sobre eles e menos pela necessidade de apresentá-los. Afinal, temos total ciência de que, ao menos minimamente, todos aqueles que, de alguma forma, interessam-se por questões da linguagem, seja para deles partir, seja para deles sugerir um afastamento ou até mesmo para ignorá-los, já se depararam com os conhecidos pelos epítetos de “pai da linguística moderna” e de “pai da linguística da enunciação”, a saber, Ferdinand de Saussure e Émile Benveniste, respectivamente.

Dois linguistas que têm em comum muito mais do que atribuições de “paternidades”. Dois linguistas complexos, enigmáticos até! Diante da leitura de seus textos, deparamo-nos com situações que, ao primeiro contato de um leitor desavisado – flutuação terminológica, complexidade conceitual, teorizações atribuídas, textos inacabados e lacunais – seriam suficientes para “justificar” a recusa de suas leituras, como o fazem muitos, aliás, lendo-os apenas de segunda mão, geralmente através de manuais de introdução. Normand (2009, p. 17) chega a afirmar, em relação a Saussure, que “uma leitura do conjunto do Curso, se é que é possível, nunca foi encorajada; contenta-se, o mais frequentemente, com extratos que ilustram uma apresentação comentada”.

Saussure ganha notoriedade internacional com um livro que efetivamente não publicou, o Curso de linguística geral, o Curso, livro editado por Bally e Sechehaye em 1916, a partir dos cadernos dos alunos que participaram dos cursos ministrados pelo mestre genebrino na Universidade de Genebra, entre os anos de 1907 e 1911, assim como a partir de poucas notas autógrafas de Saussure. Essa obra estabelece o “corte epistemológico” em relação aos estudos linguísticos anteriores ao eleger a língua como objeto da linguística — a partir de então, dita científica. Benveniste, parcialmente lido, é relacionado, quase que exclusivamente, ao campo da enunciação. Fato este destacado por Dessons:

particularmente sugestivo, até mesmo perturbador, o pensamento de Benveniste se vê frequentemente atenuado e desnaturalizado pela vulgarização de sua teoria linguística reduzida apenas às análises das marcas formais de enunciação, em detrimento das considerações teóricas de ordem mais geral, cujo alcance revela, no entanto, uma concepção forte e original das relações entre a linguagem e o homem (DESSONS, 2006, p. 26).[1]

Flores (2013, p. 19), por sua vez, é categórico: “É difícil ler Benveniste […] Digo isso porque é tão somente uma constatação óbvia aos olhos de todos os que se dedicam a lê-lo”. Essa dificuldade, contudo, leva-nos ao constante desafio de examinar o pensamento teórico desse autor que não nos deixa de surpreender a cada vez que voltamos aos seus textos, não só por sua erudição, mas também pela variedade de temas que fazem parte de seu cabedal teórico. Dá-se o mesmo com Saussure. Assim, parafraseando Flores (2013), afirmamos: é difícil ler Saussure.

Mesmo diante da dificuldade, e, talvez por ela mesma, assumimos com Barthes (2012, p. 213): “Lemos outros linguistas (afinal, é preciso), mas gostamos de Benveniste”. A partir das palavras do autor, completamos: lemos outros linguistas (afinal, é preciso), mas gostamos de Benveniste e de Saussure.

Sobre Saussure, no prefácio à tradução brasileira do Curso, no ano de 1974, Salum corrobora que o linguista suíço nunca esteve mais presente que naquela década, época em que se julgou o mestre genebrino superado por estar atrelado ao estruturalismo. Repetimos aqui, fazendo agora referência à atualidade, as palavras de Salum: Saussure nunca esteve mais presente do que em nossa época, mas agora não como um autor superado, e sim como um autor a quem se retorna.

O retorno a Saussure acontece efetivamente a partir da publicação dos Escritos de linguística geral, os Escritos. Estes trazem novos documentos descobertos em 1996 em um anexo da residência de Saussure, publicados por Engler e Bouquet em 2002 e traduzidos para o português brasileiro em 2004. Tal publicação torna possível o acesso direto às notas manuscritas do mestre genebrino por meio de um texto em formato de livro, o que, de certa forma, despertou uma avalanche de pesquisas interessadas em confrontar, comparar os manuscritos e o Curso.

Algo semelhante parece acontecer com Benveniste. Considerado por Arrivé (1997) como o linguista francês mais influente do século XX e, semelhantemente por Flores (2009), como um dos linguistas mais interessantes desse mesmo século, é conhecido principalmente pela publicação dos dois volumes de seus Problemas de linguística geral, os Problemas, que reúnem artigos publicados entre 1939 e 1972.

Similarmente ao que acontece com Saussure, a publicação dos manuscritos de Benveniste suscita um retorno ao seu pensamento para além da enunciação, tocando questões mais gerais de sua linguística, como a escrita, por exemplo, a partir da publicação, em 2012, por Jean-Claude Coquet e Irène Fenoglio, das “Últimas aulas no Collège de France (1968 e 1969)”, as “Últimas aulas”, obra traduzida para o português brasileiro em 2014.

Esse movimento de retorno à teoria da linguagem de Benveniste excede o “pai da linguística da enunciação” e abrange um autor, pesquisador e professor preocupado com as mais diversas problemáticas da língua(gem) e sua relação com o homem, como se percebe nos capítulos que compõem a presente coletânea.

Sobre esse retorno a Benveniste e sua semelhança com o retorno a Saussure, Dessons (2019, p. 71) sinaliza que, em relação à obra Baudelaire “Esses manuscritos podem pretender ter o mesmo papel para a teoria da linguagem de Benveniste que os Escritos de linguística geral, publicados em 2002 por Rudolf Engler e Simon Bouquet, [tiveram] para a teoria de Saussure”[2], Estendendo essa interpretação às Últimas aulas, completam Bédouret-Larraburu e Laplantine (2015, p. 18): “Os manuscritos sobre a linguagem poética, assim como o volume das Últimas aulas, relançaram a atualidade de Benveniste” [3].

Sobre as Últimas aulas, Dessons (2020) evidencia que sua gênese editorial apresenta uma semelhança com o Curso. As Últimas aulas é uma obra constituída de duas formas diferentes. Ela toma corpo a partir das notas de Benveniste para suas aulas no Collège de France, bem como a partir das notas dos cadernos de seus alunos, Jacqueline Authier-Revuz, Jean-Claude Coquet e Claudine Normand.

Dessons (2020), sobre isso, salienta que

Este protocolo, obviamente, lembra a abordagem adotada por Charles Bally e Albert Sechehaye, que reuniram as anotações feitas por vários ouvintes presentes nas aulas ministradas por Ferdinand de Saussure na Universidade de Genebra, com o objetivo de estabelecer o texto do Curso de linguística geral[4]. (DESSONS, 2020, p. 595, nota de rodapé 4, tradução nossa).

Contudo, a relação entre Saussure e Benveniste vai muito além das coincidências editoriais. Podemos dizer que esses autores estão ligados epistemologicamente, mesmo quando o segundo busca fazer uma crítica ao primeiro, caso em que, no artigo Natureza do signo linguístico, datado originalmente de 1939, Benveniste tece uma leitura que vai de encontro àquela estabelecida no Curso saussuriano, mas que, ainda assim, como pontua Faraco (2016), não deixa de destacar a importância e a abrangência da concepção de língua conforme a apresenta Saussure, a saber, a concepção de língua como um sistema de signos.

Benveniste, em relação a Saussure, enfatiza: “Não há hoje linguista que não lhe deva algo. Não há teoria geral que não mencione seu nome” (BENVENISTE, 2005, p. 34); ao que acrescenta: “Saussure é em primeiro lugar e sempre o homem dos fundamentos” (2005, p. 35). Nessa mesma linha de pensamento, ressalta De Mauro:

Basta olhar a lista das palavras que aparecem pela primeira vez no Cours, ou que receberam uma sanção definitiva, em uma acepção determinada, e continuam ainda válidas: sincronia, diacronia, idiossincrônico, pancronia, pancrônico, etc.; língua, linguagem e fala; signo, significante, significado; unidade linguística; sintagma, sintagmático; execução, consciência linguística; fonema, fonologia; substância e forma linguística; economia linguística, valor linguístico; código, circuito da fala, modelo; estado da língua, estático, semiologia, semiológico, sema; oposição, opositivo, relativo, diferencial; cadeia, talvez estrutura, certamente sistema. Raras são as palavras-chave da linguística contemporânea que, comuns a várias direções de pesquisas, não têm sua fonte no Cours de linguistique générale. (DE MAURO, 1967, p. iv, itálicos do autor) [5].

Como podemos perceber a partir da longa citação de Tullio De Mauro, para além das críticas estabelecidas à gênese do Curso na tentativa de colocar em suspensão sua validade, há o reconhecimento do discurso de fundação e de síntese dessa obra, a ponto de, como observa o linguista, estarmos em dívida com seus editores:

O Cours é, pois, a soma mais completa da doutrina saussuriana, e é, provavelmente, destinada a permanecer. Nossa dívida para com Bally e Sechehaye é, dessa forma, grande e evidente (DE MAURO, 1967, p. v, itálico do autor, negritos nosso)[6].

Diante da produtividade de pesquisas que testemunhamos nos últimos anos, podemos mesmo substituir o advérbio de dúvida “provavelmente”, na citação de De Mauro, pelo advérbio de afirmação “certamente”, haja vista o crescente número de pesquisadores que têm se debruçado sobre a teorização saussuriana.

Observando o cenário de retomadas de questões que dizem respeito à teorização de Saussure e à de Benveniste, afirma Aresi, neste volume: “A linguística vive um momento de retornos. Entretanto, não se trata apenas de um retorno, [pois] o gesto epistemológico não se resume a uma retrospectiva”.

Sendo assim, num “gesto epistemológico”, reiteramos a seguinte questão: “Por que ainda ler Saussure?”. É o que se questionam Fiorin, Flores e Barbisan (2013). É o que também se pergunta Cruz (2016): “Por que (não) ler o Curso de linguística geral depois de um século?”. Fiorin, Flores e Barbisan (2013) apresentam uma formulação que nos parece ser uma resposta bastante plausível às questões anteriormente colocadas:

O Curso de linguística geral, de Saussure, talvez seja o grande clássico da Linguística moderna […] criou um novo objeto para a linguística, a langue, e suas teses sobre a língua como uma instituição social, sobre a arbitrariedade do signo, sobre as análises sincrônica e diacrônica, etc. transformaram o fazer dos linguistas e alteraram a Linguística; atualmente, repetimos certas teses do mestre genebrino, como, por exemplo, de que na língua só há diferenças, sem querer saber que ele foi seu primeiro formulador. (FIORIN; FLORES; BARBISAN, 2013, p. 7, itálicos dos autores)

Respondidos[7] os questionamentos sobre o porquê de ainda se ler Saussure, perguntamo-nos: por que ainda ler Benveniste? É mais uma vez a Flores a quem recorremos para responder a essa pergunta: “É tempo de reler Benveniste. É mesmo necessário que a linguística volte a se surpreender com a fineza de um raciocínio que vai se fazendo na medida em que é exposto” (FLORES, 2013, p. 191), pois “muito há para ser entendido […] a partir do que os manuscritos trazem se tomados em relação com o que se conhece dos Problemas…” (FLORES, 2013, p. 192). A resposta de Flores é autoexplicativa e dispensa comentários.

Nessa lógica, gostaríamos ainda de destacar o encontro “Saussure-Benveniste”. [8]Tratar desse encontro, obviamente, não é um feito inédito. Tal encontro é destacado em especial por Normand (2012), em um texto que tem por título exatamente “Saussure-Benveniste”.

Nesse texto, a autora elenca cinco tipos de discursos que relacionam os nomes de Saussure e de Benveniste, a saber, a) o discurso da filiação, transmissão, da escola: Saussure genuit Benveniste; b) o discurso da novidade: Benveniste libertou os linguistas presos às amarras da teoria saussuriana; c) o discurso da comparação (ou, em sua variante démodé, da “influência”): Saussure forneceu os princípios, os temas e o método; Benveniste aplicou-o em análises concretas, que transformaram (ou simplesmente enriqueceram) de modo radical as descrições comparatistas; (NORMAND, 2012, p. 197); d) o discurso sobre a relação com a interdisciplinaridade; e) o discurso sobre a relação com a instituição universitária (NORMAND, 2012, p. 198).

Em relação ao primeiro discurso, o papel de Benveniste seria o de “transmitir” Saussure, dar continuidade à sua doutrina, desenvolvendo-a por meio de novas propostas. O segundo discurso estaria ligado à criação de uma nova linguística, que desse conta daquilo que Saussure teria deixado de fora de sua linguística, “enfim, uma Linguística diferente” (NORMAND, 2012, p. 197). O terceiro discurso trata da influência de Saussure sobre Benveniste: aquele dita o método, este o aplica. No que toca a interdisciplinaridade, quarto discurso, Benveniste, por meio de uma “Semiologia geral”, teria tirado a linguística de seu isolamento ao dialogar com filósofos, sociólogos e psicanalistas, o que não teria feito Saussure. Finalmente, o quinto discurso, aquele da notoriedade acadêmica, da solidão intelectual e, até mesmo, da descoberta ou não dos manuscritos inéditos, marcaria a relação entre esses dois linguistas.

Diante desses discursos, alguns deles já “proferidos violentamente”, Normand opta por um caminho diferente. A linguista prefere falar de encontros, o que, inclusive, justifica o título de seu texto “Saussure-Benveniste”, em que o hífen não expressa separação, mas justaposição numa “ordem neutra da cronologia” (NORMAND, 2012, p. 197).

Essa é também a nossa escolha. Como o leitor perceberá, a obra está dividida em duas partes. A primeira, seguindo uma “ordem neutra da cronologia”, apresenta textos sobre diferentes temas relacionados à teorização saussuriana. Já a segunda parte reúne textos que tratam da teoria da linguagem de Benveniste em suas mais diversas perspectivas. A separação em duas partes se dá apenas por uma questão didática. Não queremos, com isso, demarcar divergências excepcionais entre os autores, mas, ao contrário, assinalar “encontros”, “referências”, “presenças”. Daí a presença dos dois linguistas neste livro. Como diria Normand:

Mais do que de referências, tratar-se-á de presenças: ambos se impuseram e se impõem ainda hoje por quem se interessa por linguagem. Cada um deles [Saussure e Benveniste] mais do que revelar, levou os outros a pressentirem que algo essencial estava em jogo ali naquilo que continua sem ser consensualmente nomeado: língua, discurso, comunicação… Eles nos despertaram do sono dogmático, levantando questões que, não obstante suas tentativas e todas aquelas posteriores, não estão encerradas (NORMAND, 2012, p. 198).

É nessa perspectiva do “encontro” epistemológico – mesmo entendendo com Normand (2009) e com Flores (2017) que Benveniste, ao partir de Saussure, chega a outro lugar – que apresentamos ao público esta coletânea, a qual conta com dez capítulos que revisam, discutem, ampliam os pensamentos de Ferdinand de Saussure e de Émile Benveniste, assim como expõem abordagens inéditas sobre temas relacionados às teorias da linguagem desses autores.

No primeiro capítulo da primeira parte, Eliane Silveira, da Universidade Federal de Uberlândia, apresenta uma reflexão sobre o lugar que Saussure dá ao linguista em sua obra. Por meio da análise de um corpus saussuriano, a autora conclui que é possível encontrar, na produção de Saussure, uma preocupação recorrente com a natureza do linguista e com sua atividade.

No capítulo 2, Luiza Milano, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, elabora uma reflexão muito interessante sobre As mulheres e a linguística saussuriana. Da constatação de que, dentre os ouvintes dos cursos de Saussure que deram origem à edição do Curso de linguística geral, havia apenas uma mulher, Marguerite Sechehaye, Milano busca resgatar os principais nomes das contribuições de autoria feminina no campo da linguística saussuriana.

No capítulo 3, Stefania Montes Henriques, da Universidade do Estado de Minas Gerais, analisa os manuscritos saussurianos sobre lendas germânicas, considerando três conceitos principais: a semiologia, a história e a diacronia. A autora destaca, a partir de suas análises, a importância teórica das narrativas orais – as lendas – no domínio da linguística de base saussuriana.

No capítulo 4, Micaela Pafume Coelho, da Universidade Federal de Uberlândia, analisa o “Mémoire sur le système primitif des voyelles dans les langues indo-européennes”, com o objetivo de estabelecer uma compreensão das características da noção de sistema nesse único livro publicado por Saussure em vida. O texto da autora conclui que, no “Mémoire”, o mestre genebrino não se restringiu à metodologia comparatista habitual de análise das línguas, uma vez que a noção de sistema ali presente contribuiu para que o linguista rompesse com esse método de estudo tradicional.

No capítulo 5 dessa primeira parte, Jomson Teixeira da Silva Filho, da Universidade Federal de Alagoas, objetiva examinar a hipótese segundo a qual a linguística saussuriana é uma ciência de matriz epistêmica galileana, conforme defende Bouquet (2000 [1997]). O autor assume, com Milner (2012 [1978]), que Saussure não funda uma nova ciência linguística, mas dá continuidade à ciência da gramática comparada, que encerra todos os critérios que possibilitam caracterizá-la como uma ciência galileana.

Na segunda parte, destinada aos capítulos sobre Benveniste, Valdir do Nascimento Flores, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, brinda-nos, no capítulo 6, com uma interessante discussão sobre A ética do linguista, em que esboça uma avaliação dos termos pelos quais o linguista pode pensar em uma ética de sua prática, por meio da análise das notas manuscritas de Benveniste intituladas “A axiologia da linguagem”.

No capítulo 7, Núbia Rabelo Bakker Faria, da Universidade Federal de Alagoas, discute a “significação” em Benveniste, a partir da confrontação entre os textos Natureza do signo linguístico (1939) e A forma e o sentido na linguagem (1967). A autora destaca os usos contrastantes do termo “significação” empregado no primeiro texto a partir de uma semântica não linguística. No segundo texto, a pesquisadora ressalta o uso do termo “significação” por meio da referência à reflexão linguística benvenistiana, reflexão esta que estabelece duas maneiras de ser da língua: a língua como semiótica e a língua como semântica.

No capítulo 8, Giovane Fernandes Oliveira, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, investiga a noção de conversão na teoria da linguagem de Émile Benveniste. Sua hipótese de leitura é a de que tal noção comparece, nessa teoria, em duas abordagens: uma vinculada à teorização benvenistiana sobre a enunciação e outra, à sua teorização sobre a semiologia, hipótese esta confirmada pelo exame do corpus de pesquisa estabelecido pelo autor nesse interessantíssimo estudo.

No capítulo 9, de Daiane Neumann, da Universidade Federal de Pelotas, encontramos uma reflexão acerca da abertura do pensamento benvenistiano em direção a uma poética do discurso. O texto discute duas temáticas transversais à obra de Benveniste: a subjetividade e a discursividade. A autora conclui que a discussão a propósito de Baudelaire, desde o ponto de vista da poética do discurso, é uma das aberturas possíveis da teoria da linguagem de Benveniste.

Por último, no capítulo 10, Fábio Aresi, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, realiza uma leitura de textos de Benveniste baseada na hipótese de que a problemática da relação entre língua e sociedade se apresenta, direta ou indiretamente, nos diferentes eixos de investigação do linguista. O estudo de Aresi sustenta que há a possibilidade de se conceber a relação língua-sociedade como uma nova perspectiva teórica para os estudos linguísticos filiados ao pensamento benvenistiano.

Como se pode perceber, este livro traz uma gama de diferentes aspectos relacionados aos pensamentos teóricos de Saussure e de Benveniste, abrindo a possibilidade para que se amplie a problemática em torno das teorias da linguagem que dizem respeito a esses dois autores tão importantes para a linguista moderna.

Esperamos que esta obra possa contribuir, no campo editorial brasileiro, com os estudos sobre Saussure e Benveniste, servindo aos pesquisadores que se interessam por questões da linguagem relacionadas aos pensamentos desses linguistas, como fontes de contato e inspiração teórica.

Gostaria de agradecer a cada autor(a)/pesquisador(a)/ professor(a) que contribuiu com suas pesquisas e seus textos para que esta coletânea viesse a público. Com certeza, a comunidade acadêmica recebe agora o resultado de profundas reflexões desses pesquisadores(as) que têm se dedicado, em solo brasileiro, à fortuna saussuriana e à fortuna benvenistiana.

 

Notas de rodapé

[1] Tradução de Rosário, 2018, p. 27.

[2] Tradução de Rosário, 2018, p. 37

[3] Tradução de Rosário, 2018, p. 37.

[4] No original: “Ce protocole rappelle, évidemment, la démarche adoptée par Charles Bally et Albert Sechehaye qui ont rassemblé les notes prises par plusieurs auditeurs présents aux leçons données par Ferdinand de Saussure à l’Université de Genève, en vue d’établir le texte du Cours de linguistique générale”.

[5] Tradução de Costa e Scherer, 2018, p. 243.

[6] Tradução de Costa e Scherer, 2018, p. 243

[7] Por certo, estamos ignorando todas as outras muitas razões que poderiam responder a esses questionamentos satisfatoriamente. Há inúmeros outros motivos pelos quais Saussure, uma mente extremamente original e inquieta, torna-se objeto de “retornos”. Esta obra, nos capítulos que compõem a primeira parte sobretudo, põe o leitor em contato com os mais diversos pontos da teorização saussuriana

[8] Essa expressão faz clara referência ao texto de Normand (2012), sobre o qual passamos a nos debruçar a partir daqui.

 

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Ano de lançamento

2021

ISBN

978-65-5869-482-3

ISBN [e-book]

978-65-5869-483-0

Número de páginas

276

Organização

Jomson Teixeira da Silva Filho

Formato