Ensaios sobre Prosopopeia (1601), de Bento Teixeira (Homenagem a Ivan Prado Teixeira)

Cleber Vinicius do Amaral Felipe, Jean Pierre Chauvin

LEGADOS DE IVAN TEIXEIRA

Esta coletânea de ensaios sobre a obra de Bento Teixeira foi concebida ao longo de 2021 e reúne ensaios, alguns deles inéditos, que julgamos por bem congregar em um mesmo volume, com vistas a reforçar a mensagem de que Prosopopeia precisa ser relida com o devido cuidado, observando-se perspectivas que escapem à reprodução de lugares-comuns de incerta crítica.

O pressuposto deste livro é que o poema perde muito, se interpretado como “poemeto” que plagia (e imita mal) Os Lusíadas, mesmo porque em 1601 – ano em que Prosopopeia foi publicado – vigoravam as doutrinas de um tempo em que a Poética de Aristóteles voltara a circular nos mosteiros e cortes da Europa, somando-se aos diversos tratados produzidos, posteriormente, ao tempo do filósofo estagirita, como a Carta aos Pisões de Horácio (século I a.C.) e o Do Sublime, de Longino (século III d.C.).

O poema foi publicado postumamente e o dado biográfico, sempre sujeito à verificação, em nada colabora na análise e interpretação do poema. Trata-se de uma epopeia que segue os preceitos do gênero e aplica, decorosamente, determinadas tópicas em conformidade com o estilo grave. Após lermos a “Proposição” do poema e a “Invocação” a Deus, emulando as fórmulas dos antigos greco-latinos, a narração passa a ser conduzida por Proteu: divindade que domina os mares e relata as façanhas de Jorge de Albuquerque Coelho, governador da capitania de Pernambuco, filho de Duarte Coelho – o primeiro capitão donatário da capitania de Pernambuco.

Uma das versões mais recentes de Prosopopeia foi editada por Ivan Prado Teixeira em 2008, acompanhada do estudo de Marcello Moreira. Na apresentação, o organizador salienta a importância de se apresentar “textos com apurado rigor editorial, sempre acompanhados de estudos que situem as respectivas obras nas questões de seu tempo e na história de sua leitura” (TEIXEIRA, 2008, p. 11).

Os capítulos desta coletânea valorizam os mesmos predicados, pois evitam formulações alçadas a verdades incontestes, autorizadas pela crítica e reproduzidas sem o devido cuidado, ignorando os aparatos técnicos que ancoravam a produção artística luso-brasileira dos séculos XVI, XVII e XVIII. Em artigo de 2003, Teixeira mencionou que, no século XIX, foi criado um “programa de desconsideração sistemática pelo conhecimento das normas específicas de produção textual de cada um dos períodos que, a partir do século XX, seriam respectivamente denominados de Classicismo, Neoclassicismo/ Arcadismo e Barroco” (TEIXEIRA, 2003, p. 138-139).

Contra a hermenêutica tradicional, que apagava “as diferenças culturais próprias de cada época”, o autor expõe o método retórico-poético, que “enfrenta o sentido artístico de um texto como contingência histórica, entendendo-o como resultado de operações lógicas de sistemas convencionais, cujo funcionamento pretende conhecer e classificar” (TEIXEIRA, 2003, p. 153). Ao recusar a ideia de valor absoluto e questionar juízos pautados em critérios contestáveis, Ivan perscruta novos caminhos para a pesquisa das chamadas letras “coloniais”.

Voltada para o poema de Bento Teixeira, esta coletânea também é uma homenagem a Ivan Teixeira. O sobrenome comum talvez sugerisse algum grau de parentesco; mas o vínculo se dá, na verdade, de outra forma: o poeta é fonte; o homenageado, estudioso dela. Em 13 de novembro de 2012, Ivan esteve na Academia Brasileira de Letras e palestrou sobre a tradição do discurso épico na literatura brasileira, concedendo atenção considerável à Prosopopeia e sua “desclassificação sumária” (expressão do palestrante). Na ocasião, ele sugeriu que o poema de Bento Teixeira parodia Camões, ou seja, deforma seus versos, sem reproduzi-los de forma servil.

Ao propor uma revisão crítica da matéria, não buscou, simplesmente, incluir a epopeia no cânone, mas desnaturalizar os critérios românticos e valorizar os recursos datados do poeta. Com esse apelo, o autor estudado e o estudioso homenageado se tornam aliados, pois um deixa de ser sombra de Camões; o outro substitui a obscuridade projetada pela crítica, para aderir à historicidade dos enunciados, que devem ser acompanhados de um estudo criterioso dos preceitos do passado.

Logo, os Teixeira cá estão, porque se complementam: um como objeto de estudo digno de atenção; o outro, como teórico que preparou terreno para que este estudo pudesse ser concebido.

Referências

TEIXEIRA, Ivan (org.). Épicos. São Paulo: Edusp; Imprensa Oficial, 2008.

TEIXEIRA, Ivan. Hermenêutica, retórica e poética nas letras da América Portuguesa. Revista USP, São Paulo, n. 57, p. 138-159, 2003.

TEIXEIRA, Ivan. A epopeia revitalizada. “A tradição do discurso épico na literatura brasileira” (Palestra). Disponível em: https:// www.youtube.com/watch?v=c_FoBrKhdkw. Acesso em: 03/2022.

Ano de lançamento

2022

Número de páginas

157

ISBN

978-65-5869-769-5

ISBN [e-book]

978-65-5869-770-1

Organização

Cleber Vinicius do Amaral Felipe, Jean Pierre Chauvin

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